Art. 28 – Cível

 

Protocolo MP nº 38.428/2016

(Autos nº 1003520-12.2015.8.26.0038)

Interessado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Araras

Objeto: Ação de concessão de benefício previdenciário

 

Ementa:

1)      Ação individual para obtenção de benefício previdenciário a idoso, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (art. 20 da Lei 8.742/93). Recusa de intervenção.

2)      A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88). Para exercer tais funções na esfera cível, o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta, bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

3)      Intervenção ministerial por se tratar de situação envolvendo direito fundamental do idoso, que deve ser compreendida como situação de risco (art. 74, II da Lei 10.741/2003) à luz das peculiaridades do caso concreto.

4)      Remessa conhecida e provida.

1)  Relatório

 

Tratam estes autos de ação de percepção de benefício e amparo social proposta em face do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS.

A autora da demanda alega possuir 76 anos de idade e conviver com seu esposo, de 87 anos, doente e acamado, além de criar quatro netos entre 5 e 13 anos de idade, com renda familiar de apenas R$ 788,00.

Encaminhados os autos ao Ministério Público, sobreveio a manifestação segundo a qual não há fundamento para a intervenção ministerial.

O julgador de Primeira Instância discordou da recusa de intervenção, consignando que se trata de benefício assistencial postulado por pessoa idosa e em situação de risco. Valendo-se da analogia do art. 28 do CPP e discordando do posicionamento do Ministério Público do Estado de São Paulo suscitou a apreciação da negativa de intervenção ministerial por esta Procuradoria-Geral.

Este é o breve relato do que consta destes autos.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia ao art. 28 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; e Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Sobre a hipótese tratada nos autos, é firme o posicionamento do E. Superior Tribunal de Justiça:

“O só fato de ser pessoa idosa não denota parâmetro suficiente para caracterizar a relevância social a exigir a intervenção do Ministério Público. Deve haver comprovação da situação de risco, conforme os termos do artigo 43 da Lei nº 10.741/2003, sob pena de obrigatória intervenção do Ministério Público, de forma indiscriminada, como custos legis em toda em qualquer demanda judicial que envolva idoso” (REsp 1.235.375/PR, Relator Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, DJe de 11/05/2011).

Todavia, na hipótese em exame, está claro que a autora da ação, além de idosa e pleitear a obtenção de benefício de prestação continuada e caráter assistencial, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/93), encontra-se em situação de risco. Vejamos.

Para a caracterização do direito à percepção do referido benefício de prestação continuada e caráter assistencial, é fundamental que a pessoa seja portadora de deficiência ou idosa, nos termos do art. 20 da Lei 8.742/93.

A petição inicial da ação individual apontou como fundamento para o reconhecimento do direito pleiteado, e consequentemente para a tipificação da hipótese prevista no art. 20 da Lei 8.742/93, o fato de ser a autora idosa (contando, na data da propositura da demanda, com mais de 76 anos de idade).

É necessário recordar, ademais, que além do fundamento constitucional do benefício (art. 203, V, da CR/88) há disposição específica assegurando o direito pleiteado pela autora no próprio Estatuto do Idoso (art. 34 da Lei 10.741/2003).

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) prevê a atuação do Ministério Público como fiscal da lei nos casos em que não for parte, desde que se trate de idoso em situação de risco.

Nesse sentido, o disposto no art. 74, II, e no art. 75 do Estatuto do Idoso, transcritos a seguir:

“(...)

Art. 74. Compete ao Ministério Público:

(...)

II – promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco; (g.n.)

(...)

Art. 75. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei, hipóteses em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos, requerer diligências e produção de outras provas, usando os recursos cabíveis.

(...)”

Nesse sentido anota Oswaldo Peregrina Rodrigues (“Direitos do Idoso”, in Manual de Direitos Difusos, coord. Vidal Serrano Nunes Júnior, São Paulo, Verbatim, 2009, p. 525), em posição afinada com aquela que nos parece a melhor doutrina, que:

“(...)

Verifica-se, pois, que a atuação do Ministério Público nas hipóteses do artigo 74, incisos II, III e IV, como parte ativa do pleito judicial, e como custos legis (art. 75), está condicionada à situação de risco, pessoal ou social, do idoso.

(...)”

Em outros termos, é necessário, para justificar a intervenção ministerial como fiscal da lei em feitos individuais envolvendo pessoa idosa, que o caso concreto apresente alguma conotação diferenciada, além das hipóteses comuns ou corriqueiras que são verificáveis em conflitos de interesses envolvendo quaisquer pessoas.

É o que se dá, por exemplo, quando estão em jogo os direitos fundamentais indicados no próprio Estatuto do Idoso, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à saúde, etc., ou por peculiaridades do caso que revelem situação incomum, que evidencie a fragilidade da parte em razão de sua condição de pessoa idosa.

Assim, não é necessária a intervenção ministerial como fiscal da ordem jurídica em caso de ação de cobrança, só pelo fato de uma das partes ser pessoa idosa. Mas, quando estão em jogo direitos fundamentais apontados no Estatuto do Idoso, fica fora de dúvida a necessidade da atuação ministerial.

Na hipótese em exame, portanto, é viável afirmar que o fundamento da intervenção ministerial, afinal, apresenta-se em duas faces: (a) pela natureza da lide, revelada na matéria discutida no feito (pleito de benefício assistencial, a respeito do qual há previsão específica de intervenção ministerial no art. 31 da Lei 8.742/93); e (b) pela qualidade da parte, ou seja, a condição peculiar da autora, idosa de 76 anos, que vive com o marido, de 87 anos e acamado, além de criar 04 netos, de 05 a 13 anos, com única renda de R$ 788,00, circunstâncias que, em última análise, coadunam-se com hipótese de situação de risco, a indicar a necessidade do benefício previdenciário para o estabelecimento de condições dignas de sobrevivência para pessoa idosa.

Para exercer tais funções na esfera cível, o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Sendo assim, no caso em exame há razão para a intervenção do Ministério Público.

3)  Decisão

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa e acolho as ponderações formuladas pelo Magistrado.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

Restituam-se os autos à origem.

  São Paulo, 19 de maio de 2016.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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