Art. 28 – Cível – Recusa de
Intervenção
Protocolado
MP nº 0077150/2012 (autos n. 776/12)
Interessado:
Juiz de Direito da 3ª Vara Cível de Santa Bárbara D´Oeste
Objeto:
Procedimento de retificação de registro de imóvel – recusa de intervenção
ministerial.
Ementa:
1. Recusa de intervenção.
Procedimento de retificação de registro
de imóvel. Órgão ministerial que, ao receber o feito com vista, recusa-se a
intervir.
2. A racionalização somente será possível quando, no caso concreto, o interesse
jurídico subjacente não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil
constitucional do parquet. Para saber
se em determinado caso concreto está presente o interesse público que
justifique a intervenção do parquet,
é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, pela
identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.
3. Presença de fundamento da intervenção.
Situação mencionada expressamente pelo Ato Nº 313/03 - PGJ-CGMP, de 24 de junho
de 2003, no art. 3ª, VI: procedimento de jurisdição voluntária que envolve
matéria alusiva aos registros públicos.
4. Dirimida
a questão, determinando-se a intervenção do Ministério Público, com designação
de outro membro da instituição para prosseguir no feito.
1) Relatório
Trata o feito de procedimento de retificação de registro de imóvel em que se busca corrigir a área total de terreno constante da Matrícula n. 6.426, do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Bárbara D’Oeste.
Foi determinada a abertura de vista ao órgão do Ministério
Público, sendo certo que o DD. Promotor
de Justiça de Santa Bárbara D’Oeste lançou manifestação afirmando, em
síntese, inexistir interesse que justifique a intervenção ministerial no feito.
Diante de tal
manifestação, o DD. Juiz de Direito determinou
a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, aduzindo que sendo o
Ministério Público fiscal da regularidade dos registros públicos, sua
intervenção é necessária.
É o relato do
essencial.
2) Fundamentação
A remessa para
controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.
É pacífico o
entendimento de que, em que pese a independência funcional do Ministério
Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo
Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo
Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual
do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson
Garcia, Ministério Público, 2. ed.,
Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.
A Constituição da
República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127, caput, da
CR/88).
Para exercer tais
funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela
Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a
proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129,
II e III, da CR/88).
Assim, embora o
Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na
esfera cível, ou seja, de intervir como custos
legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção
político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o
incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de
ordem supraindividual.
Em uma sociedade
de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o
Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de
autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua
atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve
ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua
presença.
Em outras
palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do
Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação
extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto,
relevantes interesses que legitimem a atuação nos moldes dos art. 127 e 129 da
CR/88, e do art. 82 do CPC.
Essa é a adequada
compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação
do MP como custos legis é ditada pela
lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O
Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro,
Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado
pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público,
6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).
Assim, fora dos
casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que
haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio
poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e
disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios
coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender a dimensão dessa
atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela
natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).
Para saber se em
determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a
intervenção do parquet, é imprescindível
identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação
do pedido, iluminado pela causa de pedir.
É o que afirma
Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção
está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso
concreto (Manual do Promotor de Justiça,
2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).
Pois bem.
No caso em exame,
o que se tem é procedimento de retificação em matrícula de imóvel.
Definidos os
contornos da demanda, deve-se ter presente que é sempre a partir da pretensão
deduzida pelo autor que se pode extrair, em cada caso concreto, a existência ou
não de fundamento para a intervenção ministerial. Esse é o correto entendimento
da disposição legal que prevê a obrigatoriedade da atuação do parquet nos casos em que haja “interesse público evidenciado pela natureza
da lide” (art. 82, III, do CPC).
A esse propósito,
anota Antônio Cláudio da Costa Machado que “a
natureza da lide que evidencia o interesse público é o atributo de
indisponibilidade que o ordenamento positivo haja outorgado à relação jurídica
em torno da qual tenha surgido o litígio ou lide, e que tenha sido deduzida em
juízo” (A intervenção do Ministério
Público no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1998, p.
347).
Ao vincular a
atuação do custos legis ao interesse
público decorrente da natureza da lide, o legislador determinou que a
identificação da hipótese de atuação é indissociável do mérito, ou seja, do
objeto litigioso do processo, que é representado, como se sabe, pela pretensão
deduzida em juízo, ilustrada pela causa de pedir (A propósito do conceito de
mérito no processo civil, confira-se: Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno,
São Paulo, RT, 1986, p. 182/220; Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol.1, 10. ed., São Paulo, RT,
2006, p. 424/425; Sydney Sanches, “Objeto do processo e objeto litigioso do
processo”, Ajuris 16 [1979]).
No caso em exame,
nada obstante as respeitáveis ponderações formuladas pelo DD. Promotor de Justiça de Santa Bárbara
D’Oeste, mostra-se apropriado o posicionamento adotado pelo DD. Juiz de Direito.
Com efeito, o interesse jurídico subjacente
revela hipótese que guarda relação com o novo perfil constitucional do Ministério
Público, a exigir sua intervenção no feito.
Importante
registrar o que estabelece, sobre a questão, o Ato Nº 313/03 - PGJ-CGMP, de 24
de junho de 2003, que dispõe sobre a racionalização da intervenção do
Ministério Público no processo civil.
Com efeito, o
art. 3º, VI, do mencionado Ato, faculta a intervenção ministerial em
procedimentos de jurisdição voluntária, mas contém importante ressalva em relação aos procedimentos que envolvem
matéria alusiva aos registros públicos. Logo, o Ato N. 313/03 expressamente
não dispensa a intervenção quando está envolvida questão afeta aos registros
públicos.
Ademais, o Manual de Atuação Funcional, aprovado pelo Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010, no seu art. 278, tratando de atribuições da Promotoria de Justiça de Registros Públicos, delineia normas de atuação.
3) Decisão
Diante do
exposto, e por analogia do disposto no art. 28 do Código de Processo Penal,
conheço da remessa, e acolho as ponderações formuladas pelo d. Magistrado,
determinando a intervenção ministerial no procedimento de retificação do
registro de matrícula de imóvel.
Providencie-se
designação de outro membro do Ministério Público para prosseguir nos autos e
apresentar as manifestações cabíveis, caso ainda atue no referido cargo o membro
da instituição que se negou, inicialmente, a oficiar.
Publique-se a
ementa no Diário Oficial, na parte reservada ao Ministério Público, para
conhecimento. Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de
Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
Providencie-se a
devolução dos autos à origem, com as cautelas de estilo.
São Paulo, 31 de
maio de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
ef