Recusa de Intervenção

 

Protocolado n. 150.928/14

Processo n. 0004210-53.1997.8.26.0664 - 1ª Vara de Votuporanga

Interessados: Juiz de Direito da 1ª Vara de Votuporanga e 1º Promotor de Justiça de Votuporanga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: Recusa de Intervenção. Separação Conjugal. Execução. Alimentos. Partes maiores e capazes. Pretensão de companheira concorrente à ex-mulher relativamente a benefícios previdenciários em razão do óbito do devedor de alimentos. Caráter facultativo da intervenção do Ministério Público. Remessa conhecida e não provida. 1. Não há interesse público a justificar a intervenção do Ministério Público em incidente posterior à dissolução de sociedade conjugal entre partes maiores e capazes se a discussão não se refere à questão de estado ou a interesse de incapazes e se resume à questão patrimonial acerca da proporção do compartilhamento de benefícios previdenciários entre ex-mulher e credora de alimentos em concurso com companheira do de cujus. 2. Inexistência de elementos conducentes à prestação de contas de curatela. 3. Facultatividade da intervenção ministerial. 4. Manutenção do entendimento do membro do Ministério Público. 5. Remessa não provida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                Homologada separação conjugal consensual de Salim José Homsi e Urbirani Maia Homsi com previsão de alimentos de 35% incidentes sobre salário e complementação de aposentadoria do varão, mediante desconto em folha, por respeitável sentença emitida em 24 de fevereiro de 1997 (fls. 06, 47), com ofício expedido à PREVI – Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (fl. 67), Claudete Maria Covacic ingressou nos autos, mediante petição protocolizada em 30 de junho de 2014, assinalando que era companheira do varão que faleceu em 07 de outubro de 2013, e foi surpreendida pelo desconto promovido pela entidade previdenciária de 50% do salário de complementação e da pensão previdenciária, requerendo a redução do desconto à alíquota anterior sem incidência sobre o benefício previdenciário e restituição de valores a maior (fls. 76/78).

                Aberta vista ao Ministério Público, o digno Promotor de Justiça oficiante, Doutor João Alberto Pereira, externou que abdicava a intervenção no processo em razão de constituir-se “ação de natureza patrimonial, entre partes maiores e capazes” (fl. 93).

                Após manifestação da ex-mulher refutando o pedido (fls. 95/97), o ilustre 1º Promotor de Justiça de Votuporanga, Doutor Marcus Vinícius Seabra, reiterou a promoção precedente (fl. 99), dela discordando o digno Juiz de Direito, Doutor Jorge Canil, assinalando que “a questão patrimonial é secundária” e que “a discussão principal envolve contas que a curadora deve ao juízo”, remetendo os autos à Procuradoria-Geral de Justiça para o exame da declinação de atribuição.

                É a breve sinopse.

                Pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal, como explica a literatura (Hugo Nigro Mazzilli. Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia. Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 73). Embora os membros do Ministério Público gozem da independência funcional - que lhes isenta de qualquer injunção quanto ao conteúdo de suas manifestações - são administrativamente vinculados aos órgãos superiores que, no plano estritamente administrativo, possuem, em relação àqueles, poderes que caracterizam a Administração Pública como o hierárquico, disciplinar, normativo etc.

                O reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações processuais; mas, pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa atuação. Em outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer em princípio como deve o membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o membro que o fará, diante de situações de incerteza concretamente configurada quanto às atribuições dos órgãos ministeriais de execução envolvidos, ou mesmo diante da recusa de atuação – possibilidade que se embasa na aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal.

                Volvendo ao caso posto sob apreciação, a racionalização da intervenção do Ministério Público no processo civil tem a ver com a otimização da prestação jurisdicional sem implicar renúncia de atribuições conferidas por lei.

                É certo que na ruptura da sociedade conjugal há interesse público a justificá-la em razão da natureza da lide porque se refere à questão de estado, nos termos do art. 82, III, do Código de Processo Civil, não se verificando, in casu, as hipóteses dos incisos I e II desse preceito.

                Todavia, a intervenção ministerial obrigatória em processos dessa natureza resume-se à questão principal, sendo facultativa em fase posterior de execução de sentença quando se discutem questões patrimoniais entre partes maiores e capazes.

                 Compulsando os autos não se vislumbra embasamento para a premissa – correta, em tese – afirmada pelo digno Magistrado de que “a discussão principal envolve contas que a curadora deve ao juízo” (fl. 99). Com efeito, não há, por ora, indicação de interdição ou curatela, situações em que há compulsória intervenção do Parquet, mas discussão de natureza patrimonial sobre a proporção do compartilhamento de benefícios previdenciários devidos à ex-mulher e credora de alimentos em concurso com a companheira do de cujus.

                Face ao exposto, conheço da presente remessa e a desprovejo mantendo o entendimento adotado pelo douto Promotor de Justiça, determinando a restituição dos autos ao eminente Juiz de Direito da 1ª Vara de Votuporanga.

                Publique-se a ementa. Comunique-se o douto 1º Promotor de Justiça de Votuporanga. Registre-se. Restituam-se os autos, com as cautelas de estilo.

                Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

                São Paulo, 14 de outubro de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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