Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

Protocolado MP n. 0027631/12 (Apelação Cível n. 666.117.4/6-00)

Interessado: 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: ação de usucapião.

 

Ementa:

1.   Recusa de intervenção. Ação de usucapião. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, se recusa a intervir.

2.   Pretensão deduzida em juízo de natureza exclusivamente individual. Afirmação do Magistrado de que a situação noticiada exige a intervenção do Ministério Público.

3.   Inteligência do Ato Normativo n. 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002 (Pt. n. 37.534/02), o qual estabelece normas de racionalização de serviço no que tange à intervenção do Ministério Público, como fiscal da lei, no processo civil, em ações de usucapião individual de imóveis urbanos ou rurais. Inexistência, no caso, de situações que envolvam parcelamento ilegal do solo para fins urbanos ou rurais, de interesse de incapazes (art. 82, I, do Código de Processo Civil) ou de risco, ainda que potencial, de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis.

4.   Remessa conhecida e não provida.

 

 

1) Relatório.

Trata o feito de ação de usucapião extraordinário proposta por Edison Pereira e Rosimeire Aparecida Banin Pereira.

No curso do procedimento, o Ilustre Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, com atuação na Promotoria de Justiça de Registros Públicos, declinou de intervir no feito, por entender que a demanda consiste em ação individual de usucapião, a qual não contempla situação de parcelamento ilegal do solo, de interesse de incapazes ou mesmo de risco de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis (fls. 353).

No mesmo sentido, em segunda instância, o Douto Procurador de Justiça oficiante deixou de ofertar manifestação, à medida que o litígio em análise discute direitos de notória disponibilidade (fls. 583).

Diante de tal manifestação, o Ilustre Desembargador Relator, Dr. Paulo Eduardo Razuk, evocou o art. 944 do Código de Processo Civil, segundo o qual o Ministério Público intervirá em todos os atos do processo de usucapião. Ademais, assentou que o direito objeto da demanda não é disponível, na medida em que versa sobre bem público inalienável (fls. 585).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta, bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supra-individual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta que a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade, e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.  É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

Remarque-se, por oportuno, que o Ato Normativo n. 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002 (Pt. n. 37.534/02), estabelece normas de racionalização de serviço no que tange à intervenção do Ministério Público, como fiscal da lei, no processo civil, em ações de usucapião individual de imóveis urbanos ou rurais; com efeito, assenta mencionado Ato Normativo:

“Art. 1º. Atuando como fiscal da lei (custos legis), o Promotor de Justiça poderá deixar de se manifestar nas ações individuais de usucapião de imóvel.
§ 1º. O disposto no caput deste artigo não se aplica às hipóteses de ações que envolvam parcelamento ilegal do solo para fins urbanos ou rurais, bem como àquelas em que haja interesse de incapazes (art. 82, I, do Código de Processo Civil) ou em que se vislumbre risco, ainda que potencial, de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 2º. Ao examinar os autos e entender que deva proceder conforme o disposto no caput deste artigo, o Promotor de Justiça consignará que deixa de intervir por não vislumbrar, até então, qualquer hipótese que justifique a atuação fiscalizatória protetiva do órgão do Ministério Público.
§ 3º. O exame mencionado no § 2º deste artigo deverá ser renovado em toda vista dos autos, podendo ser realizado a qualquer momento.
Art. 2º. Este ato normativo entrará em vigor na data de sua publicação”.

No caso em exame, nada obstante as respeitáveis ponderações formuladas pelo zeloso e diligente Desembargador Paulo Eduardo Razuk, insista-se que foi adequado o posicionamento adotado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em primeira e segunda instâncias, pois secundado no Ato Normativo n. 295-PGJ/CGMP/CPJ, de 12 de novembro de 2002 (Pt. n. 37.534/02). Com efeito, não estão presentes situações que envolvam parcelamento ilegal do solo para fins urbanos ou rurais, interesse de incapazes (art. 82, I, do Código de Processo Civil) ou risco, ainda que potencial, de lesão a interesses sociais e individuais indisponíveis. A existência, por si só, de bens públicos, não é suficiente para justificar a intervenção do Ministério Público.

3) Decisão.

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa, mas deixo de acolher as ponderações formuladas pelo Magistrado, declarando não ser necessária a intervenção do Ministério Público no feito referido nesta decisão.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.  Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 05 de março de 2012.

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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