Art. 28 – Cível

 

 

 

Protocolado MP nº 20341/2016 (processo n. 1003972-89.2015.8.26.0533)

Interessado: Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Santa Bárbara D’Oeste

Objeto: Mandado de Segurança – recusa de intervenção ministerial

 

 

 

Ementa:

Mandado de Segurança. Recusa de intervenção. O mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público. A racionalização em processo de mandado de segurança, todavia, é possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o perfil constitucional do parquet. A intervenção do Ministério Público deve ser interpretada à luz de seu perfil constitucional (arts. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC). Identificação dos casos de intervenção do MP em função do “interesse público” evidenciado pela “natureza da lide”. Hipótese de atuação que deve decorrer da pretensão deduzida em juízo, que se configura com o pedido, ilustrado pela causa de pedir. Relação jurídica subjacente. Impetração que discute direito individual. Remessa conhecida e não provida.

 

1)  Relatório

Trata o feito de Mandado de Segurança impetrado por Ligia Regina de Moraes Gonzáles contra suposto ato coator do Diretor Geral de Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo, objetivando a concessão de segurança para que se permita licenciamento de veículo automotor.

Remetidos os autos ao Ministério Público, o DD. Promotor de Justiça oficiante declinou de oficiar no feito, averbando que se trata de caso em que as partes são maiores e capazes, cuidando-se de disputa sobre direitos disponíveis.

Diante de tal manifestação, a DD. Juíza de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, aduzindo que há necessidade de intervenção do MP.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender adequadamente a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

Em outros termos, é necessário indagar quais as reais dimensões da ação mandamental, a partir da relação jurídica a ela subjacente, e das possibilidades decorrentes das projeções que de algum modo afetem os interesses a cargo da proteção do MP.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

O mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público.

Todavia, a racionalização em processo de mandado de segurança é possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet (art. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC).

A pretensão deduzida - concessão de segurança para que se permita licenciamento de veículo automotor-, de cunho individual, é de natureza absolutamente disponível.

Assim, nada obstante as respeitáveis ponderações formuladas pela DD. Juíza de Direito, foi adequado o posicionamento adotado pela DD. Promotor de Justiça da Comarca.

3)  Decisão

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, mas deixo de acolher as ponderações formuladas pela Magistrada, declarando não ser necessária a intervenção do Ministério Público no feito referido nesta decisão.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

 

São Paulo, 25 de fevereiro de 2016.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça