Art. 28 – Cível – Recusa de Intervenção

 

Protocolado MP nº 76.088/2013

Interessado: Juíza de Direito da 3ª Vara da Comarca de Santa Bárbara D’Oeste

Objeto: Procedimento para declaração de ausência – recusa de intervenção ministerial.

 

Ementa:

1. Recusa de intervenção. Procedimento de jurisdição voluntária. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, recusa-se a intervir.

2. A racionalização é possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet. Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

3. Ausência de fundamento para a intervenção. Situação expressamente discriminada no art. 221 do Manual de Atuação Funcional (Ato nº 675/2010 – PGJ – CGMP, de 28 de dezembro de 2010).

4. Dirimida a questão, confirmando-se a dispensa de intervenção.

 

 

1) Relatório

Trata o feito de procedimento de jurisdição voluntária em que para fins de declaração de ausência.

Foi determinada a abertura de vista ao órgão do Ministério Público, sendo certo que o DD. Promotor de Justiça de Santa Bárbara D’Oeste que oficiava no feito lançou manifestação afirmando, em síntese, inexistir interesse que justifique a intervenção ministerial, especialmente por se tratar de pedido de declaração de ausência em que todos os interessados são maiores e capazes (fl. 221).

Diante de tal manifestação a MMa. Juíza de Direito, discordando de tal entendimento, determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 224).

 É o relato do essencial.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supraindividual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva contemporânea, da afirmação doutrinária de que a atuação do Ministério Público como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, é necessária adequada compreensão da atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

No caso em exame, o que se tem é procedimento de jurisdição voluntária sem que haja interesses de incapazes.

Definidos os contornos do feito, deve-se ter presente que é sempre a partir da situação de direito material deduzida pelo autor que se pode extrair, em cada caso concreto, a existência ou não de fundamento para a intervenção ministerial. Esse é o correto entendimento da disposição legal que prevê a obrigatoriedade da atuação do parquet nos casos em que haja “interesse público evidenciado pela natureza da lide” (art. 82, III, do CPC).

A esse propósito, anota Antônio Cláudio da Costa Machado que “a natureza da lide que evidencia o interesse público é o atributo de indisponibilidade que o ordenamento positivo haja outorgado à relação jurídica em torno da qual tenha surgido o litígio ou lide, e que tenha sido deduzida em juízo” (A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p. 347).

Ao vincular a atuação do custos legis ao interesse público decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a identificação da hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do objeto litigioso do processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão deduzida em juízo, ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de mérito no processo civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, São Paulo, RT, 1986, p. 182/220; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol.1, 10. ed., São Paulo, RT, 2006, p. 424/425; Sydney Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do processo”, Ajuris 16 [1979]).

No caso em exame, como visto, trata-se de pedido de declaração de ausência, em que todos os interessados são partes maiores e capazes.

A hipótese é expressamente disciplinada no art. 221 do Manual de Atuação Funcional (Ato nº 674/10 – PGJ – CGMP), que prevê que “nos processos de ausência é dispensada a intervenção do Ministério Público, salvo se houver interesse de incapaz, quando deverá (...)”.

Diante da literalidade do ato regulamentar e da sua aplicação à hipótese em análise, torna-se desnecessária a intervenção ministerial no feito.

3) Decisão.

Diante do exposto e por analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal conheço da remessa, mas deixo de acolher as ponderações formuladas pela d. magistrada.

Publique-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

Providencie-se a devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.

  São Paulo, 28 de maio de 2013.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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