RECUSA DE
INTERVENÇÃO
Protocolado MP nº 071.925/2017
Interessado: Juíza de Direito da 2ª
Vara Criminal da Comarca de Sumaré
Objeto: Pedido de providências
para acolhimento institucional
Ementa:
1. Recusa de ajuizamento de Ação de Acolhimento Institucional. Determinação, pelo Magistrado, de remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, em virtude de divergência com relação ao entendimento manifestado pelo Promotor de Justiça no feito.
2. A discordância do Magistrado em relação à manifestação do membro do Ministério Público, no sentido de não propositura da Ação de Acolhimento Institucional, permite a aplicação, por analogia, do disposto no art. 28 do CPP.
3. Manifestação do órgão ministerial de execução no sentido de que a ação de acolhimento institucional poderia ser ajuizada pelo Conselho Tutelar e não exclusivamente pelo Ministério Público, o qual atuaria como custos iuris.
4. Ausência de legitimidade ao Conselho Tutelar para ajuizamento de ação civil de acolhimento institucional.
5. Remessa conhecida e acolhida.
1) Relatório
Trata o expediente de Pedido de Providências para fins de Acolhimento Institucional (autos nº 0002715-56.2017.8.0604, da 2ª Vara Criminal de Sumaré – Anexo da Infância e da Juventude), na qual teria se verificado, segundo a fundamentação do despacho judicial que determinou a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, recusa de propositura de Ação para fins de Acolhimento Institucional por parte do representante do Ministério Público.
Consta dos autos que a menor foi acolhida emergencialmente por determinação do Conselho Tutelar de Sumaré, em vista de grave situação de negligência referente à criança, bem como histórico de uso de substância psicoativa pela genitora, que não possuiria capacidade para cuidar da filha.
O DD. Promotor de Justiça deixou de se pronunciar quanto ao ajuizamento de ação de acolhimento institucional, por entender que o Conselho Tutelar teria legitimidade ativa para a medida.
De sua manifestação (fls. 28/32) merecem destaque os seguintes excertos:
“(...)
Entretanto, com o devido respeito, mas a ação judicial não precisa ser intentada exclusivamente pelo Ministério Público, tendo legitimidade disjuntiva e concorrente o Conselho Tutelar à luz do art. 101, inc. VIII, e §2º, da Lei Federal nº 8069/90, cuja dicção, com clareza, a alude a possibilidade de deflagração do afastamento da criança e adolescente a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse; por esta razão é que tramita ação civil pública para restruturação do Conselho Tutelar, dentre outros aspectos, com a integração de um procurador municipal. A colegitimidade do Conselho Tutelar e do Ministério Público deriva exatamente da autonomia e independências das instituições entre si e com os demais órgãos, destacando o disposto no art. 131 da Lei Federal nº 8069/90 que assegura a autonomia do Conselho Tutelar.
(...)
Por outro lado, embora absolutamente conveniente para adequação formatação da peça processual, orientação jurídica e preservação da autonomia durante a judicialização da ação de acolhimento, inclusive para interposição de recurso, a patrocínio da causa por Procurador Municipal ou Advogado próprio do Conselho Tutelar”
O MM. Juiz, em despacho de fls. 38/39, determinou a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, salientando que:
“(...)
Isso gerou um impasse, porque discordo do posicionamento ministerial e, então, o mero procedimento de acolhimento emergencial tem tramitado judicialmente, sem a competente ação de acolhimento, uma vez que medidas precisam ser tomadas em benefício da menor e o único substrato que se tem é o presente. Respeita-se, obviamente, o entendimento do Dr. Promotor de Justiça e a sua independência funcional, mas, a nosso ver, entre as atribuições do Conselho Tutelar elencadas no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente não se inclui a legitimidade para ajuizar ação civil, faltando, ademais, capacidade postulatória. Para dirimir a controvérsia, utilizando-se por analogia o artigo 28 do Código de Processo Penal, o artigo 181, § 2°, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o artigo 861, parágrafo único, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça considerando, a nosso pensar, a necessidade de formal e regular ajuizamento de ação contenciosa de acolhimento institucional pelo Ministério Público, remetam-se, por ofício, cópia da presente decisão e senha para acesso aos autos ao Exmo. Sr. Procurador Geral de Justiça, autoridade com atribuição superior para solucionar a questão e definir se outro Promotor de Justiça deverá ou não ajuizar ação de acolhimento institucional, in casu.
(...)”
É o relato do essencial.
2) Fundamentação
A remessa para controle da negativa propositura de ação judicial deve ser conhecida.
No caso em exame o Conselho Tutelar de Santa Bárbara D’Oeste determinou emergencialmente, diante da notícia de situação de risco a menor, sua institucionalização provisória em caráter emergencial.
O Magistrado ratificou o acolhimento emergencial realizado pelo Conselho Tutelar, conforme decisão de fls. 13/14, bem como determinou a realização de estudo social.
Encaminhado os autos ao Ministério Público (fls. 22), o Promotor de Justiça afirmou que deixaria de ajuizar ação de acolhimento institucional, por vislumbrar legitimidade ativa disjuntiva e concorrente do Conselho Tutelar, bem como em vista da necessidade de se garantir autonomia e independência ao citado órgão (fls. 28/32).
Com o devido respeito às razões externadas pelo digno Promotor de Justiça e sem desconsiderar as relevantes atribuições exercidas pelo Conselho Tutelar, não se extrai do Estatuto da Criança e do Adolescente, nem mesmo a pretexto de se garantir autonomia, a autorização para que tal instituição figure, como autora, no ajuizamento da ação prevista no artigo 101, § 2º, da Lei n. 8.069/90.
As disposições contidas no citado dispositivo devem ser analisadas à luz do artigo 136 do mesmo Estatuto, do qual não se extrai a legitimação para o início do procedimento contencioso previsto no § 2º, do art. 101.
A autonomia do Conselho Tutelar, invocada pelo digno Promotor de Justiça, implica garantia para o livre desempenho de suas atribuições administrativas fixadas na Lei n. 8.069/90, mas não tem o condão de conferir capacidade postulatória e legitimidade ativa ao referido órgão, para que passe a atuar diretamente perante o Poder Judiciário. Tal conclusão é reforçada pelo disposto no artigo 131 da Lei n. 8.069/90 que, além de dispor sobre o caráter autônomo do Conselho Tutelar, reconhece sua natureza não jurisdicional.
Portanto, a providência prevista no artigo 101, § 2º, relativa à preservação do contraditório e da ampla defesa aos pais ou responsável pelo menor, não pode deixar de ser observada pelo representante do Ministério Público sob o fundamento de que o Conselho Tutelar também teria legitimidade ativa para tomá-la.
Registre-se apenas que o Promotor de Justiça é livre para analisar os elementos e peculiaridades do caso concreto e vislumbrar o melhor momento ou necessidade da medida, situação esta retratada no precedente invocado a fls. 32, distinta da que ora se enfrenta, cujo fundamento para não manifestação não se ateve às particularidades do caso, mas sim na suposta legitimidade ativa do Conselho Tutelar.
Como a decisão que compete ao Procurador-Geral de Justiça nesta sede não implica análise de conteúdo da manifestação do douto Promotor de Justiça sobre o meritum causae, vale dizer, acerca do efetivo cabimento ou não do acolhimento institucional na espécie, adstringindo-se à questão da oportunidade ou do momento da intervenção, mostra-se dispensável a designação de outro membro para preservar sua convicção.
3) Decisão.
Diante do exposto e por analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa e a acolho, determinando a atuação no feito em epígrafe. Publique-se.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
Providencie-se a devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.
São Paulo, 29 de junho de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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