Art. 28 – Cível

Protocolado nº 82361/09

Autos nº 5/08

2ª Vara Cível e da Infância e Juventude da Comarca de Batatais

Apuração de Infração Administrativa (arts. 148, VI e 194 a 197 da Lei 8.069/90)

 

 

 

Ementa:

1 - Apuração de infração administrativa - arts. 148, VI e 194 a 197 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Estabelecimento do tipo “Lan House”.

2 Recusa de intervenção. Manifestação ministerial que reconhece “bis in idem” entre norma penal e norma administrativa. Descabimento. Possibilidade de fechamento de estabelecimento na esfera administrativa. Inteligência do art. 258 da Lei n. 8.069/90.  Lei Estadual n. 12.228, de 11 de janeiro de 2006. Decreto 50.658, de 30 de março de 2006.

3 - Remessa conhecida e provida

 

1)Relatório.

Trata-se de feito encaminhado a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo mm. juiz da Infância e da Juventude de Batatais, tendo em vista a recusa de intervenção apresentada pelo DD. Promotor de Justiça oficiante.

Iniciou-se o procedimento por intermédio do Boletim de Ocorrência (B.O.) n. 27/2008, instaurado para apurar eventual exercício ilegal de profissão ou jogo de azar, perpetrado, em tese, por (...) e (...).

Existe a informação de que a respeito dos mesmos fatos se instaurou inquérito policial (fls. 02). Relata-se que, em operação realizada no dia oito de janeiro de 2008, objetivando apurar irregularidades em “Lan Houses” e “Cyber Cafés” no município de Batatais, policiais civis constataram que no estabelecimento comercial denominado “Thunder House”, duas crianças utilizavam equipamentos eletrônicos (fls. 04).

Expõe o relatório dos policiais civis que as crianças foram entregues aos seus responsáveis e que a sra. (...) informou que a propriedade do estabelecimento é de seu filho, (...). De acordo com o auto de exibição e apreensão de fls. 05, apreenderam-se quatro computadores do estabelecimento “Thunder House”.

Conclusos os autos, o Ilustre Juiz oficiante, Dr. (...), pronunciou-se no seguinte sentido: “Junte cópia da Portaria do Juízo que disciplina o acesso de crianças a locais de diversões eletrônicas para verificar se ocorreu, em tese, eventual infração administrativa”(fls. 07). Em atendimento à determinação judicial, juntou-se aos autos a Portaria 9/96 (fls. 08/17).

Em sua primeira manifestação, o Douto Promotor de Justiça, Dr. (...), solicitou informações a respeito da existência de alvará municipal à época (fls. 20), sendo seu requerimento acolhido (fls. 21); o Sr. Prefeito Municipal prestou informações (fls.23/24).

Diante do material reunido, o membro do Ministério Público local assentou: “O fato se deu em 08/01/08 às 16:30 hs, certo que, não estava com alvará da municipalidade, incorrendo no delito de exercício ilegal da profissão, que ao meu ver inclui a infração administrativa, que ocorreria na não observância dos horários do alvará e regras da portaria do juízo”. Segue o membro do parquet local: “Contudo, sendo o fato caracterizado de delito, não pode, pena de “bis in idem”, caracterizar a falta administrativa”, concluindo, por final: “Assim, peço o arquivamento dos autos, já havendo procedimento penal em curso”(fls. 29, 29v.).

Não concordando com o requerimento ministerial, o juiz oficiante argumentou:

a)    Justifica-se o interesse do Juízo da Infância e Juventude diante da infração administrativa consistente em permitir a freqüência de menores em estabelecimento do tipo “Lan House”, em desacordo com a Portaria do juízo n. 9/96, de 15 de julho de 1996;

b)    As esferas penal e administrativa são independentes e autônomas;

c)      A contravenção de exercício ilegal de atividade consuma-se com o funcionamento irregular do estabelecimento; a infração administrativa decorre da freqüência de criança e adolescente ao estabelecimento irregular;

d)    não há bis in idem, pois foram duas as condutas irregulares, podendo, cada uma, ser sancionada de forma autônoma.

 

Diante disso, o MM. Juiz de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, por analogia do disposto no art. 28 do CPP, a fim de que o próprio Promotor de Justiça, ou outro membro da Instituição, inicie o procedimento para apuração de infração administrativa no feito em questão.

É o relato do essencial.

Passa-se ao exame do caso.

2) Regulamentação estadual dos estabelecimentos comerciais que colocam à disposição máquinas de acesso à internet (“Lan House”)

No âmbito do Estado de São Paulo, a Lei n. 12.228, de 11 de janeiro de 2006, dispõe sobre os estabelecimentos comerciais que colocam à disposição, mediante locação, computadores e máquinas para acesso à internet, sendo regidos por mencionado texto legal os estabelecimentos comerciais instalados no Estado de São Paulo que ofertam a locação de computadores e máquinas para acesso à internet, utilização de programas e de jogos eletrônicos, abrangendo os designados como "lan houses", cibercafés e "cyber offices", entre outros.

Nos termos do art. 2º da Lei Estadual n. 11.228/2006, os estabelecimentos ficam obrigados a criar e manter cadastro atualizado de seus usuários, contendo: I - nome completo; II - data de nascimento; III - endereço completo; IV - telefone; V - número de documento de identidade.

Imperativo transcrever o art. 3º de referido diploma, que trata das vedações aos estabelecimentos alcunhados de “Lan House”:

 

Artigo 3º - É vedado aos estabelecimentos de que trata esta lei:

I - permitir o ingresso de pessoas menores de 12 (doze) anos sem o acompanhamento de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal devidamente identificado;

II - permitir a entrada de adolescentes de 12 (doze) a 16 (dezesseis) anos sem autorização por escrito de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal;

III - permitir a permanência de menores de 18 (dezoito) anos após a meia-noite, salvo se com autorização por escrito de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal.

 

O não atendimento ao disposto na Lei mencionada sujeitará o infrator às seguintes penalidades, conforme reza seu art. 6º:

 

I - multa, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais), de acordo com a gravidade da infração, conforme critérios a serem definidos em regulamento;

II - em caso de reincidência, cumulativamente com a multa, suspensão das atividades ou fechamento definitivo do estabelecimento, conforme a gravidade da infração.

§ 1º - Na reincidência, a multa será aplicada em dobro.

§ 2º - Os valores previstos no inciso I serão atualizados anualmente, pelos índices oficiais.

 

 

Exatamente para regulamentar os artigos 6º e 7º da Lei n. 12.228, de 11 de janeiro de 2006, o Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições, editou o Decreto n. 50.658, de 30 de março de 2006, nos seguintes termos:

 

Artigo 1º  - A fiscalização do cumprimento e a imposição das penalidades previstas no artigo 6º da Lei nº 12.228, de 11 de janeiro de 2006, que rege os estabelecimentos comerciais instalados no Estado de São Paulo que ofertam a locação de computadores e máquinas para acesso à internet, utilização de programas e de jogos eletrônicos, abrangendo os designados como "lan houses", cibercafés e "cyber offices", entre outros, ficam regulamentadas nos termos deste decreto.

Artigo 2º  - A inobservância do disposto na Lei nº 12.228, de 11 de janeiro de 2006, sujeitará o infrator às seguintes penalidades:

I - multa;

II - suspensão das atividades;

III - fechamento definitivo do estabelecimento.

Artigo 3º  - O valor da multa será fixado, em razão da gravidade da infração, obedecidos aos seguintes parâmetros:

I - infrações leves: multa de R$ 3.000,00 (três mil reais);

II - infrações graves: multa de R$ 5.500,00 (cinco mil e quinhentos reais);

III - infrações gravíssimas: multa de R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais);

IV - infrações de gravidade máxima: multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único - Os valores das multas previstos neste artigo serão atualizados anualmente pelos índices oficiais.

Artigo 4º  - São consideradas leves as seguintes infrações:

I - deixar de exigir dos consumidores a exibição de documento de identidade no ato do seu cadastramento e sempre que forem fazer uso de computador ou máquina;

II - deixar de registrar a hora inicial e final de cada acesso, com a identificação do usuário e do equipamento por ele utilizado;

III - permitir o uso dos computadores ou de máquina a pessoa que não fornecer o seu nome e endereço completo, data de nascimento, número de telefone e do documento de identidade, ou a quem o fizer de forma incompleta, que não portar documento de identidade ou se negar a exibi -lo;

IV -  não manter as informações e o registro previstos no artigo 2º da Lei nº 12.228, de 11 de janeiro de 2006, por, no mínimo, 60 (sessenta) meses.

Artigo 5º  - São consideradas graves as seguintes infrações:

I - fornecer dados cadastrais e demais informações de que trata o artigo 2º da Lei nº 12.228, de 11 de janeiro de 2006, sem ordem ou autorização judicial ou expressa autorização do usuário;

II - deixar de expor em local visível a lista de todos os serviços e jogos disponíveis, com um breve resumo sobre os mesmos e a respectiva classificação etária, observada a disciplina do Ministério da Justiça sobre a matéria;

III - deixar de fornecer ambiente saudável e iluminação adequada aos usuários;

IV - não manter móveis e equipamentos ergonômicos e adaptáveis a todos os tipos físicos;

V - não regular o volume dos equipamentos de forma a adequá-lo às características peculiares e ao desenvolvimento das crianças e dos  adolescentes.

Artigo 6º  - São consideradas gravíssimas as seguintes infrações:

I - permitir o ingresso de pessoas menores de 12 (doze) anos sem o acompanhamento de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal devidamente identificado;

II - permitir a entrada de adolescentes de 12 (doze) a 16 (dezesseis) anos sem autorização por escrito de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal;

III - permitir a permanência de menores de 18 (dezoito) anos após a meia -noite, salvo se com autorização por escrito de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal;

IV - deixar de exigir do usuário menor de 18 (dezoito) anos que informe a sua filiação, o nome da escola em que estuda e o horário (turno) das aulas que frequenta;

V -  não proceder as adaptações necessárias no local para possibilitar o acesso a portadores de deficiência física;

VI - não tomar as medidas necessárias a fim de impedir que menores de idade utilizem contínua e ininterruptamente os equipamentos por período superior a 3 (três) horas, sem um intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos entre os períodos de uso.

Artigo 7º  - São consideradas de gravidade máxima as seguintes infrações:

I -  vender e permitir o consumo de bebidas alcoólicas;

II - vender e permitir o consumo de cigarros e congêneres;

III - promover jogos ou realizar campeonatos que envolvam prêmios em dinheiro.

Artigo 8º  - Caracteriza -se a reincidência pela repetição de prática infrativa, de qualquer natureza,  punida por decisão administrativa irrecorrível.

Parágrafo único - Na reincidência, a multa será aplicada em dobro e poderá ser cumulada com a suspensão das atividades ou o fechamento definitivo do estabelecimento, conforme a gravidade da infração.

Artigo 9º  - Verificada qualquer violação às normas previstas neste decreto, será lavrado o competente Auto de Infração, observando -se no procedimento sancionatório o disposto na Lei nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998.

Parágrafo único - O valor das  multas, a que alude o artigo 3º deste decreto, deverá ser pago no prazo de 30 (trinta) dias, contado da lavratura do Auto de Infração.

Artigo 10 - À Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON incumbe a fiscalização e a imposição das penalidades a que se refere este decreto.

 

Resulta claro do art. 9º acima que, constatada a violação às normas previstas no decreto, lavrar-se-á Auto de Infração, com a observância do procedimento sancionatório disposto na Lei 10.177, de 30 de dezembro de 1998. Ora, a Lei Estadual n. 10.177, de 30 de dezembro de 1998 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, devendo-se lembrar que as normas de referida lei aplicam-se subsidiariamente aos atos e procedimentos administrativos com disciplina legal específica (art. 3º.). Aliás, incisivo o art. 6º:

 

 

Artigo 6.º - Somente a lei poderá:

I - criar condicionamentos aos direitos dos particulares ou

impor-lhes deveres de qualquer espécie; e

II - prever infrações ou prescrever sanções.

 

 

Forte no princípio do devido processo legal e da ampla defesa, observa-se o quanto dispõe o art. 63 do Decreto:

 

Artigo 63 - O procedimento sancionatório observará, salvo legislação específica, as

seguintes regras:

I - verificada a ocorrência de infração administrativa, será instaurado o respectivo

procedimento para sua apuração;

II - o ato de instauração, expedido pela autoridade competente, indicará os fatos em que se

baseia e as normas pertinentes à infração e à sanção aplicável;

III - o acusado será citado ou intimado, com cópia do ato de instauração, para, em 15

(quinze) dias, oferecer sua defesa e indicar as provas que pretende produzir;

IV - caso haja requerimento para produção de provas, a autoridade apreciará sua

pertinência, em despacho motivado;

V - o acusado será intimado para:

a) manifestar-se, em 7 (sete) dias, sobre os documentos juntados aos autos pela

autoridade, se maior prazo não lhe for assinado em face da complexidade da prova;

b) acompanhar a produção das provas orais, com antecedência mínima de 2 (dois) dias;

c) formular quesitos e indicar assistente técnico, quando necessária prova pericial, em 7

(sete) dias;

d) concluída a instrução, apresentar, em 7 (sete) dias, suas alegações finais;

VI - antes da decisão, será ouvido o órgão de consultoria jurídica;

VII - a decisão, devidamente motivada, será proferida no prazo máximo de 20 (vinte) dias,

notificando-se o interessado por publicação no Diário Oficial do Estado;

VIII - da decisão caberá recurso.

Artigo 64 - O procedimento sancionatório será sigiloso at decisão final, salvo em relação ao

acusado, seu procurador ou terceiro que demonstre legítimo interesse.

Parágrafo único - Incidirá em infração disciplinar grave o servidor que, por qualquer forma,

divulgar irregularmente informações relativas à acusação, ao acusado ou ao procedimento.

 

 

 

3. Normatização pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

 

Ao lado da estrutura estadual acima descrita, no âmbito da Lei n. 8.069/90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente), permite-se que o juiz da infância e da juventude possa aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente (art. 148, VI).

Destaque-se que o procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente seguirá o trâmite disciplinado nos arts. 194 a 198 da Lei n. 8.069/90.

Na hipótese dos autos, poder-se-ia subsumir a conduta dos averiguados, em tese, no tipo previsto no art. 258:

 

Art. 258. Deixar o responsável pelo estabelecimento ou o empresário de observar o que dispõe esta Lei sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou sobre sua participação no espetáculo:

Pena - multa de três a vinte salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias.

 

 

 

4. Fundamentação

 

 

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida. No mérito, merece acolhimento.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art.28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.73.

Se, por um lado, o princípio hierárquico que anima toda e qualquer organização administrativa – inclusive o Ministério Público – justifica o controle quando da indevida negativa de atuação do membro do parquet, é necessário que esta reste devidamente caracterizada, sob pena de configuração da usurpação de atribuição e consequentemente da própria independência funcional, princípio institucional assentado no art. 127, § 1º da CR/88.

É oportuno recordar que o fundamento que tem sido adotado para o controle da negativa de atuação é o art.28 do Código de Processo Penal, mas nem seria necessário chegar a tanto: embora os membros do Ministério Público tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer injunção quanto ao conteúdo de suas manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores, que, no plano estritamente administrativo, possuem, em relação àqueles, poderes que caracterizam a Administração Pública: poder hierárquico, disciplinar, regulamentar, etc.

Como anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade administrativa superior para “distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda, a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p. 421/423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.

O reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior é assente inclusive no direito comparado, anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na medida em que “questo vincolo, fondandosi su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo dell’autorità pubblica”(Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII, Milano, Giuffrê, 1969, p. 626).

Do mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos, de um “potere di risoluzione di conflitti tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività degli stessi” (Diritto Amministrativo, v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).

O reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa atuação.

Em outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer em princípio como deve o membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o membro que o fará, diante de situações de incerteza concretamente configurada quanto às atribuições dos órgãos ministeriais de execução envolvidos, ou mesmo diante da recusa de atuação.

Com a propriedade de sempre, René Ariel Dotti, ao comentar o art. 258 do Estatuto da Criança e do Adolescente leciona que “não existe, portanto, distinção ontológica entre o ilícito civil e o ilícito administrativo, salvo quanto à natureza da sanção aplicável. No fundo, o material de proibição é o mesmo para as duas modalidades de transgressão do dever”(DOTTI, René Ariel. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.809).

Contudo, da extensa legislação acima transcrita, percebe-se que na seara do procedimento administrativo é possível aplicar-se outras sanções, relacionadas diretamente com o próprio desempenho da atividade de estabelecimentos do tipo “Lan Houses”. Não se pode afiançar a existência de sobreposição entre as normas penais e administrativas.

 

5. Conclusão

        Diante do exposto, e opor analogia do que determina o art.28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e acolho as ponderações formuladas pelo MM. Juiz de Direito de Batatais, determinando a intervenção ministerial no feito em epígrafe.

Providencie-se designação de outro membro do Ministério Público para prosseguir nos autos e apresentar as manifestações cabíveis, caso ainda atue no referido cargo o membro da instituição que se negou, inicialmente, a oficiar.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos, com as cautelas de estilo.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 27 de julho de 2009.

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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