Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

 

Protocolado nº 62.467/2011

Processo Judicial nº 587.01.2010.003068-8 (2ª Vara Cível de São Sebastião, registro 842/2010)

Interessado: Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de São Sebastião

Objeto: Ação de reconhecimento e dissolução de união estável

 

Ementa:

1)     Recusa de intervenção. Idoso. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Remessa com fundamento na aplicação, por analogia, do disposto no art. 28 do CPP.

2)     Intervenção ministerial na condição de custos legis. Adequada compreensão, à luz do disposto no art. 74, II, c.c. o art. 75 da Lei nº 10.742/2003. Intervenção limitada aos casos de idoso em situação de risco.

3)     Remessa conhecida, mas não acolhida.

1)   Relatório.

Tratam estes autos de ação de reconhecimento e dissolução de união estável ajuizada por pessoa idosa em face de seu anterior convivente, com pedido de pagamento de pensão alimentícia.

Recebendo os autos para manifestação, o DD. Promotor de Justiça declinou de atuar, anotando que: (a) trata-se de ação entre partes maiores e capazes; (b) a intervenção em feitos nos quais seja parte idoso só é pertinente nos casos em que ele se encontre em situação de risco (fls. 72/74).

Diante disso, o MM. Juiz remeteu os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, discordando da manifestação ministerial, com fundamento por analogia no art. 28 do CPP.

É o relato do essencial.

2)   Fundamentação.

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida, mas não merece acolhimento.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta que a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 2003) prevê a atuação do Ministério Público, como fiscal da lei, nos casos em que não for parte, desde que se trate de idoso em situação de risco. Nesse sentido o disposto no art. 74, II, e no art. 75 do Estatuto, transcritos a seguir:

“(...)

Art. 74. Compete ao Ministério Público:

(...)

II – promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco; (g.n.)

(...)

Art. 75. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei, hipóteses em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos, requerer diligências e produção de outras provas, usando os recursos cabíveis.

(...)”

Nesse sentido anota Oswaldo Peregrina Rodrigues (“Direitos do Idoso”, in Manual de Direitos Difusos, coord. Vidal Serrano Nunes Júnior, São Paulo, Verbatim, 2009, p. 525), em posição afinada com aquela que nos parece a melhor doutrina, que:

“(...)

Verifica-se, pois, que a atuação do Ministério Público nas hipóteses do artigo 74, incisos II, III e IV, como parte ativa do pleito judicial, e como custos legis (art. 75), está condicionada à situação de risco, pessoal ou social, do idoso.

(...)”

Em outros termos, é necessário, para justificar a intervenção ministerial como fiscal da lei, que o caso concreto apresente alguma situação diferenciada que lhe conceda qualificação singular, além das hipóteses comuns ou corriqueiras que são verificáveis em conflitos de interesses que podem se verificar com quaisquer pessoas.

É o que se verifica, por exemplo, quando estão em jogo os direitos fundamentais indicados no próprio Estatuto do Idoso, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à saúde, etc., ou por peculiaridades do caso que revelem situação incomum, que evidencie a fragilidade da parte em razão de sua condição de pessoa idosa.

A hipótese em exame revela litígio cujo objeto é simples ação de reconhecimento e dissolução de união estável, que, com a devida vênia com relação ao diverso entendimento do ilustre Magistrado, não ostenta nenhuma peculiaridade que a torne incomum.

3)   Decisão.

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conhece-se da remessa para não acolhê-la, declarando-se não ser necessária a intervenção do Ministério Público no feito referido nesta decisão.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 18 de maio de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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