Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

 

Protocolado MP nº 0114903/12 (autos n. 533.01.2011.003286-5/000000-0000)

Interessado: Juíza de Direito da Comarca de Santa Bárbara D’Oeste

Objeto: Procedimento para alteração do regime de bens – recusa de intervenção ministerial.

 

Ementa:

1. Recusa de intervenção. Procedimento de alteração de regime de bens. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, recusa-se a intervir.

2. A racionalização somente será possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet. Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

3. Presença de fundamento da intervenção. Situação mencionada expressamente pelo Ato Nº 313/03 - PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003, no art. 3ª, VI: procedimento de jurisdição voluntária que envolve matéria alusiva aos registros públicos.

4. Dirimida a questão, determinando-se a intervenção do Ministério Público, com designação de outro membro da instituição para prosseguir no feito.

 

1) Relatório

Trata o feito de procedimento de jurisdição voluntária em que Antônio Carlos de Oliveira e Sueli Aparecida Moraes pretendem a alteração de regime de bens.

Foi determinada a abertura de vista ao órgão do Ministério Público, sendo certo que a DD. Promotora de Justiça de Santa Bárbara D’Oeste lançou manifestação afirmando, em síntese, inexistir interesse que justifique a intervenção ministerial no feito (fls. 49/50).

Diante de tal manifestação, a DD. Juíza de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, aduzindo que no caso em discussão a intervenção do Ministério Público é necessária, na qualidade de fiscal da regularidade dos registros públicos (fls. 52).

 É o relato do essencial.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

No caso em exame, o que se tem é procedimento em que partes maiores e capazes, sem filhos, buscam a alteração do regime de bens do casamento. Definidos os contornos do feito, deve-se ter presente que é sempre a partir da pretensão deduzida pelo autor que se pode extrair, em cada caso concreto, a existência ou não de fundamento para a intervenção ministerial. Esse é o correto entendimento da disposição legal que prevê a obrigatoriedade da atuação do parquet nos casos em que haja “interesse público evidenciado pela natureza da lide” (art. 82, III, do CPC).

A esse propósito, anota Antônio Cláudio da Costa Machado que “a natureza da lide que evidencia o interesse público é o atributo de indisponibilidade que o ordenamento positivo haja outorgado à relação jurídica em torno da qual tenha surgido o litígio ou lide, e que tenha sido deduzida em juízo” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 347).

Ao vincular a atuação do custos legis ao interesse público decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a identificação da hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do objeto litigioso do processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão deduzida em juízo, ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de mérito no processo civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, São Paulo, RT, 1986, p. 182/220; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol.1, 10. ed., São Paulo, RT, 2006, p. 424/425; Sydney Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, Ajuris 16 [1979]).

No caso em exame, nada obstante as respeitáveis ponderações formuladas pela DD. Promotora de Justiça de Santa Bárbara D’Oeste, mostra-se apropriado o posicionamento adotado pela DD. Juíza de Direito de Santa Bárbara D’Oeste. Com efeito, o interesse jurídico subjacente revela hipótese que guarda relação com o novo perfil constitucional do Ministério Público, a exigir sua intervenção no feito.

Importante registrar o que estabelece, sobre a questão, o art. 3º do Ato Nº 313/03 - PGJ-CGMP, de 24 de junho de 2003, que dispõe sobre a racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil:

“Art. 3º - Perfeitamente identificado o objeto da causa e respeitado o princípio da independência funcional, fica facultada a intervenção ministerial nas seguintes hipóteses:

I - Separação judicial e divórcio, onde não houver interesse de incapazes;

II - Ação declaratória de união estável e respectiva partilha de bens;

III - Ação ordinária de partilha de bens, envolvendo casal sem filhos menores ou incapazes;

IV - Ação de alimentos e revisional de alimentos, bem como aIV - Ação de alimentos e revisional de alimentos, bem como ação executiva de alimentos fundada no artigo 732 do CPC, entre partes capazes;

V- ação relativa às disposições de última vontade, sem interesse de incapazes, excetuados a aprovação, o registro e a anulação do testamento ou a que envolver reconhecimento de paternidade, legado de alimentos ou nas quais figurem como beneficiárias entidades fundacionais" [Redação dada pelo Ato Normativo nº 541/2008-PGJ-CGMP-CPJ, de 10 de junho de 2008]

VI - Procedimento de jurisdição voluntária em que inexistir interesse de incapazes ou não envolver matéria alusiva aos registros públicos;

VII - (revogado pelo Ato Normativo nº 505/2007-PGJ-CGMP, de 29 de maio de 2007)

VIII - Requerimento de falência, na fase pré-falimentar;

IX - Ação individual em que seja parte sociedade em liquidação extrajudicial;

X - Ação de desapropriação, direta ou indireta, entre partes capazes, desde que não envolvam terras rurais objeto de litígios possessórios ou que encerrem fins de reforma agrária (art. 18, §2°, da L.C. 76/93);

XI – ação individual em que for parte a fazenda ou o poder público (estado, município, autarquia ou empresa pública), com interesse meramente patrimonial, disponível e sem implicações de ordem constitucional, a exemplo da execução fiscal e respectivos embargos, anulatória de débito fiscal, declaratória em matéria fiscal, repetição de indébito, consignação em pagamento, possessória, ordinária de cobrança, indenizatória, embargos de terceiro, despejo, ações cautelares e impugnação do valor da causa; [ Redação dada pelo Ato Normativo nº 499/2007-PGJ-CGMP-CPJ, de 20 de março de 2007]

XII - a ação acidentária ou a ação revisional do valor do benefício e respectivas execuções, propostas por advogado regularmente constituído ou nomeado, salvo nos casos em que o beneficiário seja incapaz ou idoso em condições de risco. [inciso acrescentado pelo Ato Normativo nº 387/2004-PGJ-CGMP-CPJ, de 21 de dezembro de 2004]

XIII – ação que, em seu curso, cessar a causa da intervenção. [inciso acrescentado pelo Ato Normativo nº 499/2007-PGJ-CGMP-CPJ, de 20 de março de 2007]

Parágrafo único. O disposto no inciso VI deste artigo não se aplica nos casos de herança jacente e herança vacante, de bens dos ausentes e de coisas vagas”. [parágrafo único acrescentado pelo Ato Normativo nº 696/2011-PGJ-CGMP]

Com efeito, o art. 3º, VI, do mencionado Ato, faculta a intervenção ministerial em procedimentos de jurisdição voluntária, mas contém importante ressalva em relação aos procedimentos que envolvem matéria alusiva aos registros públicos.

Portanto, o Ato N. 313/03, expressamente, não dispensa a intervenção quando está envolvida questão afeta aos registros públicos. E o caso ora em análise envolve registros públicos.

3) Decisão.

Diante do exposto, e por analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, e acolho as ponderações formuladas pela d. Magistrada, determinando a intervenção ministerial no procedimento em epígrafe.

Providencie-se designação de outro membro do Ministério Público para prosseguir nos autos e apresentar as manifestações cabíveis, caso ainda atue no referido cargo o membro da instituição que se negou, inicialmente, a oficiar.

Publique-se a ementa no Diário Oficial, na parte reservada ao Ministério Público, para conhecimento. Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

Providencie-se a devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.

São Paulo, 15 de agosto de 2012.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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