Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

 

Protocolado MP nº 58.329/09

Interessado: Juiz de Direito da Comarca de Panorama

Objeto: Ação Civil Pública – recusa de intervenção ministerial – art. 28 cível

 

Ementa:

1)     Recusa de intervenção. Ação civil pública. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, afirma a inexistência de fundamento para a intervenção do MP. Manifestação que, ao final, se verifica, com o requerimento de citação dos demandados.

2)     Recusa de intervenção. Inexistência. Manifestação ministerial que, afinal, implica efetiva intervenção como custos legis. Obrigatoriedade da intervenção do MP como fiscal da ordem jurídica em sede de ação civil pública.

3)     Recusa inexistente. Devolução dos autos para prosseguimento.

 

1) Relatório.

Trata-se de feito encaminhado inicialmente ao E. Conselho Superior do Ministério Público, tendo em vista a recusa de intervenção apresentada pelo DD. Promotor de Justiça oficiante.

Da leitura dos autos, verifica-se que se trata de ação civil pública proposta pela Municipalidade de Panorama em face da CESP – Companhia Energética de São Paulo (ação civil pública nº 2009.000930-6 - controle nº 388/3009), na qual foi deduzida pretensão a fim de que seja a imposta à demandada a obrigação de fazer, consistente na “construção de uma ponte em concreto sobre o Ribeirão dos Marrecas, no prazo a ser estabelecido pelo juízo, sob pena de multa diária”. Buscou-se, com isso, benefício para a população residente no Bairro “Quinta das Iaras”, no aludido Município, cujo acesso tornou-se inadequado em razão da construção da Usina Hidroelétrica de Porto Primavera.

Ao receber os autos com vista, o DD. Promotor de Justiça que atua no caso lançou manifestação, assentando, em síntese, que “no caso presente, data venia, não há interesse social, pois postula a municipalidade a construção de uma ponte sobre o Ribeirão das Marrecas”, obra essa destinada a mitigar a situação decorrente da formação de um lago em razão da construção da Usina Hidrelétrica ali situada (fls. 311/313).

Diante dessa manifestação ministerial, o DD. Juiz de Direito, averbando sua discordância, e a indispensabilidade da intervenção do parquet, determinou a remessa dos autos ao E. Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), aplicando por analogia o disposto no art. 9º, § 1º da Lei nº 7347/85 (fls. 315).

No E. CSMP, foi o feito distribuído, figurando como relator o DD. Conselheiro Nelson Gonzaga de Oliveira, que votou conhecendo da remessa, mas negando-lhe provimento, na medida em que não houve recusa de intervenção, por ter o órgão ministerial em primeira instância requerido a citação da ré (fls. 317/319).

Diante da peculiaridade do caso formulamos pedido de vista, proferindo voto para que a remessa não fosse conhecida pelo E. CSMP, e os autos remetidos a este Procurador-Geral de Justiça, para apreciação (fls. 321/328). Esse voto foi acolhido pela maioria dos Conselheiros (fls. 329).

É o relato do essencial.

2)Fundamentação.

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito não deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

Entretanto, não se pode afirmar, a rigor, que tenha ocorrido a recusa de intervenção do órgão ministerial neste feito.

Note-se que ao lançar sua manifestação nos autos, o DD. Promotor de Justiça formulou, inicialmente, considerações no sentido de que, em síntese, inexistiria interesse social a justificar a atuação do parquet.

Entretanto, em seguida, invocando expressamente o art. 5º, parágrafo único do Ato Normativo nº 536/2008 PGJ-CGMP – que exclui a possibilidade de adoção de procedimentos relacionados à racionalização de serviços, entre outros casos, em sede de ações populares e ações civis públicas – o DD. Promotor de Justiça efetivamente atuou, afirmando estarem presentes os pressupostos de admissibilidade do exame do mérito, bem como requerendo a citação da ré para oferecer defesa.

Eis o trecho final da manifestação do DD. Promotor de Justiça, às fls. 311/313:

“(...)

Todavia, por força do disposto no § único, do artigo 5º, do ATO NORMATIVO Nº 536/2008-PGJ-CGMP, de 07 de maio de 2008, estando presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, requeiro a citação da ré para, em querendo e no prazo legal, oferecer defesa.

(...)”

Nesse contexto, não houve efetivamente recusa de intervenção, e não pode ser conhecida a remessa.

Ademais, cumpre finalmente averbar que adequadamente reconheceu o órgão ministerial a indispensabilidade de sua atuação, na medida em que nas ações coletivas, quando não é autor, o Ministério Público oficia indispensavelmente como fiscal da ordem jurídica.

E nem poderia ser diversa a solução, dado que nesses casos se faz presente o quadro que caracteriza o atual perfil constitucional e institucional do parquet.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III da CR/88).

A Lei da Ação Civil Pública, de outro lado, prevê que nos casos em que não propuser a ação, o MP deve atuar obrigatoriamente como fiscal (art. 5º, § 1º da Lei nº 7347/85).

Essa é uma das hipóteses em que não é possível qualquer interpretação no sentido de dispensar a intervenção ministerial como custos legis, diversamente do que ocorre em outros casos em que a exigência de atuação prevista em lei deve ser confrontada com as peculiaridades do caso concreto.

E a razão é singela, porém fundamental: a ação civil pública é, em última análise, instrumento posto à disposição dos respectivos legitimados para concretizar, no plano das relações humanas de massa, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. E essa perspectiva é indissociável do papel atribuído ao Ministério Público, pela Constituição da República, de defender a ordem jurídica, o regime democrático, e os interesses sociais.

Esse também é o motivo primordial pelo qual os atos de racionalização da intervenção dos órgãos de execução, como custos legis, na esfera cível, não são aplicáveis às ações populares e às ações civis públicas.

Em outros termos: saber se há ou não interesse difuso, coletivo, ou individual homogêneo no caso concreto; se o demandante é ou não legitimado coletivo; se há pertinência temática entre o legitimado e o objeto litigioso; entre outras indagações, são questões que poderão levar até mesmo à extinção do feito sem exame do mérito, mas não dispensam a intervenção do MP. Este sempre deverá atuar como fiscal, até mesmo para velar pelo adequado uso da ação civil pública pelos demais legitimados.

3)Decisão.

Por todo o exposto, considerando que não houve recusa de intervenção, não se conhece da remessa, restituindo-se o feito à origem, para que o MM. Juiz aprecie o requerimento formulado pelo Ministério Público.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos à origem.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 25 de setembro de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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