Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção
Protocolado nº
38.875/2015
Interessado:
14ª Vara Cível da Capital
Objeto: Pedido
de intervenção do Ministério Público nos autos do processo n.
0574407.14.2000.8.26.0100
Ementa:
1. Recusa de intervenção. Procedimento de jurisdição voluntária. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, recusa-se a intervir.
3. Dirimida a questão, confirmando-se a dispensa de intervenção.
1)
Relatório
Trata-se de ação de indenização por
reparação de danos morais e materiais em que no curso do procedimento sobreveio
o óbito do demandante, Geraldo Morilla.
Foi determinada a abertura de vista
ao órgão do Ministério Público, sendo certo que o DD. Promotor de Justiça oficiante no feito lançou manifestação
afirmando, em síntese, inexistir interesse que justifique a intervenção
ministerial, especialmente porque “a informação disponibilizada às fls. 443ss.
dá conta da existência de pessoa maior de idade que, na condição de cônjuge
supérstite, é beneficiária de pensão por morte previdenciária do primitivo
autor. Por outro lado, inexiste qualquer informação acerca de
partes/interessadas menores ou incapazes, razão pela qual, por ora, deixo de oficiais
nestes autos até eventual alteração do atual panorama” (fl. 94).
Diante de tal manifestação, o MMo. Juiz de Direito, discordando de tal
entendimento, determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 96).
É o relato do essencial.
2)
Fundamentação
A remessa para controle da negativa
de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.
É pacífico o entendimento de que, em
que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de
intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça,
por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro
Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2.
ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.
73.
A Constituição da República previu
que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art.
127, caput, da CR/88).
Para exercer tais funções na esfera
cível o constituinte conferiu ao parquet a
função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover
o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).
Assim, embora o Ministério Público
ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja,
de intervir como custos legis em
processos de natureza individual, é inegável que, por opção
político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o
incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de
ordem supraindividual.
Em uma sociedade de massa, em que os
conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público
devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal
da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal
da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos
em que reste essencialmente indispensável sua presença.
Em outras palavras, para verificar
se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a
interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável
verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que
legitimem a atuação nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do
CPC.
Essa é a adequada compreensão, em
perspectiva contemporânea, da afirmação doutrinária de que a atuação do
Ministério Público como custos legis é
ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de
Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público
qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro
Mazzilli, Regime jurídico do Ministério
Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).
Assim, é necessária adequada
compreensão da atuação fundada na cláusula genérica do interesse público
evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).
Para saber se em determinado caso
concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os
contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido,
iluminado pela causa de pedir.
É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli,
deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada
ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed.,
São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).
Pois bem.
Definidos os contornos do feito,
deve-se ter presente que é sempre a partir da situação de direito material
deduzida pelo autor que se pode extrair, em cada caso concreto, a existência ou
não de fundamento para a intervenção ministerial. Esse é o correto entendimento
da disposição legal que prevê a obrigatoriedade da atuação do parquet nos casos em que haja “interesse público evidenciado pela natureza
da lide” (art. 82, III, do CPC).
A esse propósito, anota Antônio
Cláudio da Costa Machado que “a natureza da lide que evidencia o interesse
público é o atributo de indisponibilidade que o ordenamento positivo haja
outorgado à relação jurídica em torno da qual tenha surgido o litígio ou lide,
e que tenha sido deduzida em juízo” (A
intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2. ed., São
Paulo, Saraiva, 1998, p. 347).
Ao vincular a atuação do custos legis ao interesse público
decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a identificação da
hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do objeto litigioso do
processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão deduzida em juízo,
ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de mérito no processo
civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil
moderno, São Paulo, RT, 1986, p. 182/220; Arruda Alvim, Manual de direito
processual civil, vol.1, 10. ed., São Paulo, RT, 2006, p. 424/425; Sydney
Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, Ajuris 16
[1979]).
No caso em exame, como visto, diante
do óbito de Geraldo Morilla, o MM. Juiz oficiante determinou a suspensão do
processo, nos termos do art. 265, inciso I, do CPC, para a habilitação dos
herdeiros (fl. 45).
Veja-se que a decisão acima
mencionada determinou, ainda, a intimação de Vera Lúcia Antonia da Silva para
esclarecer se é sucessora de Geraldo Morilla, para, se o caso, substituir o
polo ativo da ação no prazo de trinta dias.
Não houve, portanto, declaração de
ausência; trata-se de hipótese de suspensão do processo, para os fins de
eventual habilitação, nos termos dos arts. 265, inciso I, c.c. 1055 a 1062,
todos do CPC.
De toda forma, ainda que se tratasse
de procedimento para arrecadação de bens de ausente, a hipótese é expressamente
disciplinada no art. 221 do Manual de Atuação Funcional (Ato nº 674/10 – PGJ –
CGMP), que prevê que “nos processos de ausência é dispensada a intervenção do
Ministério Público, salvo se houver interesse de incapaz, quando deverá (...)”.
Diante do exposto, torna-se
desnecessária a intervenção ministerial no feito.
Decisão.
Destarte e por analogia do disposto
no art. 28 do Código de Processo Penal conheço da remessa, mas deixo de acolher
as ponderações formuladas pelo d. magistrado.
Publique-se.
Providencie-se a remessa de cópia,
em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
Providencie-se a devolução dos autos
à origem, com as cautelas de estilo.
São Paulo, 23
de abril de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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