Art.28 – Cível

Ação possessória

Protocolado PGJ nº112.944/08

Processo nº2007.034544-3 (nº de ordem 3160/07)

2ª Vara Cível de Barueri

Autores: (...)

Réus: (...)

 

Ementa:

1)Ação possessória. Negativa de intervenção do Ministério Público. Remessa dos autos pelo Magistrado com fundamento, por analogia, no art.28 do CPP.

2)Pretensão exclusivamente individual, cingindo-se ao pedido de proteção da posse. Notícia de ocorrência de eventuais ilícitos penais (desobediência à ordem judicial, ameaça, coação no curso do processo) e possibilidade de ameaça ou lesão a interesses supra-individuais (desmatamento em parte do terreno em disputa).

3)Identificação dos casos de intervenção do MP em função do “interesse público” evidenciado pela “natureza da lide”. Hipótese de atuação que deve decorrer da pretensão deduzida em juízo, que se configura com o pedido, ilustrado pela causa de pedir.

4)Notícia de ilícitos penais ou civis. Faculdade que o sistema concede ao Magistrado de determinar a extração de cópias dos autos e remetê-las ao Ministério Público, para adoção de providências nas esferas próprias (art.40 do CPP, e art.7º da Lei nº7347/85).

5)Remessa conhecida e não provida.

 

 

 

Vistos,

 

 

1)Relatório.

 

         Trata o feito de origem de ação de manutenção de posse proposta pelos requerentes em face dos requeridos, postulando do Juízo de direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Barueri proteção quanto à posse do imóvel referido na inicial, nela descrito como “área de 18.874,44 m2 (dezoito mil oitocentos e setenta e quatro metros quadrados) localizado na r. Urano, 51, Jardim Tupanci, Município e comarca de Barueri” (item 1, fls.5).

 

         No curso do feito, o d. Magistrado determinou fosse aberta vista dos autos ao Ministério Público, oportunidade em que o DD. 5º Promotor de Justiça de Barueri se manifestou, em 25.03.08, lançando ciência quanto à informação sobre a existência de desmatamento, fazendo ainda constar que “em procedimento próprio, será solicitada vistoria da Polícia Ambiental para se aferir se a vegetação suprimida era ou não objeto de proteção legal” (fls.97).

 

         Posteriormente, em 04.07.08, o MM. Juiz de Direito determinou que fosse aberta vista ao MP, visto que, como constou da respectiva deliberação “se verifica manifesto interesse público na ação” (fls.263).

 

         Ao receber novamente os autos com vista o DD. 5º Promotor de Justiça de Barueri, em 07.07.08 lançou a seguinte manifestação: “trata-se de ação possessória sobre área situada em perímetro urbano de aproximadamente 20 mil metros quadrados, ocupada, a princípio, por uma só família. Por não vislumbrar interesse público, aguarda esta Promotoria sua exclusão do feito” (fls.268).

 

         Diante de tal posicionamento, o i. magistrado determinou a extração de cópias e remessa à Procuradoria-Geral de Justiça, para designação de outro Promotor de Justiça para oficiar nos autos. Referida determinação contou com a seguinte fundamentação:

 

“Com efeito, se faz presente o interesse público a legitimar a ação do Ministério Público, não obstante a cota de fls.268. Veja, a folhas 97 o Promotor oficiante teve ciência da ação com base no despacho de fls.64, em razão de anotado interesse público e vegetação existente sobre a área, quando anotou que tomaria providências quanto ao desmatamento. Agora, depois que surgiram notícias de fatos gravíssimos, envolvendo prática de crimes, desrespeito à ordem judicial com imperiosa necessidade de intervenção do Estado, em área de elevado valor, parcialmente declarada de utilidade pública, o ilustre Promotor defende a ausência de interesse público.

 

Ora, se não há interesse público nesta ação, melhor não mais exista interferência do MP como fiscal da lei em ações cíveis em geral. (...)” (cf. fls.463/464 do feito).

 

            Por oficio expedido pelo referido Juízo foi solicitada, por equívoco, manifestação do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal (Ofício nº213/2008).

 

         Entretanto, verificado o engano da serventia judicial quanto ao encaminhamento, cópias do feito foram remetidas a esta Procuradoria-Geral de Justiça pela Chefia de Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal (Ofício nº068/2008 – CGP/PGJ).

 

         É o relato do essencial.

 

2)Fundamentação.

 

         A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

 

         É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art.28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.73.

 

         A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art.127 caput da CR/88).

 

         Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art.129 II e III da CR/88).

 

         Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supra-individual.

 

         Em uma sociedade de massa, em que os conflitos de natureza intersubjetiva se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza coletiva. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

 

         Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta que a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos art.127 e 129 da CR/88, e do art.82 do CPC.

 

         Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

 

         Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art.82 III do CPC).

 

         Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo.

 

         É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção ou não está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.214/215).

 

         Pois bem.

 

         É verdade que ao longo do feito de origem foram noticiados fatos relacionados: (a) à possível ocorrência de desmatamento no imóvel objeto da ação possessória; (b) à eventual prática de crimes (desobediência a ordem judicial, ameaça, coação no curso do processo, etc.).

 

         Entretanto, no caso em exame, a pretensão deduzida pelos autores é de natureza possessória. Narraram atos de turbação, concluindo com o pedido de manutenção da posse. E é da pretensão deduzida pelo autor que se pode extrair, em cada caso concreto, a existência ou não de fundamento para a intervenção ministerial.

 

         Com a devida vênia, não é a existência de notícia da prática de crimes que justificará, por si só, atuação do parquet como fiscal da lei, v.g., em processo cível no qual não haja previsão de hipótese de intervenção. Do mesmo modo, não é a notícia da ocorrência de lesão a interesse supra-individual, exclusivamente, que justificará a atuação do Ministério Público como custos legis em ação em que deduzida pretensão de cunho individual.

 

         Em situações assim, não há dúvida de que o ordenamento processual confere ao Magistrado que preside o feito a possibilidade de determinar a extração de cópias dos autos e remessa ao Ministério Público, tanto para a apuração de eventual ilícito penal (art.40 do Código de Processo Penal), como para adoção de providências tendentes à proteção dos interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art.7º da Lei nº7347/85).

 

         Essa é, por assim dizer, a correta compreensão da questão: afora os casos em que o Ministério Público intervém por disposição legal específica, nos demais só se legitimará a atuação como fiscal da lei quando o interesse público, evidenciado pela natureza da lide, decorrer diretamente da pretensão deduzida, ou seja, do pedido, ilustrado pela causa de pedir.

 

         É isso o que pretendeu o legislador ao tornar indispensável a atuação do parquet nos casos em que haja “interesse público evidenciado pela natureza da lide” (art.82 III do CPC).

 

         A esse propósito, anota Antônio Cláudio da Costa Machado que “a natureza da lide que evidencia o interesse público é o atributo de indisponibilidade que o ordenamento positivo haja outorgado à relação jurídica em torno da qual tenha surgido o litígio ou lide, e que tenha sido deduzida em juízo” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p.347).

 

         Ao vincular a atuação do custos legis ao interesse público decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a identificação da hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do objeto litigioso do processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão deduzida em juízo, ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de mérito no processo civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, São Paulo, RT, 1986, p.182/220, p.; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol.1, 10ªed., São Paulo, RT, 2006, p.424/425; Sydney Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, Ajuris 16 [1979]).

 

         No caso em exame não há razão para a intervenção do Ministério Público.

 

         A pretensão deduzida, de cunho individual, é de natureza possessória, absolutamente disponível.

 

         Assim, nada obstante as respeitáveis ponderações formuladas pelo i. Magistrado mostrou-se adequado o posicionamento adotado pelo DD. Promotor de Justiça que se manifestou nos autos. Nada impede, contudo, seja determinada, caso necessário, a extração de cópias dos autos e sua remessa ao parquet, para adoção de providências na esfera cível ou mesmo criminal.

 

3)Decisão.

 

         Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art.28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, mas deixo de acolher as ponderações formuladas pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Barueri, declarando não ser necessária a intervenção do Ministério Público no feito referido nesta decisão.

 

         Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

 

         Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 29 de setembro de 2008.

 

 

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça