Recusa de Intervenção

 

 

Protocolado MP nº 73.784/18

Processo de origem: 0004056-42.2014.8.26.0372

Interessado: Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Monte Mor

Objeto: recusa de intervenção ministerial em Ação Civil Pública de Responsabilidade pela prática de Ato de Improbidade Administrativa

 

 

Ementa: Recusa de intervenção. Ação civil pública. Ato de improbidade administrativa. Manifestação do Parquet de perda superveniente do interesse de agir. Não caracterização de recusa de intervenção. Independência funcional. Remessa não conhecida.

1. Magistrado que vislumbra a necessidade de análise sobre a efetiva extinção da ação civil pública, a pedido do Promotor de Justiça oficiante, ou se é caso de designação de outro membro do Ministério Público para oficiar no feito.

2. Divergência que respeita ao meritum da demanda que não caracteriza recusa de intervenção, e está abrigada pela independência funcional, não competindo ao Procurador-Geral de Justiça afirmar se correta ou não a manifestação do membro oficiante do Ministério Público.

3. Recusa inexistente e, portanto, não conhecida.

 

1)  Relatório

 

Por intermédio de Decisão/Ofício nos autos Ação Civil Pública referida, o DD. Juiz de Direito da 2ª Vara Judicial da Comarca de Monte Mor encaminha à Procuradoria-Geral de Justiça cópias pertinentes ao processo nº 0004056-42.2014.8.26.0372, por entender que, ao pleitear a extinção do feito pela perda superveniente do interesse de agir, a Promotoria de Justiça teria declinado de sua atuação em referido feito.

As cópias que instruem a documentação referem-se à demanda ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo (ação civil pública) em face de Marcos Antônio Giati e da Câmara Municipal de Monte Mor, para reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa, consistente em contratação irregular de servidores para cargos em comissão.

Após o trâmite da ação, sobreveio manifestação ministerial pedindo o reconhecimento da perda superveniente de interesse de agir, com a consequente extinção do feito sem resolução de mérito.

Argumentou a DD. Promotora de Justiça oficiante que, durante o trâmite do feito, a legislação invocada na petição inicial da ação civil pública (Lei Municipal nº 1857, de 18 de fevereiro de 2014), foi revogada tacitamente pela nova Lei Municipal nº 2339, de 12 de julho de 2016.

Em vista disso, considerando que a nova lei aprimorou a estrutura de cargos da Câmara Municipal de Monte Mor, fragilizou-se a caracterização de dolo do então Presidente, réu na ação civil pública em comento.

Por isso, pleiteou a extinção do feito sem resolução de mérito.

Diante de tal manifestação, o DD. Juiz de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, nos seguintes termos:

“Sem embargo, ao defender o próprio autor a inexistência de ato de improbidade, é importante ressaltar que o fez (...) antes mesmo da oferta de defesa preliminar. Não vejo como processualmente adequada, neste momento em que os autos se encontram, a manifestação sobre o próprio mérito da demanda, antes mesmo de o réu ser ouvido e postular a extinção da demanda ou sua improcedência (...).

Assim, no sentir deste Magistrado, ainda há dúvidas respeito da existência ou não de ato de improbidade pelo réu, ainda que a Lei então vigente à época da propositura da ação tenha sido revogada. Entendo, pois, prematuro o pedido de extinção da ação por perda superveniente do objeto, até porque, respeitado entendimento em sentido contrário, não é possível a ocorrência de perda superveniente de objeto de ato ímprobo. Ou houve improbidade ou não.

E, sendo o Ministério Público o titular da ação, dirijo-me respeitosamente à Vossa Excelência, com esteio no art. 28 do Código de Processo Penal, para que bem dirima a questão, dizendo se o caso é mesmo de extinção da referida ação neste momento processual ou então, caso discorde, designe outro Promotor de Justiça para que possa oficiar no feito, a fim de resguardar a independência funcional do membro que pugnou a extinção da demanda”.

É o relato do essencial.

2)  Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito não deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

Mas, a hipótese ora examinada é distinta.

Os autos foram remetidos ao Ministério Público, e houve manifestação, por intermédio da 1ª Promotora de Justiça de Monte Mor.

Elucida com a devida clareza Hugo Nigro Mazzilli que “sempre que baste a atuação de um só membro do Ministério Público no processo, em suas manifestações ele vinculará toda a instituição, por força da relação de organicidade, obedecidas as regras da unidade e indivisibilidade próprias da instituição” (A defesa dos interesses difusos em juízo. 23ª edição. São Paulo: Saraiva, p.393).

A discordância do MM. Juiz de Direito diz respeito, em verdade, ao teor da manifestação ministerial, não sendo viável acolher-se a argumentação no sentido de que teria havido recusa de intervenção.

Frise-se que, na espécie em análise, o parecer ministerial pode ou não ser acolhido pelo Magistrado. Em contrapartida, a decisão judicial pode ou não ser acatada pelo Promotor de Justiça que, no caso de eventual discordância, pode e deve valer-se dos recursos cabíveis.

Em outras palavras, uma vez ajuizada a ação, seu trâmite segue inexorável até decisão final, tendo em vista o impulso oficial. Desta forma, basta ao DD. Magistrado, caso dele discorde, indeferir o pedido ministerial e prosseguir na análise da demanda, até proferir sua r. sentença final.

Se não houve propriamente recusa à intervenção, a remessa não pode ser conhecida.

Elucidativa, a propósito, a lição de Hugo Nigro Mazzilli (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. Ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 489):

“Se não faltou o ato ministerial, que está nos autos, mas o juiz cível discorda da forma ou do conteúdo do ato efetivamente apresentado pelo membro do Ministério Público, aí não haverá razão para invocar o art. 28 do Código de Processo Penal, em imprópria analogia com o sistema de controle de arquivamento do inquérito policial. (...) no caso ora em exame, não há como falar em inércia. Não se entendesse assim, e qualquer juiz ou tribunal, discordando do parecer do órgão ministerial, poderia propor ao procurador-geral o reexame do ato ou a substituição do membro do Ministério Público, o que seria uma forma inadmissível de contornar os princípios do promotor natural e da independência funcional.”

Com a devida vênia, esse entendimento doutrinário é inteiramente aplicável ao caso em exame porque a divergência respeita ao meritum da demanda e não caracteriza recusa de intervenção, estando abrigada pela independência funcional.

Destarte, não compete ao Procurador-Geral de Justiça afirmar se correta ou não a manifestação do membro oficiante do Ministério Público.

Desnecessária, portanto, neste momento, a intervenção de outro Promotor de Justiça no presente caso, o que, diante da análise da situação em exame, representaria ofensa ao Princípio do Promotor Natural.

3)  Conclusão

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, deixo de conhecer da remessa.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

         São Paulo, 31 de outubro de 2018.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

pcnd