Art. 28 - Cível
Autos
n. 411.01.2010.001750-6 (n. de ordem: 486/10)
Mandado
de Segurança
Impetrante:
(...)
Impetrado:
Prefeito Municipal de Flora Rica
Ementa:
1. Art. 28 - Cível. Mandado de segurança impetrado em face de falta de nomeação de candidato aprovado em concurso público. Negativa de intervenção do Ministério Público como custos legis. Remessa pelo magistrado para reexame.
2. O
mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento
constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que
implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público. A
racionalização em processo de mandado de segurança somente será possível
quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não
revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet.
3)
Presença de fundamento da intervenção. Relação jurídica subjacente: direito de
acesso a cargo público. Incidência de princípios da isonomia e da moralidade
administrativa, entre outros. Matéria disciplinada na Constituição Federal.
Presença de interesse público.
4)
Dirimida a questão, determinando-se a intervenção do Ministério Público, com
designação de outro membro da instituição para prosseguir no feito.
1) Relatório
Trata-se de mandado de
segurança impetrado por (...) contra ato do Prefeito
do Município de Flora Rica, suscitando direito subjetivo de ser nomeado em
função da aprovação em concurso público para provimento de cargos públicos
efetivos da Prefeitura Municipal.
Instado a se manifestar,
o DD. Promotor de Justiça deixou de emitir parecer de mérito por não vislumbrar
hipótese de intervenção ministerial (fls. 51/55). Todavia, o d. magistrado vislumbrou
interesse público no processo de mandado de segurança, por se tratar de pretensão
à nomeação em cargo público, que exige especial atenção aos princípios
administrativos (fls. 56).
É o relato do essencial.
2)
Fundamentação
É pacífico o
entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério
Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo
Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo
Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli (Manual
do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 537) e Emerson
Garcia (Ministério Público, 2ª ed.,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 73).
De fato, com a devida
vênia ao entendimento apresentado pelo nobre Promotor de Justiça que lançou
anteriormente manifestação nos autos, justifica-se a intervenção do Ministério
Público, na condição de fiscal da lei, neste feito.
É da Constituição
Federal que decorre a delimitação precisa dos parâmetros da atuação do parquet, na medida do que contém o
art.127 e o art.129 da Carta. Estes qualificam a instituição como permanente, essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do
regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem
como dos interesses difusos e coletivos.
Antes mesmo da
promulgação da Constituição, em 1988, o Código de Processo Civil, editado em
1973, já prenunciava esse novo papel ministerial, ao definir, no art.82, a
cláusula geral para a intervenção do Ministério Público na condição de fiscal
da lei. E a redação do referido artigo, com pequena modificação que lhe foi
operada posteriormente, identifica como fundamentos para a intervenção:
(a) a existência de interesses de incapazes;
(b) tratar-se de causas concernentes ao estado
da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de
ausência e disposições de última vontade;
(c) ações que envolvam
litígios coletivos pela posse da terra rural, e nas demais causas em que há
interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Em outros termos, não há
dúvida no sentido de que, em última análise, em conformidade com a perspectiva
constitucional do novo perfil atribuído ao Ministério Público, o que legitima
sua intervenção na qualidade de custos
legis é o interesse público e social evidenciado seja pela natureza da
causa, seja pela qualidade das partes.
Nesse sentido, por
exemplo, é o posicionamento de Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a
decisão no sentido da intervenção ou não está diretamente associada ao
interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991,
p.214/215).
Do mesmo sentir é
Antônio Cláudio da Costa Machado, ao tratar da atuação do fiscal da lei,
aduzindo que “é longe da incômoda posição
de parte parcial que melhor pode o Ministério Público cumprir o desiderato de
responsável, perante o Judiciário, pela ‘defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assim como
previsto pelo caput do art.127 da Constituição Federal de
Pois bem. É necessário
realizar a leitura contemporânea de dispositivos da legislação extravagante que
prevêem a intervenção do Ministério Público na condição de custos legis. Deve-se levar em conta tanto o perfil constitucional
moderno da instituição, como o próprio art.82 do CPC, que, no plano
infraconstitucional, especifica e concretiza a regra geral que delimita os
interesses que legitimam referida atuação.
Essa diretriz decorre,
ademais, do relevante papel que vem sendo atribuído ao parquet tanto pela Constituição Federal, como pelas normas
infraconstitucionais, na defesa dos interesses supra-individuais: em uma
sociedade de massa, em que os conflitos intersubjetivos se coletivizam, nada
mais adequado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação
tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza
coletiva. Sua atuação tradicional como custos
legis nos processos de natureza individual deve ser reservada apenas aos
casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.
Em outras palavras, para
verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não
basta que o CPC ou a legislação especial determine a intervenção: é
indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes
interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos art.127 e 129 da CR/88, e do
art.82 do CPC.
Esta vem sendo a
interpretação conferida, no Ministério Público de São Paulo, à sua atuação como
fiscal da lei, em hipóteses tradicionais de intervenção, diante do novo papel
que lhe foi atribuído.
A propósito, a própria
Administração Superior vem acolhendo e regulamentando tal pensamento, coerente
com o cumprimento das relevantes missões modernas da instituição, como se
infere dos vários atos normativos que têm contemplado a racionalização da
intervenção ministerial no processo civil (v.g.
Ato nº286-PGJ/CGMP/CPJ, de 22 de julho de 2002; Ato nº289-PGJ/CGMP/CPJ, de
30 de agosto de 2002; Ato nº 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002; Ato
nº 313-PGJ/CGMP, de 24 de junho de 2003; Ato nº 536/2008-PGJ/CGMP, de 07 de
maio de 2008).
Tornemos então ao caso
em exame.
Bem apontou o i.
Magistrado, na deliberação em que determinou a remessa dos autos à
Procuradoria-Geral de Justiça, que a questão da pretensão à nomeação em cargo
público está relacionada à observância de vários princípios de direito público.
Trata-se de demanda em
que está sendo discutido o direito de acesso a cargo público, em que há
evidente incidência de princípios da isonomia e da moralidade administrativa,
entre outros. Revelador da existência de interesse público é o fato de que a
questão do acesso a cargos públicos é tratada na própria Constituição Federal.
A intervenção do
Ministério Público no mandado de segurança, prevista no art. 12 da Lei nº
12.016/2009, deve ser corretamente compreendida.
A ação de mandado de
segurança, de extração constitucional, tem por finalidade assegurar a proteção de
direito líquido e certo do impetrante, contra ato abusivo de autoridade pública
ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art.
5º LXIX CR/88).
Haverá, na hipótese da
impetração de mandado de segurança, situações em que não se justificará a
intervenção do Ministério Público como fiscal da lei. Outras existirão,
entretanto, em que ela será indispensável. Trata-se de verificar se, no caso
concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração revela hipótese que, de
todo modo, guarda relação ou não com o novo perfil constitucional do parquet, e desta forma torna
indispensável sua presença como custos
legis.
Anota a propósito
Maurício Augusto Gomes que a presença do Ministério Público no mandado de
segurança deve ser “orientada pela defesa
incondicional e imparcial do interesse público, diretamente relacionado ao
cumprimento de sua destinação institucional, prescrita em norma constitucional,
que estabelece ser de sua incumbência a defesa da ordem jurídica e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art.127 caput)”
(“Ministério Público, mandado de segurança e ação popular”, “in” Funções institucionais do Ministério
Público, org. Airton Buzzo Alves, Almir Guasquez Rufino, José Antônio
Franco da Silva, São Paulo, Saraiva, 2001, p.221).
Análise lapidar é
formulada por Hugo Nigro Mazzilli, cuja transcrição mostra-se inteiramente
pertinente: “Assim, por exemplo, num
mandado de segurança que discuta uma sanção administrativa individual, pode não
se vislumbrar, num caso concreto, interesse social relevante a justificar a
atuação do Ministério Público, em que pese a dicção de antigas leis que não
fazem distinções a respeito. Da mesma forma, não há razão jurídica suficiente
para justificar a presença ministerial num processo apenas porque nele se
esteja procedendo à cobrança da dívida ativa da Fazenda. Por igual, não se
justificará sua presença num mandado de segurança que tenha o mesmo objeto que
seria possível numa ação ordinária na qual não devesse atuar o Ministério Público.
Agora, ao contrário, num mandado de segurança impetrado por algumas pessoas
portadoras de deficiência visando à garantia de acessibilidade a espaços
públicos, a ação dirá respeito ao interesse de toda a coletividade, e a
intervenção do Ministério Público será indispensável.” (Regime jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 567).
E a questão do respeito
aos princípios constitucionais que regem o concurso para provimento de cargos
públicos efetivos da Prefeitura Municipal é de interesse público.
Em síntese, pode-se
concluir afirmando que duas situações podem se verificar, com soluções
distintas: (a) a questão subjacente à ação mandamental é de cunho estritamente
individual, não se justificando a atuação do Ministério Público como custos legis; (b) a situação subjacente
envolve interesse público, no mínimo individual indisponível, tornando
indispensável a atuação do parquet.
No caso em exame, os
fatos deduzidos na impetração denotam evidente interesse público, denotando-se,
pois, necessária a intervenção do Ministério Público.
3) Decisão
Diante do exposto, e
opor analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da
remessa, e acolho as ponderações formuladas pelo d. Magistrado, determinando a
intervenção ministerial no mandado de segurança em epígrafe.
Providencie-se
designação de outro membro do Ministério Público para prosseguir nos autos e
apresentar as manifestações cabíveis, caso ainda atue no referido cargo o
membro da instituição que se negou, inicialmente, a oficiar.
Publique-se a ementa no
Diário Oficial, na parte reservada ao Ministério Público, para conhecimento.
Providencie-se a
devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.
São
Paulo, 11 de agosto de 2010.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça
md