Art. 28 – Cível

Protocolado n. 170.596/11

Autos nº 36/11

2ª Vara Cível Comarca de Fernandópolis

Averiguação de Paternidade (art. 2º, § 4º, da Lei n. 8.560/92 - ATO n. 11/93 – PGJ/CGMP, de 18 de outubro de 1993)

 

 

Ementa:

1) Averiguação de paternidade. Remessa de expediente por parte do Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, em cumprimento ao art. 2º, da Lei n. 8.560/92, noticiando a necessidade de averiguação de paternidade.

2) Promoção de arquivamento pelo Ministério Público, ante a ausência da genitora e recusa do suposto pai.

3) Invocação, por analogia, do disposto no art. 28 do CPP e remessa ao Procurador-Geral de Justiça.

4) Lei n. 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e legitima o Ministério Público à propositura da ação.

5) Intervenção do Ministério Público nos termos do ATO n. 11/93 – PGJ/CGMP, de 18 de outubro de 1993.

6) Remessa conhecida e não provida.

 

 

 

1)  Relatório

Trata-se de feito encaminhado a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Fernandópolis, tendo em vista a manifestação ministerial no sentido de requerer o arquivamento dos autos em função da recusa do suposto pai e da ausência da genitora.

A R. Decisão de fls. 15 dos autos principais determinou, por aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal, a remessa dos autos para “providências que assegurem o direito da criança ao reconhecimento de sua filiação pelo pai”.

Noticiam os autos que o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de Fernandópolis, em cumprimento ao art. 2º, da Lei n. 8.560/92, remeteu ao R. Juízo Corregedor Permanente da 2ª Vara Cível, a declaração de A. N. S., bem como a certidão de nascimento de seu filho, L. N. S., para a averiguação de paternidade. Na citada declaração, foi informado o nome do suposto pai (fls. 03).

Diante da manifestação ministerial, o MM. Juiz de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, por analogia do disposto no art. 28 do CPP.

É o relato do essencial.

Passa-se ao exame do caso.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida. No mérito, não merece acolhimento.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

Se, por um lado, o princípio hierárquico que anima toda e qualquer organização administrativa – inclusive o Ministério Público – justifica o controle quando da indevida negativa de atuação do membro do parquet, é necessário que esta reste devidamente caracterizada, sob pena de configuração da usurpação de atribuição e consequentemente da própria independência funcional, princípio institucional assentado no art. 127, § 1º, da CR/88.

É oportuno recordar que o fundamento que tem sido adotado para o controle da negativa de atuação é o art. 28 do Código de Processo Penal, mas nem seria necessário chegar a tanto: embora os membros do Ministério Público tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer injunção quanto ao conteúdo de suas manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores, que, no plano estritamente administrativo, possuem, em relação àqueles, poderes que caracterizam a Administração Pública: poder hierárquico, disciplinar, regulamentar, etc.

Como anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade administrativa superior para “distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda, a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p. 421/423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.

O reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior é assente inclusive no direito comparado, anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na medida em que “questo vincolo, fondandosi su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo dell’autorità pubblica”(Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII, Milano, Giuffrê, 1969, p. 626).

Do mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos, de um “potere di risoluzione di conflitti tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività degli stessi” (Diritto Amministrativo, v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).

O reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa atuação.

Em outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer em princípio como deve o membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o membro que o fará, diante de situações de incerteza concretamente configurada quanto às atribuições dos órgãos ministeriais de execução envolvidos, ou mesmo diante da recusa de atuação.

Possibilidade, ainda, de aplicação analógica do art. 28 do CPP.

Registre-se que a Lei n. 8.560, de 29 de dezembro de 1992, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, determina em seu art. 2º, § 4º:

Art. 2° Em registro de nascimento de menor apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a procedência da alegação.

§ 4° Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias, a notificação judicial, ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade”.

Sobre a intervenção do Ministério Público, dispõe o ATO n. 11/93 – PGJ/CGMP, de 18 de outubro de 1993, em seu artigo 2º, que, “havendo Órgão ou Serviço de Assistência Judiciária na comarca ou localidade, a Promotoria de Justiça deverá encaminhar-lhes, prontamente e sem qualquer manifestação, os autos de averiguação recebidos, informado o Juízo competente da remessa realizada”.

Portanto, embora seja o caso de se conhecer da remessa, ela não merece provimento, pois a ação pode ser ajuizada pelo serviço de assistência judiciária na comarca.

3. Conclusão

Diante do exposto, e por analogia do que determina o art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, mas deixo de acolher as respeitáveis ponderações formuladas pelo MM. Juiz de Direito de Fernandópolis, pois é o caso de se remeter os interessados ao Órgão ou Serviço de Assistência Judiciária da comarca.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos, com as cautelas de estilo.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 5 de dezembro de 2011.

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

/md