Art. 28 - Cível

 

Protocolo n. 50945/10

Autos n. 048.01.2010.001503-0

Procedimento para avaliação de renda e prejuízos decorrentes da autorização para pesquisa mineral

1ª Vara Cível da Comarca de Atibaia

 

 

Ementa:

1) Art. 28 - Cível. Procedimento de Jurisdição Voluntária para avaliação de renda e prejuízos decorrentes da autorização para pesquisa mineral.

2) Remessa para controle da negativa do Promotor de Justiça em intervir no feito na qualidade de custos legis.

3) Previsão do art. 27, VIII, do Código de Mineração – Decreto-Lei n. 227, de 28.02.1967 – que prevê a citação do Promotor de Justiça da Comarca, como representante da União Federal, no processo para avaliação de renda e prejuízos decorrentes da autorização para pesquisa mineral.

4) Norma que precisa ser submetida ao filtro constitucional, à luz da Constituição Federal em vigor. Análise quanto à recepção ou não do referido dispositivo legal.

5) Constituição Federal de 1988 que vedou ao Ministério Público a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (art. 129, IX).

6) Representação da União que deve ser exercida pela Advocacia-Geral da União.

7) Atual perfil constitucional do Ministério Público que não mais se compatibiliza com tal modalidade de intervenção.

8) Devolução dos autos para prosseguimento.

 

Tratam estes autos de procedimento de jurisdição voluntária destinada à avaliação de renda e prejuízos decorrentes da autorização para pesquisa mineral, previsto no art. 27, VIII, do Código de Mineração – Decreto-Lei n. 227, de 28.02.1967, que prevê a citação do Promotor de Justiça da Comarca, como representante da União Federal.

Remetidos os autos ao 1º Promotor de Justiça de Atibaia, este consignou que “se trata de questão meramente patrimonial estabelecida entre o titular da autorização concedida pelo DNPM e o proprietário do imóvel explorado. Daí por que insubsistente se mostra a intervenção do Ministério Público, face à ausência de interesse público a permear sua atuação (CF, arts. 127 e 29)” (fls. 08).

Todavia, o I. Magistrado discordou do referido entendimento, asseverando que “a legislação específica e o entendimento jurisprudencial a respeito, não deixam dúvida sobre a natureza desse procedimento.

O DNPM não é parte no processo e o procedimento inicial não trata de ‘petição inicial’, mas de procedimento de jurisdição voluntária para determinar a renda pela ocupação dos terrenos necessários à pesquisa mineral e indenizações por eventuais prejuízos.

Com o devido respeito à posição adotada pelo douto Promotor de Justiça, a sua participação aqui é essencial, tanto que a norma legal fala em ‘citação do Promotor de Justiça’ que atuará como representante da União” (fls. 09).

Os autos, então, foram novamente encaminhados ao Ministério Público, oportunidade em que o órgão de execução oficiante lembrou do Aviso n. 252/2009 – PGJ, que dispensa a atuação em procedimentos dessa espécie.

Insistindo na imprescindibilidade da manifestação ministerial, Sua Excelência acrescentou, a fls. 15, que o Aviso da Procuradoria-Geral de Justiça não se destina ao juiz e, por isso, remeteu os autos, com fundamento no art. 28 do Código de Processo Penal, para que seja designado outro Promotor de Justiça para atuar no feito, entendendo que houve recusa indevida do Ministério Público.

É o relato do essencial.

Inicialmente impõe consignar que a remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art.28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art.127 caput da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art.129 II e III da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supra-individual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos de natureza intersubjetiva se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza coletiva. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta que a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos arts. 127 e 129 da CR/88 e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do Parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção ou não está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 214-215).

Passo, portanto, a analisar o caso concreto.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente afirmado que o procedimento judicial de avaliação de prejuízos indenizáveis ao proprietário do imóvel objeto da pesquisa é de jurisdição voluntária, inexistindo interesse da União ou do DNMP, exceto se houver litigiosidade superveniente.

Assim decidiu o STJ, por exemplo, ao apreciar o CC n. 103.003/SC:

“ADMINISTRATIVO. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA FEDERAL E A JUSTIÇA ESTADUAL. ALVARÁ DE PESQUISA DE ARGILA. PROCEDIMENTO JUDICIAL DE AVALIAÇÃO DE PREJUÍZOS INDENIZÁVEIS AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL OBJETO DA PESQUISA. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE DA UNIÃO OU DO DNPM. CONFLITO CONHECIDO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 3º VARA CÍVEL DE CRICIÚMA.

1. Cuida-se, na hipótese, de procedimento de jurisdição voluntária visando a avaliação da indenização devida ao proprietário do solo, em razão de alvará de pesquisa mineral.

2. O procedimento previsto no interesse de particulares, que não reflete em bens ou interesse da União, deverá ser processado e julgado na Justiça comum estadual, consoante o disposto na Súmula 238/STJ.

3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Criciúma/SC”.

Em função de ser reiteradamente suscitado o conflito de competência, o STJ também editou a Súmula n. 238, com o seguinte enunciado:

A avaliação da indenização devida ao proprietário do solo, em razão de alvará de pesquisa mineral, é processada no Juízo Estadual da situação do imóvel.

A competência da Justiça Federal se evidencia no caso de ser manifestado interesse e resistência da União, como se vê do julgamento do CC n. 33.992/SP:

“PROCESSUAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - ALVARÁ DE PESQUISA E EXPLORAÇÃO MINERAL - INTERESSE DA UNIÃO NO FEITO - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

 Se pedido de expedição de alvará para pesquisa e exploração mineral encontra resistência por parte da União, é da Justiça Federal a competência para deliberar sobre ele. É que, em tal circunstância, não há jurisdição voluntária, mas contenciosa, incidindo o Art. 109, I da Constituição Federal”.

Portanto, firmada a competência da Justiça Estadual, é importante analisar se é necessária a intervenção do Ministério Público Estadual na hipótese tratada pelo art. 27, VIII, do Código de Mineração – Decreto-Lei n. 227, de 28.02.1967, que prevê a citação do Promotor de Justiça da Comarca, como representante da União Federal, no processo para avaliação de renda e prejuízos decorrentes da autorização para pesquisa mineral.

Sob a égide da atual Constituição Federal está superada a tese de que deve haver a intervenção do Ministério Público Estadual, na qualidade de custos legis.

Importante consignar que, ano no qual foi editado o Código de Mineração, o Ministério Público Federal atuava como representante da Fazenda, o que não mais subsiste em tempos de Advocacia-Geral da União, Procuradoria da União e Procuradoria da Fazenda Nacional.

Naquela época, inclusive, era o Ministério Público Estadual local que fazia o papel da União nas comarcas do interior.

Todavia, a Constituição Federal de 1988 vedou ao Ministério Público a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (art. 129, IX).

Em relação à União, referida representação compete à Advocacia-Geral da União.

Conforme expõe Hugo Nigro Mazzilli, “salvo o fato de estar em jogo o patrimônio público, nenhuma     outra razão existe para a atuação do Ministério Público naqueles processos de avaliação de renda e danos decorrentes de autorização para pesquisa mineral. Entretanto, hoje se sabe     que a mera existência de interesse patrimonial do Estado não é o bastante para assegurar a presença do Ministério Público num feito, já que os entes públicos têm seus representantes – não fosse assim, e o Ministério Público seria obrigado a intervir em todas as ações em que a Fazenda fosse parte (desapropriações, execuções etc.) – o que, incontroversamente, não é verdade (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 475).

Sendo assim, o atual perfil constitucional do Ministério Público não mais se compatibiliza com tal modalidade de intervenção.

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e deixo de acolher as ponderações formuladas pelo MM. Juiz de Direito, restituindo os autos ao juízo de origem para o prosseguimento.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

 

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 26 de abril de 2010.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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