Art. 28 - Cível

Protocolado MP nº 0047325/2011 (autos n. 576.01.2010.040137-4/000000)

Interessada: Juíza de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública de São José do Rio Preto

Objeto: Mandado de Segurança – recusa de intervenção ministerial

 

Ementa:

1)   Mandado de Segurança. Recusa de intervenção. Impetração objetivando a liberação de veículo apreendido

2)   O mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público. A racionalização em processo de mandado de segurança somente será possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet. A Intervenção do Ministério Público deve ser interpretada à luz de seu perfil constitucional (art. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC).

3)   Identificação dos casos de intervenção do Ministério Público em função do interesse público evidenciado pela natureza da lide. Hipótese de atuação que deve decorrer da pretensão deduzida em juízo, que se configura com o pedido, ilustrado pela causa de pedir.

4)   Presença de fundamento da intervenção. Relação jurídica subjacente: apreensão de veículo ocorrida em sede de investigação criminal.

5)   Dirimida a questão, determinando-se a intervenção do Ministério Público, com designação de outro membro da instituição para prosseguir no feito.

 

1)   Relatório

Trata-se de Mandado de Segurança impetrado contra suposto ato coator do Delegado de Polícia Titular da DIG de São José do Rio Preto, consistente na apreensão do Veículo SCANIA/P114GA4X2NZ 330, Ano/Mod. 2011/2001, Placa KMV 8192/SP, Chassi 9BSP4X2A013524503, RENAVAN 752639102, cor branca, e respectivos reboques.

Alega o impetrante que encaminhou seu veículo para reparos em determinada oficina mecânica, a qual, posteriormente, foi objeto de operação policial conduzida pela autoridade policial local; em razão de referida investigação, apreendeu-se o veículo do impetrante, juntamente com os demais veículos que se encontravam na oficina. Afirma que necessita do bem móvel para exercer sua profissão e que há ato coator da autoridade policial ao não lhe devolver o bem.

Instado a se manifestar, o Ilustre Promotor de Justiça oficiante declinou de sua intervenção, sob a justificativa de que “o requerente é maior e capaz; que a causa não versa sobre o estado da pessoa, mas tão somente de controvérsia judicial entre o particular e o Estado; que não há interesse público no caso concreto, sendo notória a disponibilidade dos interesses ora tratados, o Ministério Público deixa de, no mérito, apresentar seu parecer, nos exatos termos do que já se deliberou no Protocolado n. 78.409/02-PGJ” (fls. 73).

Diante da manifestação do membro do Ministério Público, a Ilustre Juíza determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, aplicando analogicamente o art. 28 do CPP.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese à independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos arts. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

No caso em exame, bem percebeu a juíza oficiante a relevância do interesse a justificar a necessidade de intervenção do Ministério Público, uma vez que “considerando o teor da investigação impugnada nesta ação, ocorrida em investigação criminal, é evidente o interesse público no presente mandado de segurança”(fls. 74).

A pretensão deduzida pelo autor evidencia o fundamento para a intervenção ministerial.

Ademais, o mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público.

A racionalização em processo de mandado de segurança é possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet.  Afinal, a intervenção do Ministério Público deve ser interpretada à luz de seu moderno perfil constitucional (arts. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC).  Daí a existência de regulamentação interna quanto à racionalização da atuação do Ministério Público, como custos legis, no processo civil, nos termos de Atos Normativos editados pela Procuradoria-Geral de Justiça.

Anota Antônio Cláudio da Costa Machado que “a natureza da lide que evidencia o interesse público é o atributo de indisponibilidade que o ordenamento positivo haja outorgado à relação jurídica em torno da qual tenha surgido o litígio ou lide, e que tenha sido deduzida em juízo” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 347).

Ao vincular a atuação do custos legis ao interesse público decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a identificação da hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do objeto litigioso do processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão deduzida em juízo, ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de mérito no processo civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, São Paulo, RT, 1986, p. 182/220; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol.1, 10. ed., São Paulo, RT, 2006, p. 424/425; Sydney Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, Ajuris 16 [1979]).

No caso em exame, conforme já salientado, a natureza da relação jurídica objeto do mandado de segurança aponta para a efetiva intervenção do Ministério Público, à medida que a apreensão ocorreu por conta de mandado de busca e apreensão em sede de investigação criminal, donde sobreleva o interesse na intervenção do parquet como custos legis nos autos do presente mandado de segurança.

3)   Decisão

Diante do exposto, e opor analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e acolho as ponderações formuladas pela d. Magistrada, determinando a intervenção ministerial no mandado de segurança em epígrafe.

Providencie-se designação de outro membro do Ministério Público para prosseguir nos autos e apresentar as manifestações cabíveis, caso ainda atue no referido cargo o membro da instituição que se negou, inicialmente, a oficiar.

Publique-se a ementa no Diário Oficial, na parte reservada ao Ministério Público, para conhecimento.

Providencie-se a devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.

 

São Paulo, 25 de abril de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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