Art. 28 - Cível
Protocolado
nº 127.206/13
Processo
nº 0003864-98.2003.8.26.0565 (nº de ordem 1.679/2003)
Ação
de ressarcimento ao erário
Autor:
Fundação Municipal Anne Sullivan
Réus:
Márcia Gallo e Honório do Carmo Neto
Ementa:
1. Art. 28 - Cível. Ação de ressarcimento ao erário público. Negativa de intervenção do Ministério Público como custos legis. Remessa pelo magistrado para reexame.
2. A
ação de ressarcimento ao erário. CF, arts. 37, §§ 4º e 5º e 129, III. Lei n.
8.429/92, arts. 5º e 17, §§ 2º e 4º. Súmula n. 329 do STJ. Interesse na
intervenção do Ministério Público. A racionalização somente será possível
quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não
revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet. Presença de fundamentos para a intervenção. Presença
de interesse público.
3.
Dirimida a questão, determinando-se a intervenção do Ministério Público.
1) Relatório
Segundo noticiam as
peças de informações encaminhadas à Procuradoria-Geral de Justiça pela
Excelentíssima Magistrada da 1ª Vara Cível da Comarca de São Caetano do Sul,
extraídas do Processo nº 0003864-98.2003.8.26.0565, houve recusa de intervenção
do Ministério Público no mencionado feito, embora se trate de demanda que
tutela o patrimônio público (fl. 84 dos autos judiciais).
Segundo se constata, trata-se
de ação de ressarcimento ao erário público, movida pela Fundação Municipal Anne
Sullivan em face de Márcia Gallo e Honório do Carmo Neto, tendo em vista documentos
noticiando a rejeição das contas por parte do Egrégio Tribunal de Contas do
Estado de São Paulo.
Os réus da ação de
ressarcimento ao erário exerciam os cargos de presidente e diretor técnico da
fundação-autora.
A recusa de intervenção
se deu pelo 4º Promotor de Justiça, que tem atribuições para oficiar em “todos
os feitos judiciais cíveis da 1ª Vara Cível”, que, inclusive, manifestou-se
pela provocação da Procuradoria-Geral de Justiça, com fundamento na aplicação
analógica do art. 28 do CPP (fl. 85 dos autos judiciais).
A nobre Magistrada, ao vislumbrar
interesse público, determinou a expedição de ofício à Procuradoria-Geral de
Justiça (fl. 86 dos autos judiciais).
É o relato do essencial.
2)
Fundamentação
É pacífico o
entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério
Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo
Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo
Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli (Manual
do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 537) e Emerson
Garcia (Ministério Público, 2ª ed.,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 73).
De fato, com a devida
vênia ao entendimento apresentado pelo nobre Promotor de Justiça que lançou
anteriormente manifestação nos autos, justifica-se a intervenção do Ministério
Público, na condição de fiscal da lei, neste feito.
É da Constituição
Federal que decorre a delimitação precisa dos parâmetros da atuação do parquet, na medida do que contém o art. 127
e o art. 129 da Carta. Estes qualificam a instituição como permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem
jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, bem como dos interesses difusos e coletivos.
Antes mesmo da promulgação
da Constituição, em 1988, o Código de Processo Civil, editado em 1973, já
prenunciava esse novo papel ministerial, ao definir, no art. 82, a cláusula
geral para a intervenção do Ministério Público na condição de fiscal da lei. E
a redação do referido artigo, com a pequena modificação que lhe foi operada
posteriormente, identifica como fundamentos para a intervenção:
(a) a existência de interesses de incapazes;
(b) tratar-se de causas concernentes ao estado
da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de
ausência e disposições de última vontade;
(c) ações que envolvam
litígios coletivos pela posse da terra rural, e nas demais causas em que há
interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
Em outros termos, não há
dúvida no sentido de que, em última análise, em conformidade com a perspectiva
constitucional do novo perfil atribuído ao Ministério Público, o que legitima
sua intervenção na qualidade de custos
legis é o interesse público e social evidenciado seja pela natureza da
causa, seja pela qualidade das partes.
Nesse sentido, por
exemplo, é o posicionamento de Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a
decisão no sentido da intervenção ou não está diretamente associada ao
interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991,
p.214/215).
Do mesmo sentir é
Antônio Cláudio da Costa Machado, ao tratar da atuação do fiscal da lei,
aduzindo que “é longe da incômoda posição
de parte parcial que melhor pode o Ministério Público cumprir o desiderato de
responsável, perante o Judiciário, pela ‘defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assim como
previsto pelo caput do art.127 da Constituição Federal de
Pois bem. É necessário
realizar a leitura contemporânea de dispositivos da legislação extravagante que
prevêem a intervenção do Ministério Público na condição de custos legis. Deve-se levar em conta tanto o perfil constitucional
moderno da instituição, como o próprio art. 82 do CPC, que, no plano
infraconstitucional, especifica e concretiza a regra geral que delimita os
interesses que legitimam referida atuação.
Essa diretriz decorre,
ademais, do relevante papel que vem sendo atribuído ao parquet, tanto pela Constituição Federal, como pelas normas
infraconstitucionais, na defesa dos interesses supra-individuais: em uma
sociedade de massa, em que os conflitos intersubjetivos se coletivizam, nada
mais adequado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação
tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza
coletiva. Sua atuação tradicional como custos
legis nos processos de natureza individual deve ser reservada apenas aos
casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.
Em outras palavras, para
verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não
basta que o CPC ou a legislação especial determine a intervenção: é
indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes
interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos arts. 127 e 129 da CR/88 e
do art. 82 do CPC.
Esta vem sendo a
interpretação conferida no Ministério Público de São Paulo à sua atuação como
fiscal da lei, em hipóteses tradicionais de intervenção, diante do novo papel
que lhe foi atribuído.
A propósito, a própria
Administração Superior vem acolhendo e regulamentando tal pensamento, coerente
com o cumprimento das relevantes missões modernas da instituição, como se
infere dos vários atos normativos que têm contemplado a racionalização da
intervenção ministerial no processo civil (v.g.
Ato nº286-PGJ/CGMP/CPJ, de 22 de julho de 2002; Ato nº289-PGJ/CGMP/CPJ, de
30 de agosto de 2002; Ato nº 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002; Ato
nº 313-PGJ/CGMP, de 24 de junho de 2003; Ato nº 536/2008-PGJ/CGMP, de 07 de
maio de 2008).
Tornemos então ao caso
em exame.
Bem apontou a i.
Magistrada, na deliberação em que determinou a remessa dos autos à
Procuradoria-Geral de Justiça, “é obrigatória a intervenção do Ministério
Público na proteção do patrimônio público, sendo fiscal da lei na ação que não
tenha sido por ele ajuizada, podendo requerer provas, diligências, recorrer com
benefício de prazo e exercer todos os poderes que compete às partes, visando,
assim como o autor, à apuração de responsabilidade pro fatos que configuram, em
tese, atos de improbidade administrativa (arts. 1º e 5º, § 1º, da Lei nº
7.347/85, art. 91 CE, art. 25, V, da Lei nº 8.625/93 e arts. 3º, 7º e 17, § 5º, da Lei nº 8.429/92)” (fl. 84
dos autos judiciais).
De fato, a intervenção
do Ministério Público se impõe no caso em tela.
Sem prejuízo de outras normas,
a intervenção, diante do interesse público evidenciado no caso presente, tem
por fundamento o disposto no art. 129, III, da CF, bem como o disposto nos arts.
5º e 17, §§ 2º e 4º, da Lei n. 8.429/92. Além disso, a Súmula n. 329 do STJ
reconhece a legitimidade do MP, inclusive para ser autor da ação de
ressarcimento ao erário: “O Ministério Público tem legitimidade para propor
ação civil pública em defesa do patrimônio público”.
A ação de ressarcimento
ao erário tem fundamento nos §§ 4º e 5º da Constituição Federal e, se não
bastasse, no art. 5º da Lei n. 8.429/92, independentemente da apuração do ato
de improbidade administrativa: “Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação
ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral
ressarcimento do dano”.
A ação movida pela
autora também encontra fundamento no § 2º do art. 17 da Lei n. 8.429/92: “A
Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à
complementação do ressarcimento do patrimônio público”. E o § 4º do mesmo dispositivo
legal acrescenta: “O Ministério Público, se não intervir no processo como
parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade”.
A ação de ressarcimento
ao erário, portanto, também é de extração constitucional, e tem por finalidade a
integral reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados ao
patrimônio público (material e imaterial, nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei
n. 4.717/65).
No caso em exame, portanto,
é necessária a intervenção do Ministério Público.
3) Decisão
Diante do exposto, e
opor analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da
remessa, e acolho as ponderações formuladas pela d. Magistrada, determinando a
intervenção ministerial no feito em epígrafe.
Publique-se a ementa no
Diário Oficial, na parte reservada ao Ministério Público, para conhecimento.
Providencie-se a comunicação
ao juízo de origem, com a expedição de ofício e a remessa de cópia da presente
decisão.
Após, arquive-se o
presente protocolado, com as cautelas de estilo.
São
Paulo, 11 de setembro de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
md