Art. 28 - Cível

 

Autos n.597.01.2009.009577-3

Mandado de Segurança

Impetrante: Roberta Cristina Leonachos

Impetrado: Presidente do Conselho Tutelar do Município de Dumond - SP

 

Ementa:

1. Art. 28 - Cível.  Mandado de segurança impetrado em face do Presidente do Conselho Tutelar do Município de Dumond – SP, a fim de que a impetrante possa ser diplomada e empossada no cargo de Conselheira Tutelar. Negativa de intervenção do Ministério Público como custos legis. Remessa pelo magistrado para reexame.

2. O mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público. A racionalização em processo de mandado de segurança somente será possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet.

3) Presença de fundamento da intervenção. Relação jurídica subjacente: possibilidade ou não de recondução da impetrante ao Conselho Tutelar.  Presença de interesse público.

4) Dirimida a questão, determinando-se a intervenção do Ministério Público, com designação de outro membro da instituição para prosseguir no feito.

1) Relatório

Trata-se de mandado de segurança impetrado por Roberta Cristina Leonachos contra ato do Presidente do Conselho Tutelar do Município de Dumond – SP, suscitando direito subjetivo de ser nomeada Conselheira Tutelar.

Instado a se manifestar, o DD. Promotor de Justiça deixou de emitir parecer de mérito, por não vislumbrar hipótese de intervenção ministerial (fls. 150/151). Contudo, a d. magistrada vislumbrou interesse público no processo de mandado de segurança, por se tratar de pretensão à nomeação em cargo de Conselheiro Tutelar, que exige especial atenção aos princípios administrativos (fls. 153/155).

É o relato do essencial.

Fundamentação

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 537) e Emerson Garcia (Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 73).

De fato, com a devida vênia ao entendimento apresentado pelo nobre Promotor de Justiça que lançou anteriormente manifestação nos autos, justifica-se a intervenção do Ministério Público, na condição de fiscal da lei, neste feito.

É da Constituição Federal que decorre a delimitação precisa dos parâmetros da atuação do parquet, na medida do que contém o art.127 e o art.129 da Carta. Estes qualificam a instituição como permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como dos interesses difusos e coletivos.

Antes mesmo da promulgação da Constituição, em 1988, o Código de Processo Civil, editado em 1973, já prenunciava esse novo papel ministerial, ao definir, no art.82, a cláusula geral para a intervenção do Ministério Público na condição de fiscal da lei. E a redação do referido artigo, com pequena modificação que lhe foi operada posteriormente, identifica como fundamentos para a intervenção:

 (a) a existência de interesses de incapazes;

 (b) tratar-se de causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;

(c) ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural, e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.

Em outros termos, não há dúvida no sentido de que, em última análise, em conformidade com a perspectiva constitucional do novo perfil atribuído ao Ministério Público, o que legitima sua intervenção na qualidade de custos legis é o interesse público e social evidenciado seja pela natureza da causa, seja pela qualidade das partes.

Nesse sentido, por exemplo, é o posicionamento de Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção ou não está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.214/215).

Do mesmo sentir é Antônio Cláudio da Costa Machado, ao tratar da atuação do fiscal da lei, aduzindo que “é longe da incômoda posição de parte parcial que melhor pode o Ministério Público cumprir o desiderato de responsável, perante o Judiciário, pela ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assim como previsto pelo caput do art.127 da Constituição Federal de 1988” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p.283).

Pois bem. É necessário realizar a leitura contemporânea de dispositivos da legislação extravagante que prevêem a intervenção do Ministério Público na condição de custos legis. Deve-se levar em conta tanto o perfil constitucional moderno da instituição, como o próprio art.82 do CPC, que, no plano infraconstitucional, especifica e concretiza a regra geral que delimita os interesses que legitimam referida atuação.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta que o CPC ou a legislação especial determine a intervenção: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos art.127 e 129 da CR/88, e do art.82 do CPC.

Esta vem sendo a interpretação conferida, no Ministério Público de São Paulo, à sua atuação como fiscal da lei, em hipóteses tradicionais de intervenção, diante do novo papel que lhe foi atribuído.

A intervenção do Ministério Público no mandado de segurança, prevista no art. 12 da Lei nº 12.016/2009, deve ser corretamente compreendida.

A ação de mandado de segurança, de extração constitucional, tem por finalidade assegurar a proteção de direito líquido e certo do impetrante, contra ato abusivo de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º LXIX CR/88).

Haverá situações em que não se justificará a intervenção do Ministério Público como fiscal da lei em mandado de segurança. Outras existirão, entretanto, em que ela será indispensável. Trata-se de verificar se, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração revela hipótese que, de todo modo, guarda relação ou não com o novo perfil constitucional do parquet, e desta forma torna indispensável sua presença como custos legis.

Anota a propósito Maurício Augusto Gomes que a presença do Ministério Público no mandado de segurança deve ser “orientada pela defesa incondicional e imparcial do interesse público, diretamente relacionado ao cumprimento de sua destinação institucional, prescrita em norma constitucional, que estabelece ser de sua incumbência a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art.127 caput)” (“Ministério Público, mandado de segurança e ação popular”, “in” Funções institucionais do Ministério Público, org. Airton Buzzo Alves, Almir Guasquez Rufino, José Antônio Franco da Silva, São Paulo, Saraiva, 2001, p.221).

Em síntese, pode-se concluir afirmando que duas situações podem se verificar, com soluções distintas: (a) a questão subjacente à ação mandamental é de cunho estritamente individual, não se justificando a atuação do Ministério Público como custos legis; (b) a situação subjacente envolve interesse relevante, seja por ter cunho social, coletivo, ou mesmo individual indisponível, tornando indispensável a atuação do parquet.

Tornemos então ao caso em exame.

Bem apontou o i. Magistrado, na deliberação em que determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, a questão da pretensão à nomeação em cargo público está relacionada à observância de vários princípios de direito público.

Remarque-se que nos autos da impugnação à candidatura da impetrante o membro do Ministério Público oficiante lançou manifestação no sentido de que pretensão deveria ser acatada, inclusive recomendando que o Conselho de Direitos indeferisse o registro da candidatura de Roberta Cristina Leonachos (fls.19/20). Pautou-se o entendimento na observância do art. 132 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que assevera ser permitida apenas uma recondução para o cargo de Conselheiro Tutelar.

Deve-se notar que o discussão sobre a possibilidade ou não de recondução da impetrante ao Conselho Tutelar é matéria de interesse público, tanto que o Ministério Público se manifestou no processo referente à impugnação da candidatura. Se assim é, mostra-se necessária a intervenção do Parquet.

Logo, no caso em exame, os fatos deduzidos na impetração evidenciam interesse público, denotando-se, pois, necessária a intervenção do Ministério Público.

3) Decisão

Diante do exposto, e opor analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e acolho as ponderações formuladas pelo d. Magistrado, determinando a intervenção ministerial no mandado de segurança em epígrafe.

Providencie-se designação de outro membro do Ministério Público para prosseguir nos autos e apresentar as manifestações cabíveis, caso ainda atue no referido cargo o membro da instituição que se negou, inicialmente, a oficiar.

Publique-se a ementa no Diário Oficial, na parte reservada ao Ministério Público, para conhecimento.

Providencie-se a devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.

São Paulo, 22 de setembro de 2010.

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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