Art. 28 – Cível

 

Protocolo MP nº 12.495/2014 (Ref. Processo nº 0000564-39.2014.8.26.0664)

Interessado: Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Votuporanga

Objeto: Ação Declaratória de Nulidade de atos praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito e pela Câmara Municipal

 

 

 

Ementa:

1)   Ação declaratória de nulidade. Impugnação de atos praticados por Comissão Parlamentar de Inquérito e pela Câmara Municipal. Recusa de intervenção.

2)   Ação que aponta possíveis atos ilegais praticados por agentes políticos e que pede a declaração de nulidade dos referidos atos. Existência, em tese, de interesse na intervenção do Ministério Público, haja vista a situação subjacente indicar possibilidade, ao menos em tese, de risco para interesses metaindividuais relacionados à boa gestão pública.

3)   Remessa conhecida e provida para determinar a intervenção ministerial no feito, com designação de outro membro da instituição para prosseguir no feito.

 

1) Relatório

Trata o feito de ação declaratória de nulidade ajuizada por vereador em face da Câmara Municipal de Parisi e da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Pleiteia o autor que seja a ação julgada procedente para declarar a nulidade de processo elaborado pela Comissão Parlamentar de Inquérito e da sessão extraordinária realizada no dia 29 de novembro de 2013, que deliberou sobre o relatório final da Comissão.

O autor da ação alega que denunciou vários atos que seriam irregulares e que teriam sido praticados por agentes públicos. Como consequência, foi instaurada uma CPI para investigar como o autor da presente ação teve acesso a determinadas informações. Alega o autor, então, que há uma série de irregularidades, especificadas na inicial, que demonstram a nulidade dos atos praticados pela CPI.

Foi determinada a abertura de vista ao órgão do Ministério Público, sendo certo que o DD. Promotor de Justiça oficiante lançou manifestação afirmando, em síntese, inexistir interesse que justifique a intervenção ministerial no feito (fls. 271/272).

Diante de tal manifestação, o DD. Juiz de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, aduzindo que há necessidade de intervenção do MP (fl. 273).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta que a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos arts. 127 e 129, da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, poder familiar, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

Em outros termos, é necessário indagar quais as reais dimensões da ação, a partir da relação jurídica a ela subjacente, e das possibilidades decorrentes das projeções que de algum modo afetem os interesses a cargo da proteção do MP.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

No caso em exame, o que se tem é a dedução, pelo autor, de pretensão que não é exclusivamente individual, pois se refere à higidez de importantíssimos atos praticados por agentes políticos. Ou seja, há a alegação de que atos praticados por agentes políticos seriam ilegais e abusivos, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público.

De outro lado, a racionalização da intervenção do Ministério Público em determinados processos é possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet (art. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC).

Daí a existência de regulamentação interna quanto à racionalização da atuação do Ministério Público, como custos legis, no processo civil, nos termos de Atos Normativos editados pela Procuradoria-Geral de Justiça.

Esse é o correto entendimento da disposição legal que prevê a obrigatoriedade da atuação do parquet nos casos em que haja “interesse público evidenciado pela natureza da lide” (art. 82, III do CPC).

Ao vincular a atuação do custos legis ao interesse público decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a identificação da hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do objeto litigioso do processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão deduzida em juízo, ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de mérito no processo civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, São Paulo, RT, 1986, p. 182/220; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol.1, 10. ed., São Paulo, RT, 2006, p. 424/425; Sydney Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, Ajuris 16 [1979]).

Assim, o questionamento sobre a regularidade do procedimento investigatório indica a necessidade de intervenção do MP para zelar pelo interesse na boa gestão pública, velando pelos princípios constitucionais da Administração Pública.

Aliás, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição Federal, o Ministério Público é destinatário obrigatório das conclusões das Comissões Parlamentares de Inquérito, o que evidencia, de plano, a existência de interesse público:

“§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”

Também evidenciando a existência de interesse público no caso de atos praticados por Comissões Parlamentares de Inquérito, dispõe a Lei nº 10.001, de 04 de setembro de 2000, sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público a respeito das conclusões das comissões parlamentares de inquérito.

Assim estabelece o mencionado diploma normativo:

“Art. 1º. Os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito respectiva, e a resolução que o aprovar, aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou ainda às autoridades administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência.

Art. 2º. A autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao remetente, no prazo de trinta dias, as providências adotadas ou a justificativa pela omissão.

Parágrafo único. A autoridade que presidir processo ou procedimento, administrativo ou judicial, instaurado em decorrência de conclusões de Comissão Parlamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra, até a sua conclusão.

Art. 3º. O processo ou procedimento referido no art. 2º. terá prioridade sobre qualquer outro, exceto sobre aquele relativo a pedido de habeas corpus, habeas data e mandado de segurança.

Art. 4º. O descumprimento das normas desta Lei sujeita a autoridade a sanções administrativas, civis e penais.

Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

3) Decisão

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa para acolhê-la, determinando que ocorra a intervenção ministerial no feito em epígrafe, com designação de outro membro da instituição para prosseguir no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

Restituam-se os autos à origem.

São Paulo, 27 de janeiro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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