Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

 

Protocolado MP n. 123.502/12 (Autos n. 286.01.2007.013503-6)

Interessado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Itu

Objeto: Ação de usucapião.

 

Ementa:

1.   Recusa de intervenção. Ação de usucapião. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, se recusa a intervir.

2.   Pretensão deduzida em juízo de natureza exclusivamente individual. Afirmação do Magistrado de que a situação noticiada exige a intervenção do Ministério Público, por se tratar de área referente a lote de empreendimento clandestino, objeto de ação civil pública para fins de regularização.

3.   Inteligência do Ato Normativo n. 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002, que estabelece normas de racionalização de serviço no que tange à intervenção do Ministério Público, como fiscal da lei, no processo civil, em ações de usucapião individual de imóveis urbanos ou rurais.

4.   Remessa conhecida e provida.

 

 

 

 

 

1) Relatório.

Trata o feito de ação de usucapião proposta por Gilberto de Paula e Inai Neves de Paula, em face do Espólio de Arion Bueno de Oliveira.

No curso do procedimento, o Ilustre Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo com atuação na Promotoria de Justiça de Itu, reiterando manifestações anteriores declinou de intervir no feito, por entender que a demanda consiste em ação individual de usucapião, a qual não contempla situação de parcelamento ilegal do solo, de interesse de incapazes ou mesmo de risco de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis.

O MM. Juiz de Direito determinou, então, a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do CPP, salientando, no despacho de fls. 295, que:

“(...)

A resposta ao terceiro quesito do juízo constante do laudo (fls. 251) evidencia que a área que se pretende usucapir está inserida noutra maior, alvo de Ação Civil Pública nº 869/08. Nesta ação, o Ministério Público, atuando como autor, postula a condenação dos réus a regularizar o loteamento, ou, não sendo isso possível, a restituir a gleba ao estado anterior à fragmentação, com indenização dos prejuízos disso decorrentes aos adquirentes dos lotes. Posto isso, parece evidente a este magistrado que o resultado deste processo poderá afetar, em parte, o julgamento da Ação Civil Pública citada, na medida em que, se reconhecido o direito do autor, o registro do mandado de inscrição da sentença declaratória de usucapião saneará, no tocante à área menor que se pretende usucapir, a suposta irregularidade do loteamento de solo discutida naqueles autos. Daí a razão pela qual tenho insistido na necessidade de intervenção ministerial, por conta da conexão ou continência existente entre as demandas.

(...)”

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta, bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem coletiva em sentido amplo.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva contemporânea, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade, e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão da atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.  É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

Remarque-se, por oportuno, que o Ato Normativo n. 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002, estabelece normas de racionalização de serviço no que tange à intervenção do Ministério Público, como fiscal da lei, no processo civil, em ações de usucapião individual de imóveis urbanos ou rurais. Assenta mencionado Ato Normativo:

“Art. 1º. Atuando como fiscal da lei (custos legis), o Promotor de Justiça poderá deixar de se manifestar nas ações individuais de usucapião de imóvel.
§ 1º. O disposto no caput deste artigo não se aplica às hipóteses de ações que envolvam parcelamento ilegal do solo para fins urbanos ou rurais, bem como àquelas em que haja interesse de incapazes (art. 82, I, do Código de Processo Civil) ou em que se vislumbre risco, ainda que potencial, de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 2º. Ao examinar os autos e entender que deva proceder conforme o disposto no caput deste artigo, o Promotor de Justiça consignará que deixa de intervir por não vislumbrar, até então, qualquer hipótese que justifique a atuação fiscalizatória protetiva do órgão do Ministério Público.
§ 3º. O exame mencionado no § 2º deste artigo deverá ser renovado em toda vista dos autos, podendo ser realizado a qualquer momento.
Art. 2º. Este ato normativo entrará em vigor na data de sua publicação”.

No caso em exame, em que pesem as respeitáveis ponderações formuladas pelos membros do Ministério Público que oficiaram no feito, a situação de fato só restou efetivamente esclarecida com o laudo pericial juntado aos autos, indicando que a área que se pretende usucapir faz parte de outra maior, que é objeto de Ação Civil Pública proposta pelo MP, precisamente em função da prática conhecida como loteamento ou desmembramento irregular ou clandestino.

Por tal razão, nos termos do Ato Normativo n. 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002, tratando-se de situação que envolve parcelamento ilegal do solo, e havendo risco, ainda que potencial, de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis, torna-se indispensável a intervenção ministerial no feito.

3) Decisão.

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa e acolho as ponderações formuladas pelo Magistrado, declarando ser necessária a intervenção do Ministério Público no feito referido nesta decisão.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.  Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 23 de agosto de 2012.

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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