Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

Protocolado MP nº 47.717/2010 (autos nº 2010.001502-8 / controle nº 363/2010)

Interessado: Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Atibaia

Objeto: Ação declaratória de inexistência de relação jurídica e repetição de indébito – recusa de intervenção ministerial.

Ementa:

1)     Recusa de intervenção. Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/67). Previsão de intervenção do Ministério Público. Procedimento destinado à definição do valor a ser pago pelo titular do alvará de pesquisa e lavra ao possuidor ou proprietário do imóvel (superficiário).

2)     Hipótese extravagante de procedimento de jurisdição voluntária. Intervenção do Ministério Público que deve ser interpretada à luz de seu moderno perfil constitucional (art. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC). Incidência de regulamentação interna quanto à racionalização da atuação do Ministério Público, como custos legis, no processo civil (art. 3º, VI do Ato nº 313-PGJ/CGMP, de 24 de junho de 2003).

3)     Caso de dispensa de intervenção, ressalvada eventual existência de interesses específicos, bem como investigação de danos ao meio ambiente, através de Inquérito Civil. Posicionamento já externato pela Procuradoria-Geral de Justiça anteriormente, através da publicação do Aviso nº 252/2008 – PGJ, de 20/05/2008.

4)     Remessa conhecida e não provida.

 

1)   Relatório.

Tratam estes autos de procedimento encaminhado à 1ª Vara Cível de Atibaia, contendo notícia de que o 2º Distrito do Departamento Nacional de Produção Mineral (DPMN) autorizou (...) a pesquisar água mineral no Município de Atibaia, nos termos do Decreto-Lei nº 227/67 e Decreto nº 62.934/68, tendo sido o expediente instaurado para fins de avaliação de renda e indenização do titular do direito de superfície de imóvel, nos termos do art. 27, VIII do Código de Mineração.

Aberta vista ao Ministério Público, o DD. 1º Promotor de Justiça de Atibaia declinou de oficiar no feito, afirmando que não há fundamento para a intervenção ministerial (fls. 27 e 29).

Diante da recusa, o MM. Juiz de Direito determinou a remessa dos autos para controle da Procuradoria-Geral de Justiça, com fundamento, por analogia, no art. 28 do CPP, aduzindo em síntese que: (a) é fundamental a intervenção do MP; (b) trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, que exige a atuação ministerial como fiscal da lei (fls. 32/34).

É o relato do essencial.

2)   Fundamentação.

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida, mas não merece acolhimento.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

O Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967), prevê procedimento para fixação do valor a ser pago por aquele que explora recursos minerais ao titular da posse ou do domínio do imóvel. Oportuno transcrever o teor do art. 27 do referido diploma, para maior clareza:

“(...)

Art. 27. O titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa, observadas as seguintes regras:

I - A renda não poderá exceder ao montante do rendimento líquido máximo da propriedade na extensão da área a ser realmente ocupada;

II - A indenização por danos causados não poderá exceder o valor venal da propriedade na extensão da área efetivamente ocupada pelos trabalhos de pesquisa, salvo no caso previsto no inciso seguinte;

III - Quando os danos forem de molde a inutilizar para fins agrícolas e pastoris toda a propriedade em que estiver encravada a área necessária aos trabalhos de pesquisa, a indenização correspondente a tais danos poderá atingir o valor venal máximo de toda a propriedade;

IV - Os valores venais a que se referem os incisos II e III serão obtidos por comparação com valores venais de propriedade da mesma espécie, na mesma região;

V - No caso de terrenos públicos, é dispensado o pagamento da renda, ficando o titular da pesquisa sujeito apenas ao pagamento relativo a danos e prejuízos;

VI - Se o titular do Alvará de Pesquisa, até a data da transcrição do título de autorização, não juntar ao respectivo processo prova de acordo com os proprietários ou posseiros do solo acerca da renda e indenização de que trata este artigo, o Diretor-Geral do D. N. P. M., dentro de 3 (três) dias dessa data, enviará ao Juiz de Direito da Comarca onde estiver situada a jazida, cópia do referido título;

VII - Dentro de 15 (quinze) dias, a partir da data do recebimento dessa comunicação, o Juiz mandará proceder à avaliação da renda e dos danos e prejuízos a que se refere este artigo, na forma prescrita no Código de Processo Civil;

VIII - O Promotor de Justiça da Comarca será citado para os termos da ação, como representante da União;

IX - A avaliação será julgada pelo Juiz no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da data do despacho a que se refere o inciso VII, não tendo efeito suspensivo os recursos que forem apresentados;

 X - As despesas judiciais com o processo de avaliação serão pagas pelo titular da autorização de pesquisa;

XI - Julgada a avaliação, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará o titular a depositar quantia correspondente ao valor da renda de 2 (dois) anos e a caução para pagamento da indenização;

XII - Feitos esses depósitos, o Juiz, dentro de 8 (oito) dias, intimará os proprietários ou posseiros do solo a permitirem os trabalhos de pesquisa, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do D. N. P. M. e, mediante requerimento do titular da pesquisa, às autoridades policiais locais, para garantirem a execução dos trabalhos;

XIII - Se o prazo da pesquisa for prorrogado, o Diretor-Geral do D. N. P. M. o comunicará ao Juiz, no prazo e condições indicadas no inciso VI deste artigo;

XIV - Dentro de 8 (oito) dias do recebimento da comunicação a que se refere o inciso anterior, o Juiz intimará o titular da pesquisa a depositar nova quantia correspondente ao valor da renda relativa ao prazo de prorrogação;

XV - Feito esse depósito, o Juiz intimará os proprietários ou posseiros do solo, dentro de 8 (oito) dias, a permitirem a continuação dos trabalhos de pesquisa no prazo da prorrogação, e comunicará seu despacho ao Diretor-Geral do D. N. P. M. e às autoridades locais;

XVI - Concluídos os trabalhos de pesquisa, o titular da respectiva autorização e o Diretor-Geral do D. N. P. M. comunicarão o fato ao Juiz, a fim de ser encerrada a ação judicial referente ao pagamento das indenizações e da renda.

(...)”

Como se verifica da leitura do inciso do art. 27, VIII do Código de Mineração, a previsão nele contida era de que o Ministério Público fosse citado como “representante da União” na ação tendente a determinar o valor a ser pago, por aquele que explora os recursos minerais, ao possuidor ou proprietário do imóvel.

Como se sabe anteriormente à edição da Constituição de 1988 havia previsão no ordenamento positivo da denominada atuação anômala do Ministério Público como representante judicial da União. Tanto assim que aos integrantes do Ministério Público da União foi assegurada a possibilidade de optar, de forma irretratável, entre as carreiras do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União (art. 29, § 2º do ADCT-CR/88).

Pelo mesmo motivo, foi mantida, em caráter extraordinário e temporário, a possibilidade de que, membros do Ministério Público estadual, mediante delegação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, representassem judicialmente a União nas causas de natureza fiscal, até a promulgação das leis complementares das respectivas instituições (cf. art. 29, § 5º do ADCT-CR/88).

Tal solução, excepcional e transitória, partiu da opção, formulada pelo constituinte, que tomou em conta a necessidade da continuidade do serviço público, bem como o tempo necessário para a estruturação das carreiras jurídicas, e para a concretização da eficácia da regra contida no art. 131 da CR/88. Por esta última, à Advocacia-Geral da União passou a caber, diretamente ou através do órgão vinculado, a representação judicial e extrajudicial da Fazenda Pública Federal; sendo certo ainda que na execução da dívida ativa tributária a representação da União ficou reservada à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (art. 131 e § 3º da CR/88).

Com a edição da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União (Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993), esgotou-se a eficácia da disposição constitucional transitória que admitiu a atuação anômala do Ministério Público Estadual, como representante judicial da União. A partir de então passou a vigorar, em toda sua plenitude, o novo perfil constitucional do Ministério Público, traçado na Constituição Federal.

Nesse novo perfil constitucional do Ministério Público, para o que interessa à solução do caso em exame, é relevante notar: (a) a vedação ao exercício da advocacia (art. 128, § 5º, II, b da CR/88); (b) e a vedação ao exercício de atividades incompatíveis com sua finalidade, em especial a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (art. 129, IX CR/88).

Deste modo, se a intenção do hoje vetusto, porém ainda vigente art. 27, VIII do Código de Mineração era, de fato, atribuir ao Ministério Público, nos feitos de que trata, a representação judicial da União, a única conclusão possível é no sentido de que tal dispositivo não foi recepcionado pela nova ordem constitucional.

Há, entretanto, outra interpretação possível para tal dispositivo.

É possível imaginar que, em que pese ser equívoca a dicção do art. 27, VIII do Código de Mineração – de certa forma compreensível, tendo em consideração de que editado há mais de quarenta anos – tenha pretendido o legislador, de fato, prever a atuação do Ministério Público, na hipótese, como fiscal da lei.

Partindo dessa plausível premissa, é importante identificar qual a situação de direito material deduzida em juízo na hipótese de incidência do procedimento previsto no art. 27 do Código de Mineração.

A propósito, o caput do referido artigo é elucidativo, pois prevê que o “titular de autorização de pesquisa poderá realizar os trabalhos respectivos, e também as obras e serviços auxiliares necessários, em terrenos de domínio público ou particular, abrangidos pelas áreas a pesquisar, desde que pague aos respectivos proprietários ou posseiros uma renda pela ocupação dos terrenos e uma indenização pelos danos e prejuízos que possam ser causados pelos trabalhos de pesquisa”.

Essa previsão legal, que contempla tanto o direito à realização da pesquisa e utilização dos recursos minerais, como ainda o direito do possuidor ou proprietário do terreno a ser indenizado pelos danos e prejuízos que sejam causados pelos trabalhos de pesquisa, conta, inclusive, com assento constitucional. Trata-se do art. 176 e §§ da CR/88 que estabelece que: (a) jazidas, recursos minerais, e potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração e aproveitamento, e pertencem à União; (b) a pesquisa e lavra de recursos minerais, bem como o aproveitamento dos potenciais de energia, dependem de autorização ou concessão da União; (c) é assegurada a participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra.

Dessa forma, formulando leitura contemporânea dos preceitos contidos no art. 27 e respectivos incisos do Código de Mineração, à luz do parâmetro constitucional acima estabelecido, é possível compreendê-lo de modo mais adequado. Tal dispositivo cuida do procedimento a ser observado para fixação do valor a ser pago a título de reposição de perdas e prejuízos, causados por aquele que recebeu da União a autorização de pesquisa sobre recursos minerais. Esse pagamento é devido ao possuidor ou proprietário do imóvel no qual é realizada a pesquisa, e tal procedimento será adotado caso não cheguem ambos – pesquisador e possuidor ou proprietário – a um consenso a respeito do quantum devido a tal título.

Para compreender qual a natureza de tal procedimento, é necessário ler atentamente os incisos VI, VII e IX do art. 27 do Código Mineração, transcritos acima, indicativos de que: (a) o Diretor-Geral do DNPM deve, de ofício, enviar ao juiz de direito da comarca onde estiver situada a jazida, cópia do título de autorização, se o titular do alvará de pesquisa não providenciar, no processo administrativo respectivo, prova de acordo com os possuidores ou proprietários do imóvel, acerca da renda e indenização que lhes são devidos; (b) recebida tal comunicação, o magistrado tem o prazo de quinze dias para determinar a realização de perícia – avaliação – para definição da renda e dos danos e prejuízos decorrentes da atividade de pesquisa e exploração, cujo valor reverterá em benefício dos possuidores ou proprietários do imóvel; (c) a avaliação será “julgada” (rectius = homologada) pelo juiz.

Ademais, os demais incisos do art. 27 – em especial o XI, XII, XIII, XIV, XV – prevêem comunicações entre o Diretor-Geral do DNPM e o juízo onde tramitou o procedimento de avaliação da renda devida, prevendo providências judiciais no sentido de: (a) determinar ao titular do alvará de pesquisa a realização do depósito de valores devidos; (b) determinar ao possuidor ou proprietário do imóvel que permita a realização dos trabalhos de pesquisa; (c) adotar referidas providências tanto no prazo fixado originariamente, como em casos de eventuais prorrogações.

É patente, neste quadro, que tal procedimento resolve-se em caso anômalo de jurisdição voluntária.

É de conhecimento comum que os procedimentos especiais de jurisdição voluntária, de forma, geral, são disciplinados no Livro IV Título II do CPC, iniciando-se no art. 1103, e encerrando-se no art. 1210 do código.

Relevante notar que o art. 1103 do CPC contém regra geral, cuja interpretação teleológica permite compreender a dimensão e abrangência do tratamento, no Código, da jurisdição voluntária: cuida-se da previsão de que quando não houver procedimento especial, regerão o procedimento de jurisdição voluntária as disposições constantes do Capítulo I do Título II do Livro IV (art. 1103 a 1112), que contém as regras gerais aplicáveis ao tema.

Tal dispositivo, embora se refira aos procedimentos especiais de jurisdição voluntária previstos no CPC, deve também ser aplicado a outros previstos na legislação processual extravagante, na medida em que o rol e hipóteses de procedimentos previstos no Código de Processo não exaustivos.

O rito previsto no art. 27 do Código de Mineração, desta forma, tem todas as características que permitem identificá-lo como procedimento de jurisdição voluntária.

Ainda hoje existe muita controvérsia acerca do tema, que principia na própria terminologia empregada (com a crítica às expressões jurisdição “voluntária” ou “graciosa”), e segue pela sua conceituação, identificação de caracteres, limites, e conseqüências.

A despeito disso, permanece válida e útil a abordagem feita por José Frederico Marques, que sistematizando o assunto, afirmou que “os atos de jurisdição voluntária são atos de direito público, praticados a pedido dos interessados e que o órgão judiciário realiza para reconhecer, verificar, autorizar, aprovar, constituir ou modificar situações jurídicas. Em face da jurisdição contenciosa, esses atos podem ser qualificados de atividade do órgão jurisdicional no exercício de sua função administrativa, destinada à tutela de interesses privados que surgem e se desenvolvem com a cooperação estatal, tutela essa que não tem por pressuposto uma situação contenciosa” (Ensaio sôbre a jurisdição voluntária, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1959, p. 221).

Tratou do tema, mais recentemente, Antônio Carlos Marcato, anotando que “a jurisdição dita voluntária, ou graciosa, representa, segundo a doutrina tradicional, a administração pública de interesses privados: como determinados atos jurídicos privados têm relevância não só para as pessoas neles diretamente interessadas, mas também para o Estado, este impõe, para sua validade e eficácia, a participação direta de um órgão judicial na sua realização”. Apontou o autor, ademais, as suas características, a seguir sintetizadas: (a) inexistência de processo, mas sim de procedimento; (b) inexistência de litígio (conflito de interesses qualificados por uma pretensão resistida, no sentido carnelutiano), mas, quando muito, dissenso ou controvérsia; (c) inexistência de partes, mas sim de interessados; (d) inexistência do caráter substitutivo que inspira a atuação da jurisdição contenciosa (a autoridade estatal não substitui a vontade das partes, apenas intervém junto a elas para a realização do ato ou negócio jurídico); (d) possibilidade de solução por critério de eqüidade, e não de legalidade estrita; (e) possibilidade de instauração de ofício (sem provocação dos interessados); (f) mitigação da coisa julgada material (Procedimentos especiais, 10. ed., São Paulo, Atlas, 2004, p. 22/23).

Identificada, pois, a hipótese versada no art. 27 do Código de Mineração, e assentado que ali se contém uma modalidade específica de procedimento especial de jurisdição voluntária, resta indagar os limites para a intervenção do Ministério Público no procedimento ali previsto.

No art. 1105 do CPC há previsão expressa da intervenção do parquet como custos legis nos procedimentos de jurisdição voluntária.

Numa perspectiva de seu tempo, assentou com propriedade José Frederico Marques a indispensabilidade da atuação do Ministério Público na jurisdição voluntária, afirmando que “o que lhe cabe é a fiscalização, em nome da lei, dos atos que devem ser realizados sob o contrôle do interêsse estatal. Por isso mesmo, embora não pratique nenhum ato com eficácia constitutiva, quase tôdas as relações jurídicas que provierem de procedimentos onde seja obrigatória a presença do promotor de justiça serão ineficazes e nulas se praticadas sem essa intervenção” (ob. cit., p. 115).

Entretanto, o moderno papel institucional do Ministério Público não pode ser compreendido senão à luz de seu perfil constitucional.

É da Constituição Federal que decorre a delimitação precisa dos parâmetros da atuação do parquet, na medida do que contém o art. 127 e o art. 129 da Carta. Estes qualificam a instituição como permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como dos interesses difusos e coletivos.

Antes mesmo da promulgação da Constituição, em 1988, o próprio Código de Processo Civil, editado em 1973, já prenunciava esse novo papel ministerial, ao definir, no art. 82, a cláusula geral para a intervenção do Ministério Público na condição de fiscal da lei. E a redação do referido artigo, com pequena modificação que lhe foi operada posteriormente, identifica como fundamentos para a intervenção ministerial, na condição de fiscal: (a) a existência de interesses de incapazes; (b) tratar-se de causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; (c) ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural, e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.

Em outros termos, não há dúvida no sentido de que, em última análise, em conformidade com a perspectiva constitucional do perfil atribuído ao Ministério Público, o que legitima sua intervenção na qualidade de custos legis é o interesse público e social evidenciado seja pela natureza da causa, seja pela qualidade das partes.

Nesse sentido, por exemplo, é o posicionamento de Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/214, afirmando, ao tratar da intervenção pela qualidade da parte, que “tudo se liga à questão da indisponibilidade de interesses (...) a razão de ser da intervenção do Ministério Público, nesses feitos que digam respeito ao interesse de incapaz, consiste no zelo de dita indisponibilidade ou no zelo de dito interesse público, ligado especificamente a uma das partes da relação processual”.

Do mesmo sentir é Antônio Cláudio da Costa Machado, ao tratar da atuação do fiscal da lei, aduzindo que “é longe da incômoda posição de parte parcial que melhor pode o Ministério Público cumprir o desiderato de responsável, perante o Judiciário, pela ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assim como previsto pelo caput do art. 127 da Constituição Federal de 1988” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 283).

Pois bem. Numa perspectiva atual, é necessário realizar a leitura do art. 1105 do CPC, que prevê a intervenção do Ministério Público nos procedimentos de jurisdição voluntária, à luz dos princípios gerais e regras que disciplinam sua atuação no processo civil na condição de custos legis. Eles decorrem tanto do seu perfil constitucional, como do próprio art. 82 do CPC, que especifica e concretiza os interesses que legitimam referida atuação.

Essa diretriz decorre, ademais, do relevante papel que vem sendo atribuído ao parquet tanto pela Constituição Federal, como pelas normas infraconstitucionais, na defesa dos interesses supra-individuais: em uma sociedade de massa, em que os conflitos intersubjetivos se coletivizam, mostra-se mais adequado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza coletiva. Sua atuação tradicional como custos legis nos processos de natureza individual deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, seja nos procedimentos de jurisdição contenciosa, seja na jurisdição voluntária, não basta que o CPC ou a legislação especial determine a intervenção: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, os interesses relevantes que legitimam a atuação do fiscal da lei, nos moldes do art. 127 da CR/88 e do art. 82 do CPC.

Esta vem sendo a interpretação conferida, no Ministério Público de São Paulo, à sua atuação como fiscal da lei, em hipóteses tradicionais de intervenção, diante do novo perfil institucional que lhe foi atribuído.

Tendo em conta o panorama acima, cujo restabelecimento era indispensável para o exame e conclusão quanto à hipótese em análise, é viável tornar à previsão de intervenção do Ministério Público nos termos do art. 27, VIII do Código de Mineração.

Como visto, trata-se ali de intervenção em procedimento de jurisdição voluntária, instaurado ex officio pelo Juízo estadual, a partir de comunicação oriunda de autoridade administrativa, do DNPM, no processo administrativo instaurado para fins de expedição de autorização para pesquisa e lavra.

A finalidade do referido procedimento de jurisdição voluntária é definir o valor a ser pago, a título de participação, reposição de danos e prejuízos, pelo titular da autorização de pesquisa e lavra, ao possuidor ou proprietário do terreno onde a atividade se realizará.

Desses contornos é possível extrair tanto a inexistência de lide (conflito de interesses qualificados por uma pretensão resistida), como a simples administração judicial de interesse absolutamente privados, patrimoniais e disponíveis.

Por tais razões, não se justifica em princípio a intervenção ministerial na qualidade de fiscal da ordem jurídica, prevista no art.27 VIII do Código de Mineração. Ela só deverá ocorrer, como se verifica nos procedimentos de jurisdição voluntária previstos no CPC, se estiver presente algum dos fundamentos definidos, em caráter geral, pelo art. 82 do CPC, indicativos do interesse público e social decorrente da qualidade da parte, e da conseqüente nota de indisponibilidade.

Foi por essa razão que esta Procuradoria-Geral de Justiça determinou a publicação do Aviso nº 252/2008 – PGJ, de 20/05/2008, com o seguinte teor:

“(...)

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, AVISA aos membros do Ministério Público com atribuições na esfera cível que, o disposto no artigo 27, inciso VIII, do Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração) – que trata da intervenção do Promotor de Justiça no procedimento de jurisdição voluntária tendente à definição do valor da renda e reposição de perdas e prejuízos, devidos a proprietários ou posseiros, em decorrência do exercício da atividade de pesquisa e lavra em seus imóveis, deve ser conjugado com as hipóteses de intervenção do Ministério Público, como custos legis, no processo civil, à luz dos art. 127 e art. 129 da CR/88 e art. 82 do CPC. É dispensável sua atuação, ressalvada a presença de algum interesse específico que a justifique, nos termos do Ato nº 313-PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003, art. 3º inciso VI, bem como eventual instauração de inquérito civil para investigação de lesão a interesses ambientais.

(...)”

Por todas estas razões é que, respeitando-se a posição adotada pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Atibaia, não é caso de intervenção ministerial neste feito.

3)    Decisão.

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conhece-se da remessa para não acolhê-la, declarando-se não ser necessária a intervenção do Ministério Público no feito referido nesta decisão.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 14 de abril de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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