Art. 28 – Cível

– Recusa de Intervenção –

 

Protocolado MP nº 151.994/16

(Ref. Processo nº 1000601-16.2016.8.26.0426)

Interessado: Juiz de Direito da Corregedoria Permanente da Comarca de Patrocínio Paulista

Objeto: Procedimento de dúvida – recusa de intervenção ministerial.

 

Ementa:

1. Recusa de intervenção. Procedimento de dúvida. Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Patrocínio Paulista. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, recusa-se a intervir.

2. A racionalização somente será possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet. Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

3. Presença de fundamento da intervenção. Previsão legal específica (art. 200 da Lei dos Registros Públicos). Situação mencionada expressamente pelo Ato Nº 313/03 - PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003, no art. 3ª, VI: procedimento de jurisdição voluntária que envolve matéria alusiva aos registros públicos.

4. Dirimida a questão, determinando-se a intervenção do Ministério Público, com designação de outro membro da instituição para prosseguir no feito.

 

 

1)  Relatório

Trata o feito de procedimento de dúvida decorrente de comunicação da Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Patrocínio Paulista ao R. Juízo Corregedor Permanente.

Foi determinada a abertura de vista ao órgão do Ministério Público, sendo certo que o DD. Promotor de Justiça de Patrocínio Paulista lançou manifestação afirmando, em síntese, inexistir interesse que justifique a intervenção ministerial no feito (fls. 106/112 e 118).

Diante de tal manifestação, o DD. Juiz de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, aduzindo que no caso em discussão a intervenção do Ministério Público decorre de comando legal expresso (art. 200 da Lei de Registros Públicos) (fls. 113/114)

É o relato do essencial.

 

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação nos moldes dos arts. 127 e 129 da CR/88, e do art. 178 do novo CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesse público ou social; interesses de incapazes; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica de atuação como fiscal da ordem jurídica (art. 178, caput do novo CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

No caso em exame, o que se tem é procedimento de dúvida provocado pela Oficiala do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Patrocínio Paulista.

Como vem decidindo o Colendo Superior Tribunal de Justiça, “o procedimento de dúvida suscitado pelo Oficial do Registro tramitado perante o Poder Judiciário reveste-se de caráter administrativo, não-jurisdicional, agindo o juízo monocrático, ou o colegiado, em atividade de controle da Administração Pública” (AgRg no Ag 885.882/SP, Relator Ministro SIDNEI BENETI, DJe de 11/02/2009).

Definidos os contornos da questão colocada em juízo, deve-se aferir, no caso concreto, a existência ou não de fundamento para a intervenção ministerial.

Esse é o correto entendimento da disposição legal que previa a obrigatoriedade da atuação do parquet nos casos em que houvesse “interesse público evidenciado pela natureza da lide” (art. 82, III, do CPC).

A esse propósito, anota Antônio Cláudio da Costa Machado que “a natureza da lide que evidencia o interesse público é o atributo de indisponibilidade que o ordenamento positivo haja outorgado à relação jurídica em torno da qual tenha surgido o litígio ou lide, e que tenha sido deduzida em juízo” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 347).

Ao vincular a atuação do custos legis ao interesse público decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a identificação da hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do objeto litigioso do processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão deduzida em juízo, ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de mérito no processo civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, São Paulo, RT, 1986, p. 182/220; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol.1, 10. ed., São Paulo, RT, 2006, p. 424/425; Sydney Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, Ajuris 16 [1979]).

Não obstante o novo Código de Processo Civil não tenha repetido expressamente o conteúdo normativo mencionado, é certo que a atuação pautada na existência de interesse público continua sendo a regra a ser aplicada.

No caso em exame, nada obstante as respeitáveis ponderações formuladas pelo DD. Promotor de Justiça, mostra-se apropriado o posicionamento adotado pelo DD. Juiz de Direito Corregedor da Comarca.

Com efeito, o interesse jurídico subjacente revela hipótese que guarda relação com o novo perfil constitucional do Ministério Público, a exigir sua intervenção no feito, interpretada à luz  dos arts. 127 e 129 da CR/88 e do art. 178 do novo CPC.

Daí a existência de regulamentação interna quanto à racionalização da atuação do Ministério Público, como custus legis, no processo civil, nos termos do Ato nº 313/03 - PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003.

Nesse sentido, o art. 3º, VI, do mencionado Ato, faculta a intervenção ministerial em procedimentos de jurisdição voluntária, mas contém importante ressalva em relação aos procedimentos que envolvem matéria alusiva aos registros públicos.

Portanto, além da previsão legal específica do art. 200 da Lei dos Registros Públicos, referente à intervenção do Ministério Público, o Ato n. 313/03, expressamente, não dispensa a intervenção quando está envolvida questão afeta aos registros públicos.

 

3)  Decisão

Diante do exposto, e por analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e acolho as ponderações formuladas pelo d. Magistrado, determinando a intervenção ministerial no procedimento de dúvida em epígrafe.

Como a decisão que compete ao Procurador-Geral de Justiça nesta sede não implica análise de conteúdo da manifestação do douto Promotor de Justiça sobre o meritum causae, é dispensável a designação de outro membro para preservar sua convicção.

Face ao exposto, conheço da remessa e a provejo determinando a atuação no feito em epígrafe.

Publique-se a ementa no Diário Oficial, na parte reservada ao Ministério Público, para conhecimento. Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

Providencie-se a devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.

São Paulo, 6 de dezembro de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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