Artigo 28 – Cível

 

Processo nº2006.000582-8 (ordem nº097/06)

Vara Única de Santa Adélia

Requerente: (...)

Requerido: (...)

Natureza: Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato c.c. partilha de bens

 

Ementa: 1)Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato c.c. partilha de bens. Negativa de intervenção do Ministério Público. Remessa dos autos, pelo magistrado, com fundamento, por analogia, no art.28 do CPP. 2)Pedidos formulados na demanda exclusivamente para o reconhecimento da existência da sociedade e partilha do imóvel adquirido com o esforço comum. Informação a respeito da existência de filha incapaz. Decisão interlocutória que provê a respeito da guarda provisória da incapaz. 3)Não aplicação do fundamento para a dispensa de intervenção previsto no art.3º II do Ato nº313/03-PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003. Fundamento da intervenção inexistente originariamente, mas surgido no curso da tramitação do feito. 4)Remessa conhecida e provida.

 

 

Vistos,

 

 

 

1)Relatório.

 

         Tratam estes autos de ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, cumulada com pedido de partilha de bens, especificamente o imóvel descrito na inicial.

 

         Com a propositura da demanda, os autos foram encaminhados com vista ao Ministério Público, que se manifestou e lançou neles ciência em algumas oportunidades, sendo que, com a vista para parecer final, sobreveio manifestação na qual o DD. Promotor de Justiça de Santa Adélia, Dr. (...), declinou de oficiar no feito por não divisar causa de intervenção ministerial (fls.97/v).

 

         O DD. Juiz de Direito de Santa Adélia, Dr. (...), valendo-se da analogia do art.28 do CPP e discordando do posicionamento do i. Promotor de Justiça suscitou a apreciação da negativa de intervenção ministerial por esta Procuradoria-Geral.

 

         Este é o breve relato do que consta destes autos.

 

2)Fundamentação.

 

         A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

 

         É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art.28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.73.

 

         Pois bem.

 

         A demanda foi originariamente proposta pela requerente com apenas dois pedidos: (a) declaração da existência e dissolução da união estável; (b) partilha do imóvel adquirido com o esforço comum do casal.

 

         A dedução da pretensão, assim delimitada, permitiria, de fato, que o Ministério Público se negasse a intervir no feito. É que tem prevalecido o entendimento de que a identificação dos casos em que o Ministério Público deverá atuar como custos legis no processo civil, atualmente, deve ser realizada em conformidade com o seu moderno perfil institucional.

 

         Essa diretriz decorre, ademais, do relevante papel que vem sendo atribuído ao parquet tanto pela Constituição Federal, como pelas normas infraconstitucionais, na defesa dos interesses supra-individuais: em uma sociedade de massa, em que os conflitos de natureza intersubjetiva se coletivizam, mais adequado se mostra que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza coletiva. Sua atuação tradicional como custos legis nos processos de natureza individual deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

 

         Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta que o CPC ou a legislação especial determine a intervenção: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos art.127 e 129 da CR/88, e do art.82 do CPC.

 

         Para saber se deverá ocorrer ou não a atuação do Ministério Público, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo.

 

         Nesse sentido, por exemplo, é o posicionamento de Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção ou não está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.214/215).

 

         Do mesmo sentir é Antônio Cláudio da Costa Machado, ao tratar da atuação do fiscal da lei, aduzindo que “é longe da incômoda posição de parte parcial que melhor pode o Ministério Público cumprir o desiderato de responsável, perante o Judiciário, pela ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assim como previsto pelo caput do art.127 da Constituição Federal de 1988” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p.283).

 

         No caso em análise, embora na petição inicial não tenha sido formulado nenhum pedido relativo à situação da prole decorrente da união estável, há a informação a respeito de sua existência, sendo que uma das filhas do casal é incapaz.

 

         Considerando que a filha menor estava de fato sob a responsabilidade da requerente (genitora), o magistrado emitiu decisão, determinando que a guarda provisória da incapaz fosse atribuída àquela (fls.56).

 

         Ora, se já houve deliberação judicial a respeito da guarda provisória, é viável supor que, ao proferir decisão final, o magistrado tratará também da questão.

 

         Certo que, em circunstâncias como esta, a causa de intervenção ministerial, anteriormente inexistente, surgiu no curso da demanda, a partir do momento em que, com informações sobre a existência de filho comum incapaz, o magistrado emitiu provimento jurisdicional disciplinando provisoriamente a guarda.

 

         É bem verdade que, nos termos do Ato nº313/03-PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003, que “Dispõe sobre a racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil”, em especial pelo seu art.3º inciso II, é facultada a intervenção ministerial nos casos de ação declaratória de união estável e respectiva partilha de bens. Essa faculdade, entretanto, pressupõe a inexistência de interesses de incapazes, hipótese em que a atuação se torna indispensável, à luz do art.82 I do CPC.

 

3)Decisão.

 

            Diante do exposto, e opor analogia do que determina o art.28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e acolho as ponderações formuladas pelo MM. Juiz de Direito de Santa Adélia, determinando a intervenção ministerial no feito em epígrafe.

 

Providencie-se designação de outro membro do Ministério Público para prosseguir nos autos e apresentar as manifestações cabíveis, caso ainda atue no referido cargo o membro da instituição que se negou, inicialmente, a oficiar.

 

            Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos, com as cautelas de estilo.

 

         Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

 

 

São Paulo, 10 de julho de 2008.

 

 

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça