Art. 28 – Cível
– Recusa de Intervenção
Protocolado MP nº
108.075/13
Interessado:
Juízo de Direito do Primeiro Ofício Judicial de Itapeva
Objeto:
Recuperação judicial – recusa de intervenção ministerial na fase deliberativa.
Ementa:
1. Recuperação judicial: recusa de
intervenção ministerial na fase deliberativa.
2. A Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro
de 2005, que regula a recuperação judicial e a falência do empresário e da
sociedade, prevê a intervenção do Ministério Público em diversos dispositivos
(arts. 8º; 19; 22, § 4º; 30, § 2º; 52, V; 59, § 2º; 99, XIII; 104, VI; 132;
142, § 7º; 143; 154, § 3º e 187), o que não afasta sua atuação nas demais
situações em que haja interesse público, à luz do comando inserto no art. 127
da Constituição Federal de 1988.
3. A Procuradoria-Geral de Justiça, por
intermédio do Ato n. 070/2005, recomendou aos membros do Ministério Público,
especialmente àqueles que atuam na área de recuperação judicial e falências,
que continuem ou passem a oficiar nos autos dos pedidos de falências,
recuperação judicial ou extrajudicial e ações em que sejam partes ou
interessadas empresas em recuperação ou falidas, requerendo vista dos autos e
intimação para os demais atos do processo ou procedimento, manifestando-se
fundamentadamente em defesa do crédito e da justa preocupação com a recuperação
de empresas em dificuldades, e propondo, sempre que houver desvirtuamento da
função social da empresa, medidas que evitem prejuízos à circulação de
riquezas, ao crédito popular, ao pleno emprego e à comunidade.
4. Se razões de ordem pública, como a
coleta de elementos probatórios para a apuração de crimes falimentares, ou
mesmo outros motivos relacionados à relevância da empresa (cuidados com os
créditos dos trabalhadores, tutela do crédito, função social da propriedade dos
bens de produção organizados em empresa) estão a justificar a intervenção do
Ministério Público, de rigor sua atuação.
5. Remessa conhecida e provida
1) Relatório.
Trata-se de recuperação judicial requerida por Agro Plens Comércio de Produtos Agropecuários e Serviços LTDA com fundamento na Lei n. 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade (fls. 03/12).
Consoante decisão de fls. 14/15, deferiu-se o processamento da recuperação judicial, nos termos do art. 52 da legislação acima referida, determinando-se, entre outras providências, a intimação do Ministério Público.
Instado a se manifestar, o DD. Promotor de Justiça oficiante entendeu não haver motivo para intervenção no feito, uma vez que a falência não havia sido decretada (fls. 16/17). Aduziu, por derradeiro: “Assim, deixo de manifestar-me nos presentes autos, entretanto, requeiro a intimação de todos os atos e termos do processo, com o objetivo de aferir possível causa superveniente de intervenção”.
Diante de tal manifestação o DD. Juiz de Direito, discordando de tal entendimento, determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 33/36).
É o relato do essencial.
2) Fundamentação.
A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.
É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.
A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).
Para exercer tais funções na esfera cível, o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).
Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.
Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como na de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.
Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do Código de Processo Civil ou da legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos arts. 127 e 129 da Constituição Federal de 1988, e do art. 82 do Código de Processo Civil.
Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do Ministério Público como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 559).
Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do Ministério Público (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).
Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.
Em outros termos, é necessário indagar quais as reais dimensões da recuperação judicial, a partir da relação jurídica a ela subjacente, e das possibilidades decorrentes das projeções que de algum modo afetem os interesses a cargo da proteção do Ministério Público.
É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).
Pois bem.
No caso em exame, ao remeter os autos à Procuradoria-Geral de Justiça para a análise da recusa de intervenção, o DD. Juízo oficiante assentou:
“Consigne-se ser a atuação do Ministério Público imprescindível ao bom andamento de Processo de Recuperação Judicial, sendo desnecessária a menção de todos os dispositivos legais, que exigem a prévia manifestação do parquet, antes de deliberações sejam elas judiciais ou não, em feitos de tal natureza.
Destaque-se, ainda, o expressivo vulto econômico da ação em tela, que representa o único pedido de tal natureza em trâmite nesta Comarca.
Frise-se, ainda, que o Ato Normativo invocado pelo ilustre representante do Ministério Público é anterior à Lei de Falência, de maneira que não poderia ter sido usado como justificativa para que o órgão ministerial declinasse de sua atuação.
Saliente-se, por fim, que este juízo, os credores, inclusive trabalhistas, a devedora e o administrador judicial encontram-se aguardando providências para que o feito em tela possa, validamente, prosseguir”(fl. 34).
Insta
considerar que a Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, (Lei de Falências e
de Recuperação de Empresas) previa em seu artigo 4º o seguinte: “O
representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação
judicial e de falência”. Por sua vez, o parágrafo único do mesmo dispositivo legal afirmava: “Além
das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público
intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta”.
No
mesmo sentido, a anterior Lei de Falência continha artigo análogo: “O
representante do Ministério Público, além das atribuições expressas na presente
Lei, será ouvido em toda ação proposta pela massa ou contra esta” (art. 210).
Ocorre
que o artigo 4º da nova Lei foi vetado.
Há de se entender as razões do Veto, inclusive para se delimitar com exatidão os contornos da intervenção do Ministério Público nos feitos referentes à falência e à recuperação de empresas. Veja-se o teor de mencionado Veto:
"O
dispositivo reproduz a atual Lei de Falências – Decreto-Lei no 7.661, de 21 de
junho de 1945, que obriga a intervenção do parquet
não apenas no processo falimentar, mas também em todas as ações que
envolvam a massa falida, ainda que irrelevantes, e.g. execuções fiscais, ações
de cobrança, mesmo as de pequeno valor, reclamatórias trabalhistas etc.,
sobrecarregando a instituição e reduzindo sua importância institucional.
Importante
ressaltar que no autógrafo da nova Lei de Falências enviado ao Presidente da
República são previstas hipóteses, absolutamente razoáveis, de intervenção
obrigatória do Ministério Público, além daquelas de natureza penal. Senão,
veja-se:
‘Art.
52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá
o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: (...)
V –
ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às
Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor
tiver estabelecimento.’
‘Art.
99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:
(...)
XIII
– ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às
Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor
tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.’
‘Art.
142 (...)
§ 7o
Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimado
pessoalmente, sob pena de nulidade.’
‘Art.
154. Concluída a realização de todo o ativo, e distribuído o produto entre os
credores, o administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de
30 (trinta) dias. (...)
§ 3o
Decorrido o prazo do aviso e realizadas as diligências necessárias à apuração
dos fatos, o juiz intimará o Ministério Público para manifestar-se no prazo de
5 (cinco) dias, findo o qual o administrador judicial será ouvido se houver
impugnação ou parecer contrário do Ministério Público.’
O
Ministério Público é, portanto, comunicado a respeito dos principais atos
processuais e nestes terá a possibilidade de intervir. Por isso, é estreme de
dúvidas que o representante da instituição poderá requerer, quando de sua
intimação inicial, a intimação dos demais atos do processo, de modo que possa
intervir sempre que entender necessário e cabível. A mesma providência poderá
ser adotada pelo parquet nos
processos em que a massa falida seja parte.
Pode-se
destacar que o Ministério Público é intimado da decretação de falência e do
deferimento do processamento da recuperação judicial, ficando claro que sua atuação
ocorrerá pari passu ao andamento do
feito. Ademais, o projeto de lei não afasta as disposições dos arts. 82 e 83 do
Código de Processo Civil, os quais prevêem a possibilidade de o Ministério
Público intervir em qualquer processo, no qual entenda haver interesse público,
e, neste processo específico, requerer o que entender de direito."
Extrai-se
da mensagem aposta no Veto ao art. 4º da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de
2005, que não seriam afastadas as disposições dos arts. 82 e 83 do Código de
Processo Civil, que garantem a intervenção do Ministério Público em qualquer
processo no qual entenda haver interesse público. Ora, se assim é, está claro
que a nova legislação prevê a intervenção do Ministério Público em diversos
dispositivos (arts. 8º; 19; 22, § 4º; 30, § 2º; 52, V; 59, § 2º; 99, XIII; 104,
VI; 132; 142, § 7º; 143; 154, § 3º e 187), o que não afasta a sua intervenção
nas demais situações, à luz do comando inserto no art. 127 da Constituição
Federal de 1988.
Destarte, nas hipóteses em que a Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não indique expressamente a atuação ministerial, torna-se evidente a necessidade de sua intervenção quando presentes as situações descritas no art. 127 da Constituição Federal de 1988, vale dizer, quando se torne de rigor a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Registre-se, por oportuno, que a Procuradoria-Geral de Justiça editou o Ato n. 070/2005, em decorrência da promulgação da Lei Federal nº 11.101, recomendando a intervenção do Ministério Público; a saber:
“RECOMENDA aos membros do Ministério Público, especialmente àqueles que atuam na área de recuperação judicial e falências, que continuem ou passem a oficiar nos autos dos pedidos de falências, recuperação judicial ou extrajudicial e ações em que sejam partes ou interessadas empresas em recuperação ou falidas, requerendo vista dos autos e intimação para os demais atos do processo ou procedimento, manifestando-se fundamentadamente em defesa do crédito e da justa preocupação com a recuperação de empresas em dificuldades, e propondo, sempre que houver desvirtuamento da função social da empresa, medidas que evitem prejuízos à circulação de riquezas, ao crédito popular, ao pleno emprego e à comunidade”.
Ao comentar a posição do Ministério Público nos feitos atinentes à falência e à recuperação judicial diante da Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, sobretudo no cotejo com a anterior legislação, aduziu Fábio Ulhoa Coelho o seguinte:
“Pela simples comparação dos dois dispositivos (o da lei anterior e o vetado), percebe-se que uma das mais importantes alterações trazidas pela nova Lei de Falências diz respeito ao papel do Ministério Público nos feitos falimentares. Ele não atua mais em toda ação de que seja parte a massa; não mais tem o dever de se pronunciar em qualquer fase do processo. A inexistência, na lei atual, de uma previsão genérica implica que o Ministério Público só terá participação na falência ou recuperação judicial nas hipóteses especificamente apontadas na lei ( por exemplo: arts. 52, V, 99, XIII, 142, §7º., 154,§3º,etc)(Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, Editora Saraiva, 2ª. Edição, p. 29).
Contudo,
com o devido respeito, não nos parece aceitável mencionado entendimento, pois
não se pode, de plano, aduzir que os feitos relativos à falência e à
recuperação de empresas não apresentem cunho social, diante da circunstância de
que os interesses envolvidos sejam exclusivamente patrimoniais, de todo
disponíveis.
Mesmo que fora das hipóteses expressamente contempladas pela Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas para intervenção do Ministério Público, este poderá intervir para defesa da função social da empresa, ou mesmo dos meios de produção ou de proteção dos créditos trabalhistas, exemplificativamente. Colhe-se com segurança que adotar posição diversa violaria o art. 127 da Constituição Federal de 1988.
Rememore-se, por relevante, que o Ato NORMATIVO nº
675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010 (Protocolado nº 60.471/2010),
responsável por aprovar o "Manual de Atuação Funcional dos Promotores de
Justiça do Estado de São Paulo”, quando trata da Promotoria de Justiça de Falência,
reza, em seu art. 242, que, nos pedidos de recuperação judicial, o membro do Ministério
Público deverá, entre outros aspectos: (a) observar se foram preenchidos os requisitos da petição
inicial e se foram cumpridas as
exigências legais
após o
deferimento do processamento da recuperação; (b) atentar que cabe agravo de
instrumento contra decisão que deferir o processamento da recuperação judicial ou da decisão que
concedê-la.
Equivale
a dizer-se: se razões de ordem pública, como a coleta de elementos probatórios
para a apuração de crimes falimentares, ou mesmo outros motivos relacionados à
relevância da empresa (cuidados com os créditos dos trabalhadores, tutela do
crédito, função social da propriedade dos bens de produção organizados em
empresa) justificar a intervenção do Ministério Público, de rigor sua atuação.
E, no caso ora sob análise, a inicial menciona que diversos projetos sociais são desenvolvidos e apoiados pela requerente, como a parceria com a APAE de Itapeva e o Projeto Jovem no Campo, ao passo que o juízo oficiante relatou o “expressivo vulto econômico da ação em tela, que representa o único pedido de tal natureza em trâmite nesta Comarca” (fl.34).
3) Decisão.
Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa para acolhê-la, determinando que ocorra a intervenção ministerial no feito em epígrafe.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
Restituam-se os autos à origem.
São Paulo, 23 de agosto de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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