Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

 

Protocolado nº 156.335/2010

Processo nº 004.10.003984-0 (controle nº 0176/2010)

Juízo de Direito da Vara da Infância do Foro Regional IV - Lapa

Revisão Judicial de Decisão do Conselho Tutelar

 

Ementa:

1)     Recusa de intervenção. Decisão judicial determinando, com fundamento no art. 130 do ECA, a guarda provisória de crianças, bem como vista dos autos ao Ministério Público para propositura de ação para afastamento dos infantes do convívio da família natural. Discordância do Ministério Público, que lançou manifestação fundamentada nos autos no sentido de que os guardiães devem ser orientados e encaminhados ao serviço de assistência jurídica. Remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do CPP.

2)     O Ministério Público tem legitimidade (concorrente) para a tutela dos interesses individuais, individuais homogêneos, coletivos e difusos relativos à infância e à adolescência (art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Caso concreto, porém, em que é razoável o entendimento de que a ação seja proposta pelos tios, que detêm a guarda da criança. Possibilidade de se concluir pela subsidiariedade da atuação do Ministério Púbico na propositura de ação em nome de terceiro.

3)     Recusa inexistente. Devolução dos autos para prosseguimento

 

1)   Relatório

Trata-se de feito encaminhado a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude do Foro Regional da Lapa, tendo em vista a suposta recusa de intervenção pelo DD. Promotor de Justiça oficiante.

Ocorre que, no bojo do procedimento, após a constatação de que duas crianças se encontram em situação de risco, o nobre magistrado proferiu decisão determinando a colocação sob a guarda provisória dos tios, bem como determinou, com fundamento no art. 130 do ECA, a vista dos autos ao Ministério Público para propositura de ação para afastamento dos infantes do convívio da família natural.

Houve discordância do Ministério Público, que lançou manifestação fundamentada nos autos no sentido de que os guardiães devem ser orientados e encaminhados ao serviço de assistência jurídica.

Diante disso, o MM Juiz de Direito determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, com fundamento, por analogia, no art. 28 do CPP, para que seja apreciada a manifestação ministerial.

É o relato do essencial.

2)    Fundamentação

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

Inicialmente impõe consignar que a remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, muito embora a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 537) e Emerson Garcia (Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 73).

De outro lado, os elementos evidenciam que o Ministério Público se recusou a propor ação para o qual é legitimado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, embora não tenha se recusado a intervir no feito, na qualidade de custos legis.

A remessa, portanto, foi para controle da negativa do Promotor de Justiça em tomar a providência vislumbrada pelo Poder Judiciário.

Trata-se, pois, de divergência que diz respeito à qualidade (modo de intervir) da intervenção, e não quanto a esta.

 Essa avaliação, contudo, depende de aprofundado exame da conveniência e oportunidade acerca da adoção de medida vislumbrada pelo Poder Judiciário, pois a legitimação, no caso, é concorrente.

Não se nega que o Procurador-Geral de Justiça possa, além de saber se é o caso ou não de intervir, verificar, também, como deve se dar tal intervenção.

Em outras palavras, a qualidade da intervenção Ministerial é questão cuja solução pode ser imprescindível quando a dúvida concreta se apresenta.

No caso concreto, porém, não se pode afirmar, a rigor, que tenha ocorrido a recusa à intervenção ministerial neste feito ou que a intervenção tenha colocado em risco a tutela dos direitos fundamentais das crianças.

Ocorre que, embora o Ministério Público tenha legitimidade (concorrente) para a tutela dos interesses individuais, individuais homogêneos, coletivos e difusos relativos à infância e à adolescência (art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente), o caso concreto revela ser razoável o entendimento de que a ação seja proposta pelos tios, que detêm a guarda da criança, valendo-se, se for o caso, do serviço de assistência judiciária.

Em casos em que as crianças estejam sob a guarda, de fato e de direito, de parentes, é possível concluir que a atuação do Ministério Público, na propositura da ação de guarda, seja de forma subsidiária. Por exemplo, seria inegável a conveniência da propositura da ação nos casos em que o órgão de execução verifique ser útil que ele mesmo tome tal iniciativa em razão de peculiaridades da hipótese concreta. Nessa avaliação, deve-se considerar a realidade de cada Comarca.

No caso concreto, porém, o Ministério Público seria substituto processual dos tios, que já detêm a guarda. Assim, aceitável o entendimento do Promotor de Justiça no sentido de que sua atuação deva ser subsidiária.

 

3)   Decisão

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e deixo, pelo menos por ora, de acolher as ponderações formuladas pelo MM. Juiz de Direito, restituindo os autos ao juízo de origem para o prosseguimento.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos à origem.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 9 de dezembro de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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