Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

 

Protocolado nº 146.801/2010

Interessado: 19º Promotor de Justiça de Guarulhos

Suscitado: 22º Promotor de Justiça de Guarulhos

 

Ementa:

1)     Recusa de intervenção. Encaminhamento judicial de cópias, a pedido do Ministério Público, para fins de adoção de providências pela Promotoria da Infância e da Juventude. Indeferimento e arquivamento do expediente.

2)     Representação ao Procurador-Geral de Justiça, formulada pelo interessado, invocando, por analogia, o disposto no art. 28 do CPP.

3)     Não conhecimento. Impossibilidade de aplicação analógica do art. 28 do CPP. Independência funcional do membro do MP. Impossibilidade de revisão dos atos de execução dos órgãos ministeriais por provocação de outros membros da instituição.

1)   Relatório.

Tratam estes autos de expediente instaurado por representação do interessado, DD. 19º Promotor de Justiça de Guarulhos, figurando como suscitado o DD. 22º Promotor de Justiça de Guarulhos, postulando-se a revisão da conduta deste último com fundamento, por analogia, no art. 28 do CPP.

O interessado, DD. 19º Promotor de Justiça de Guarulhos, noticia que oficia como custos legis nos autos 1.262/09, da 5ª Vara de Família e Sucessões de Guarulhos. Neste processo as partes controvertem a respeito do cumprimento de obrigação de fazer, relacionada à guarda e exercício de direito de visitas com relação à filha menor de ambas.

No desenrolar da instrução do feito judicial, surgiu a notícia de que a menor teria sido vítima de abuso sexual cometido por parte do genitor. Assim, entendendo o DD. 19º Promotor de Justiça de Guarulhos que a criança estava em situação de risco, nos termos do art. 98, II do Estatuto da Criança e do Adolescente, postulou a extração de cópias do feito judicial e seu encaminhamento à Promotoria da Infância e da Juventude.

Noticia, contudo, que o DD. 22º Promotor de Justiça de Guarulhos, recebendo as cópias que lhe foram encaminhadas, não realizou nenhuma diligência para esclarecimento dos fatos. Entendendo tratar-se de mero “conflito familiar”, concluiu a suscitada pelo indeferimento da representação.

A partir daí, o 19º Promotor de Justiça de Guarulhos, autor da representação aqui examinada, adotou providências por ele mesmo indicadas: (a) intimou a Assistente Social que havia subscrito declaração na qual constava que a criança havia sido vítima de estupro, e colheu suas declarações no Gabinete da Promotoria; (b) recebeu da genitora da criança representação na qual ela solicitava a substituição da Psicóloga do juízo que acompanhava seu caso; (c) encaminhou a representação contra a Psicóloga judicial à Corregedoria-Geral da Justiça.

Anotou finalmente que as providências que estavam ao seu alcance foram adotadas no feito junto à 5ª Vara de Família e Sucessões de Guarulhos, mas que é imprescindível a adoção de medidas na esfera da Vara da Infância e da Juventude, para a proteção integral da criança antes referida.

Pugna, assim, para que o Procurador-Geral de Justiça, com fundamento no art. 28 do CPP, reveja a solução dada ao caso pelo DD. 22º Promotor de Justiça de Guarulhos, “instaurando-se procedimento para apuração da situação de risco da menor” (fls. 2/9).

Nas cópias enviadas com a representação, além de documentos do processo judicial encontra-se a decisão do DD. 22º Promotor de Justiça de Guarulhos (fls. 151/152), vazada nos termos transcritos a seguir:

“(...)

Analisando com vagar aqueles autos observo que se trata de conflito entre pai e mãe e que foram realizadas duas avaliações psicológicas pela competente técnica, que também atua na Vara Especializada da Infância e da Juventude. Naquelas avaliações não houve sequer suspeita do abuso sexual noticiado. A dd. Psicóloga apenas relatou que se trata de intenso conflito entre os pais justamente em razão da mãe não aceitar o rompimento do relacionamento. Trata-se de conflito familiar.

Com o devido respeito ao entendimento divergente, não é caso de situação de risco a justificar a tomada de MEDIDAS JUDICIAIS por esta subscritora. Conforme o Parecer 04/10 da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não mais são permitidos os chamados ‘pedidos de providências’, medida esta muitas vezes solicitada pelos dd. Promotores e Juízes das Varas de Família e Sucessões, antes da vigência do referido parecer.

Ademais, apenas por força de argumentação, ainda que ele fosse possível, seria a mesma dedicada psicóloga quem efetuaria a reavaliação do caso.

Sendo assim, indefiro a presente representação e determino:

1.     Oficie-se àquele Juízo e ao dd. Promotor de Justiça, com cópias da presente decisão e do parecer retro mencionado;

2.     Oficie-se ao Conselho Tutelar competente, com cópias deste expediente para, nos termos do item 3 do Parecer 04/10 da Coordenadoria TJ: ‘havendo denúncia ao Conselho Tutelar de situação que possa implicar ameaça ou violação de direito a criança ou adolescente, e sendo necessária apuração destes fatos, deve o mesmo requisitar serviço especializado para atendimento, aplicando-se medida à criança e aos pais/responsável para observância deste atendimento (arts. 101 e 129 do ECA)’.

3.     Após, arquive-se.

(...)”

É o relato do essencial.

2)   Fundamentação.

A remessa por analogia do art. 28 do CPP não pode ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, quando houver discordância do órgão judicial perante o qual tenha sido manifestada a recusa, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; e Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

No caso em exame, entretanto, não é viável esse controle.

O art. 28 do CPP tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao Procurador-Geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

(...)”

A norma procedimental só pode ser aplicada analogicamente quando se está diante de situações que possuem ponderáveis similitudes.

É isso que se verifica nas situações em que, na esfera cível, o membro do Ministério Público se recusa a intervir em determinado feito para o qual foi instado a atuar pelo Juiz de Direito, e a autoridade judicial, discordando desse posicionamento, provoca a manifestação do Procurador-Geral de Justiça.

É curial, dessa forma, que a revisão da recusa de intervenção só se manifesta como possível quando há divergência entre o entendimento do Promotor de Justiça e a posição adotada pelo Magistrado. Além disso, deve haver provocação expressa do Magistrado, endereçada ao Procurador-Geral de Justiça, para fins de exercício desse controle.

 Tal situação é absolutamente diversa daquela que se apresenta no presente expediente, em que, diante da negativa de instauração de procedimento administrativo por parte da Promotora de Justiça da Infância e da Juventude, outro órgão ministerial busca a revisão desse entendimento.

Se não há analogia entre as situações, não é viável a aplicação da disposição legal que trata do procedimento de controle da recusa de atuação no processo penal.

Outra situação em que a lei prevê a possibilidade de intervenção do Procurador-Geral de Justiça com relação à atuação dos membros do Ministério Público é aquela em que há conflito positivo ou negativo de atribuição.

Nesses casos, o art. 115 da Lei Complementar Estadual Paulista 734/93 confere competência ao Procurador-Geral de Justiça para dirimir o conflito.

Mas a competência não se presume, e deve ser exercitada nos limites em que a lei a estabelece.

Em outros termos, não seria possível, a pretexto de solucionar conflito de atribuição, conhecer da representação formulada pelo DD. 19º Promotor de Justiça de Guarulhos, pois conflitos de atribuição só se verificam quando há discordância quanto a quem deve atuar em um caso concreto (Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196), e não é isso o que se verifica na hipótese em exame.

Note-se: cópias de processo judicial foram encaminhadas à Promotora da Infância e da Juventude, e ela conheceu da provocação, indeferindo-a. Não houve, portanto, declínio de atribuições, embora não concorde com a solução do caso concreto o DD. 19º Promotor de Justiça de Guarulhos.

Conflito existiria, por exemplo, se a Promotora da Infância entendesse que a atribuição para o caso era do órgão ministerial que oficiou no feito de origem. Mas isso não ocorreu.

É de conhecimento geral que aos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, a Constituição e as leis orgânicas asseguram independência funcional (art. 127, § 1º da CR/88; art. 1º, parágrafo único da Lei 8.625/93; art. 1º, § 2º da Lei Complementar Estadual 734/93).

A revisão, por parte do Procurador-Geral de Justiça, quanto à atuação dos órgãos ministeriais de execução, só pode se realizar nos estreitos limites em que a lei a autoriza, ou seja, para solucionar conflitos de atribuição, ou então para revisão de recusa de intervenção por provocação de órgão judicial perante o qual tenha se verificado a recusa.

Fora dessas situações, a ingerência do Procurador-Geral de Justiça iria além da permissão legal, resvalando para o campo da ofensa à garantia da independência funcional do Promotor de Justiça.

Por essas razões, não é possível conhecer da representação para fins de revisão da solução dada ao caso concreto pelo DD. 22º Promotor de Justiça de Guarulhos.

3)   Decisão.

Diante do exposto, não sendo aplicável analogicamente o disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, deixo de conhecer do pedido contido na representação formulada pelo DD. 19º Promotor de Justiça de Guarulhos.

Publique-se a ementa. Comunique-se ao autor da representação e à suscitada. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 10 de dezembro de 2010.

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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