Art.28 – Cível
Protocolado
nº70.292/08
(Ação Civil Pública)
Processo
nº1.376/01
Comarca
de Tanabi
Ementa: 1)Ação civil pública proposta pelo Ministério
Público. Recusa ministerial a dar início ao processo de execução. Condenação
ao pagamento de honorários de advogado. Remessa judicial com fundamento, por
analogia, no art.28 do CPP. 2)Vedação de percepção de honorários pelo MP
(art.128 §5º II a da CR/88).
Sentença que fixa verba honorária, discriminando que será revertida ao Fundo
de Reparação de Interesses Difusos Lesados. 3)Legitimidade do Ministério
Público. Execução de capítulo da sentença que reverterá em benefício do Fundo
de Interesses Difusos. Não ocorrência de violação da vedação constitucional à
percepção de honorários. Verba que não será destinada ao MP. 4)Remessa
conhecida a provida. |
Vistos,
1)Relatório.
Tratam estes autos de protocolado instaurado em razão
de provocação formulada pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Tanabi, Dr. (...),
por analogia do art.28 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o DD.
Promotor de Justiça da Comarca, Dr. (...)
se negou a oficiar no feito de origem.
Nos autos da ação civil pública nº1.376/01,
da Comarca de Tanabi, proposta pelo Ministério Público para fins de adequação
do número de vereadores da cidade aos parâmetros fixados na Constituição
Federal, a Municipalidade, em decorrência da procedência da demanda, foi
condenada a arcar com o ônus da sucumbência (cf. cópia da sentença, de
fls.58/62).
O tópico final da sentença contou com a
seguinte dicção:
“Sendo a ré a Câmara Municipal, não há custas, mas pela sucumbência, condeno o Município de Cosmorama (já que a Câmara Municipal não tem patrimônio próprio) ao pagamento das despesas do processo, corrigidas do efetivo desembolso, bem como na verba honorária que arbitro em R$ 500,00, corrigidos do ajuizamento da ação, usando os parâmetros do art.20 §§ 3º e 4º do Código de Processo Civil.
Todos os valores a serem pagos pelo Município de Cosmorama serão depositados no fundo estadual a que se refere o art.13 da Lei nº7347/85. Para a correção monetária, serão aplicados os índices constantes da tabela editada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para débitos judiciais e publicada mensalmente na Imprensa Oficial”. (cf. fls.62).
Em
grau de recurso, no julgamento da apelação cível nº351.078.5/9-00, na 3ª Câmara
de Direito Público do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão relatado
pelo d. Desembargador Magalhães Coelho, a r. sentença foi mantida em sua
integralidade (cf. cópia de fls.111/120).
O v. acórdão transitou em julgado
(fls.124), e o órgão do Ministério Público oficiante foi instado a
manifestar-se a respeito da execução da verba honorária (fls.127).
O DD. Promotor de Justiça negou-se a
dar início à execução da sentença no que tange à condenação ao pagamento de
honorários, aduzindo que há vedação constitucional expressa para que o
Ministério Público perceba honorários advocatícios (fls.128).
Discordando de tal posicionamento, o
DD. Magistrado determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça,
sustentando que: (a) não há condenação de pagamento de honorários ao Ministério
Público; (b) houve menção expressa, na sentença, de que tal verba deverá
reverter ao Fundo de Reparação de Interesses Difusos Lesados; (c) a única opção
que restaria ao parquet, caso insista
em não dar início à execução, será mover ação rescisória do julgado; (d)
pretende que a Procuradoria-Geral de Justiça designe outro membro da
instituição para mover a execução em face da Municipalidade (fls.129/130).
Este
é o breve relato do que consta dos autos.
2)Fundamentação.
A remessa para controle da negativa de intervenção
ministerial no feito de origem deve ser conhecida.
É pacífico o entendimento de que, pese
a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é
passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia
do art.28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed.,
São Paulo, Saraiva, 1991, p.537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005,
p.73.
No caso em exame, verificou-se a
situação de fato que justifica o conhecimento da remessa, na medida em que os
autos foram encaminhados ao órgão ministerial que tinha, em tese, atribuições
para oficiar, e este aduziu que inexiste fundamento para a intervenção.
Superado esse ponto, cumpre examinar a
fundo a controvérsia instaurada entre o DD. Promotor de Justiça de Tanabi, e o
MM. Juiz de Direito da Comarca.
Nos autos da ação civil pública já
referida, a Fazenda Pública Municipal foi condenada, dado o êxito da demanda,
ao pagamento de honorários advocatícios, com determinação expressa na sentença
de que o montante devido a esse título deveria ser carreado ao Fundo de Reparação
de Interesses Difusos Lesados, a que se refere o art.13 da Lei da Ação civil
Pública (Lei nº7.347/85). O acórdão, que transitou em julgado, manteve tal capítulo
da sentença.
Sustenta o órgão ministerial oficiante
que não pode o Ministério Público dar início ao processo de execução, na medida
em que o parquet não pode receber
honorários advocatícios.
De fato, há disposição constitucional
expressa nesse sentido (art.128 §5º II a da
CR/88), constituindo-se em vedação que integra, junto a outras, o conjunto de
garantias de imparcialidade do Ministério Público. Como anota Hugo Nigro
Mazzilli, “nem a instituição, nem seus
membros receberão custas, honorários ou percentagens processuais” (Regime Jurídico do Ministério Público,
6ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.238).
E nem seria razoável solução distinta.
É certo que, há muito se assentou o
entendimento de que o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo
e exatamente aquilo que deveria ter obtido naturalmente, caso não tivesse sido necessário
o recurso ao Poder Judiciário para o cumprimento de uma prestação devida. Essa
premissa foi apontada por Giuseppe Chiovenda, ao afirmar textualmente que “il processo deve dare per quanto è possibile
praticamente a chi ha un diritto tutto quello e proprio quello ch’egli ha
diritto di conseguire” (“Dell’azione nascente dal contratto preliminare”,
in Saggi di Diritto Processuale Civile,
vol. I, Milano, Giuffrè, 1993 p.110).
Toda vez que determinada pretensão
material não é atendida espontaneamente pelo obrigado, tornando-se
indispensável a intervenção do Estado-Juiz, a reparação deverá englobar não
apenas a dívida, mas também o desgaste econômico sofrido por quem teve que ir a
juízo, pois, caso isso não ocorra, ainda que a demanda seja integralmente acolhida,
ela não propiciará a inteira reparação. Em outras palavras, a necessidade de
que a condenação envolva a obrigação de pagamento de custas, despesas e
honorários, além de decorrer de específica disposição legal (cf. art.20 e ss do
CPC), é um imperativo que advém da própria vedação do enriquecimento sem causa,
que surgiria com uma reparação incompleta.
De outro lado, é natural o reconhecimento de
que a condenação ao reembolso de despesas e honorários surja com a condenação,
pois antes dela inexistente tal interesse. Merece destaque, entretanto, que o
reembolso é de fato devido àquele que despendeu recursos para a movimentação do
processo, o que motivou a doutrina, há muito, a reconhecer na fixação do ônus
da sucumbência um direito com dois titulares: a própria parte, quanto àquilo
que desembolsou, e seu patrono, com relação ao que lhe é devido a título de
honorários (cf. Giuseppe Chiovenda, “Della condenna nelle spese a favore del
procuratore”, in Saggi di diritto
processuale civile, vol. III, Milano, Giuffrè, 1993, p.201 e ss).
Daí decorre também a identificação do
princípio da causalidade como fundamento para condenação ao pagamento das
verbas decorrentes da sucumbência: quem deu causa ao acesso à Jurisdição deve
arcar com o pagamento do custo do processo (Piero Pajardi, La responsabilità per le spese e i danni del processo, Milano,
Giuffrè, 1959, p.272 e ss).
Não há dúvida, entretanto, que onde
falte a premissa, faltará também o resultado. No caso das ações coletivas
propostas pelo Ministério Público, ao lado da expressa vedação constitucional à
percepção da verba honorária é indispensável ter-se em conta que não há
realização de despesas com advogado. Daí, também, a impossibilidade de
recebimento da verba, pois, caso contrário, recebendo pelo que não despendeu,
estaria o parquet (e em última
análise o próprio Estado) enriquecendo ilegitimamente.
Reforçaria
ainda a inviabilidade do recebimento da verba a lembrança de que, no sistema
processual brasileiro, por disposição expressa do Estatuto da Advocacia, a
verba honorária decorrente da sucumbência judicial é direito do Advogado
(Art.22 caput da Lei nº8.906/94).
Mas uma particularidade, no caso
concreto, deve ser observada. Houve fixação de verba honorária na sentença.
Houve também determinação da sua destinação ao Fundo de Reparação de Interesses
Difusos Lesados.
A previsão genérica do Fundo
encontra-se no art.13 da Lei da Ação Civil Pública. No Estado de São Paulo ele
foi instituído pela Lei Estadual nº6.536/89, cujo art.3º discrimina as fontes
das respectivas receitas:
“Artigo 3º - Constituem receitas do Fundo:
I - as indenizações decorrentes de condenações por danos causados aos bens descritos no artigo anterior e as multas pelo descumprimento dessas condenações;
II - os rendimentos decorrentes de depósitos bancários e aplicações financeiras, observadas as disposições legais pertinentes;
III - as contribuições e doações de pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras; e
IV - o produto de incentivos fiscais instituídos a favor dos bens descritos no artigo 2.º”
A leitura do inciso I do art.3º da Lei nº6.536/89
legitima a interpretação no sentido de que todo e qualquer numerário
relacionado a condenação decorrente de ação coletiva deverá reverter ao Fundo
de Interesses Difusos - ressalvados os casos de indenização devida ao
próprio lesado, nos termos do art. 99 do Código de Defesa do Consumidor (Lei
nº8.078/90), em caráter individual.
No caso em exame, a decisão que
determinou a inclusão, no ônus da sucumbência, da verba honorária a ser
revertida ao Fundo de Interesses Difusos, já passou em julgado, e não se
apresenta nítida ou razoável a possibilidade de propositura de ação rescisória
pelo Ministério Público.
Note-se que, eventual rescisória, nesse
caso, ao menos em tese teria que ser proposta com fundamento em violação de
expressa disposição de lei (cf. art.485 V do CPC). Mas não houve violação do
art.128 §5º II a da CR/88, pois, ao
contrário, constou expressamente da sentença a afirmação de que a verba será
destinada ao Fundo de Interesses Difusos.
Ademais, nem haveria interesse
processual, por parte do Ministério Público, em propor ação rescisória: atuou,
ao propor a ação civil, em defesa de interesses difusos, e sua iniciativa teve
êxito. Haveria incongruência em nova iniciativa, agora voltada à parcial
desconstituição do julgado que acolheu sua postulação.
Em
síntese: (a) como regra, não há condenação ao pagamento de honorários, em ação
coletiva proposta pelo Ministério Público, dada a vedação à percepção de
honorários pelo parquet; (b) havendo,
entretanto, a condenação, a conclusão a ser extraída da interpretação
sistemática das normas aplicáveis, em sede de processo coletivo, é de que essa
verba seja revertida ao Fundo de Interesses Difusos Lesados.
3)Decisão.
Diante do exposto, e por analogia ao disposto no
art.28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e acolho as ponderações
formuladas pelo MM. Juiz da Comarca de Tanabi, determinando a intervenção
ministerial no feito em epígrafe, a fim de que tenha início da execução do
julgado.
Providencie-se designação de outro membro do
Ministério Público para prosseguir nos autos e apresentar as manifestações
cabíveis.
Publique-se a ementa no Diário Oficial,
para conhecimento.
Comunique-se.
São Paulo, 18 de junho de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça