Art. 28 - Cível

 

Autos n. 135/08

Pedido de Guarda perante o Juízo de Direito da

Infância e da Juventude e do Idoso da Comarca de Santos

Requerente: Ministério Público

 

 

Ementa:

1) Art. 28 - Cível. Pedido de Guarda – Juízo da Infância e da Juventude. Pedido de diligências lançado nos autos. Possível negativa de intervenção. Remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, por deliberação do magistrado, para reexame.

2) Remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito não deve ser conhecida, pois não evidenciada, até o momento, a recusa. Necessidade de prévia colheita da opinio do membro do Ministério Público sobre a providência vislumbrada pelo nobre Magistrado.

3) Remessa dos autos para prévia colheita da opinio ministerial.

 

Tratam estes autos de demanda proposta por (...), secundada no “Programa Família Acolhedora” do Município de Santos, em que se objetiva a guarda de N.F.O., filha de (...)e de(...).

Narra a inicial que os pais da menor são alcoólatras e que há suspeitas de espancamento e de abuso sexual.

O juízo concedeu a guarda provisória da menor, por cento e oitenta dias (fls.18), expedindo-se o Termo de Entrega sob Guarda e Responsabilidade (fls. 20).

O Ministério Público, então, requereu (fls. 24) a extração da cópia integral das peças dos autos para instauração de pedido de providências em relação ao menor J., irmão de N.F.O., bem como a realização de avaliação psiquiátrica, a fim de constatar a necessidade de internação compulsória de J., providências deferidas a fls. 30vº.

O Laudo Psicológico de fls. 36/39 assentou que a conduta dos genitores dos menores melhorou e que há necessidade de acompanhamento do caso. Em novo estudo, o setor técnico do juízo solicitou a suspensão das visitas (fls. 54).

O ilustre promotor de justiça oficiante manifestou-se favoravelmente à suspensão temporária das visitas (fls. 57). Em nova manifestação, o Excelentíssimo Juiz de Direito instou o membro do parquet para que se manifestasse a respeito da “destituição das crianças”(fls. 57).

A autora do pedido de guarda, (...), requereu a prorrogação da guarda (fls. 63), fato que levou o juízo a instar novamente o ilustre promotor de justiça sobre a concordância da prorrogação, guarda definitiva ou destituição (fls. 63). Nesse sentido, o Ministério Público local lançou a seguinte manifestação: “À frente de eventual propositura e ação de destituição do poder familiar, r. novo estudo psicossocial em 90dias” (fls. 65).

No que toca ao menor J., proferiu-se decisão judicial a fim de que o promotor de justiça se posicionasse sobre sua guarda definitiva (fls. 78), o que o fez, ao requerer o aguardo do estudo social para viabilizar eventual propositura de demanda objetivando a destituição do poder familiar em relação à menor N.F.O.

Afirmou o nobre magistrato ser desnecessário novo estudo social, na medida em que já existiam relatórios nos autos; todavia,  afirmou que “se o MP insiste no pedido, deve ser deferido”(fls. 111).

O Excelentíssimo Juiz de Direito, então, determinou (fls. 134) a remessa dos autos à Procuradoria-Geral, por aplicação analógica do art. 181, § 2º, do ECA, para que seja promovida ação de destituição do poder familiar em face dos genitores de N.F.O., entendendo que houve recusa indevida do Ministério Público.

É o relato do essencial.

Inicialmente impõe consignar que a remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito não deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 537) e Emerson Garcia (Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 73).

Todavia, não há elementos que evidenciem a recusa expressa do membro do Ministério Público em tomar as providências que o caso requer.

A moderna concepção do princípio do contraditório submete o juiz, como parte da relação processual (não da relação de direito material objeto do processo), ao caráter dialético que deve caracterizar o procedimento em juízo. Nesse sentido, a regra expressa do art. 16 do Code de Procédure Civile francês: “Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe de la contradiction”.

Com efeito, o contraditório já tem sido abordado como uma decorrência do regime democrático, que abarca todos os participantes do processo. Os partícipes do processo civil coletivo atuam em regime de permanente cooperação. Por conta disso, muito embora caiba ao judiciário dar a resposta jurisdicional, não há qualquer hierarquia entre juízes, promotores e advogados. Calha reconhecer que o processo não é um monólogo, mas um diálogo, uma conversação entre as partes, e a prestação jurisdicional é o resultado desse diálogo. Em suma: “Dal costume giudiziario, creato dalla colaborazione dei giudici e degli avvocati, è governato il corso del processo: essi, secondo il ritmo della loro alacrità o della loro pigrizia, possono diventarne gli acceleratori o i rallentatori (CALAMANDREI, Piero. Processo e democrazia. In Opere Giuridiche, p. 686).

Por isso, parece-nos conveniente, antes de se proceder ao eventual controle da negativa de intervenção ministerial, que sejam os autos encaminhados ao Promotor de Justiça para que se manifeste fundamentadamente sobre a deflagração de procedimento para Perda ou Suspensão do Pátrio Poder. De consignar que o art. 155 do ECA confere legitimidade ao Ministério Público para o procedimento destinado à perda ou à suspensão do poder familiar.

Assim, deverão os autos retornar para que o Douto Promotor de Justiça manifeste sua convicção quanto aos fatos aqui apurados, providência que é necessária para se saber se há recusa e, em consequência, para que possa ser avaliada a necessidade de designação de outro Promotor de Justiça, caso esta Procuradoria Geral de Justiça venha a entender que a providência é necessária.

Diante do exposto, não conheço do presente conflito e restituo os autos ao juízo de origem para os fins acima mencionados.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 24 de junho de 2009.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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