Art. 28 – Cível

 

Protocolado MP nº 78.280/2018 (autos n. 1000981-68.2018.8.26.0426)

Interessado: Juízo de Direito da Vara Única de Patrocínio Paulista

Objeto: Mandado de Segurança – recusa de intervenção ministerial

 

Ementa:

1)      Mandado de Segurança. Recusa de intervenção. Impetração para reconhecimento do poder-dever do Legislativo Municipal exercer sua função fiscalizadora, prevista na Constituição Federal, na Constituição do Estado de na Lei Orgânica do Município de Itirapuã.

2)      O mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público.

3)      A racionalização em processo de mandado de segurança, todavia, é possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o perfil constitucional do parquet.

4)      A intervenção do Ministério Público deve ser interpretada à luz de seu perfil constitucional (art. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC).

5)      Identificação dos casos de intervenção do MP em função do “interesse público” evidenciado pela “natureza da lide”. Hipótese de atuação que deve decorrer da pretensão deduzida em juízo, que se configura com o pedido, ilustrado pela causa de pedir.

6)      Relação jurídica subjacente. Impetração cujo escopo consiste em possibilitar aos vereadores a fiscalização do Patrimônio Público que se encontra cedido à Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Itirapuã. Zelo, pelo MP, do efetivo respeito dos poderes públicos. Zelo pela ordem jurídica. Hipótese em que a atuação ministerial é imperativa, à luz do art. 127, caput, e art. 129, II, da CR.

7)      Remessa conhecida e provida para determinar a intervenção ministerial no feito.

 

 

1)  Relatório

Trata o feito de Mandado de Segurança impetrado pela Câmara Municipal de Itirapuã contra ato praticado pelo Prefeito Municipal de Itirapuã, Rui Gonçalves, que não teria apresentado os documentos requisitados pela Comissão Especial aberta no âmbito da Câmara Municipal de Itirapuã com o intuito de investigar supostas irregularidades ocorridas por ocasião da cessão, à Associação dos Pequenos Produtores de Itirapuã, de diversos implementos agrícolas que integram o patrimônio do Município.

Também não foi atendida a solicitação feita pela Comissão Especial para que indicassem os locais em que se encontravam os implementos agrícolas de propriedade do Município e que foram cedidos à Associação e finalmente foi negado à Comissão a possibilidade de verificar esse patrimônio municipal sob a justificativa de ser “impossível e inócuo”, e que “a Administração não tem o dever de saber o destino dos bens cedidos”.

Como se apreende dos autos, a impetração decorre do fato de que o Poder Executivo se negou a atender às solicitações feitas por Comissão Especial da Câmara Municipal de Itirapuã que investigava irregularidades na cessão de patrimônio público à Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Itirapuã.

Remetidos os autos ao Ministério Público, a DD. Promotora declinou de oficiar no feito, averbando que a intervenção do Ministério Público na controvérsia deduzida em mandado de segurança só é exigível naqueles casos em que ela também ocorreria, ainda que o mesmo conflito fosse deduzido em uma demanda de rito ordinário, e que não vislumbrou hipótese que justifique a atuação fiscalizatória e protetiva do órgão do Ministério Público.

Diante de tal manifestação, o DD. Juiz de Direito determinou a remessa dos autos a esta Procuradoria-Geral de Justiça, aduzindo que há necessidade de intervenção do MP, visto que a impetração revela debate acerca da violação do princípio da moralidade administrativa, que é indisponível.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito deve ser conhecida.

É pacífico o entendimento de que, em pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 73.

A Constituição da República previu que incumbe ao Ministério Público realizar a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CR/88).

Para exercer tais funções na esfera cível o constituinte conferiu ao parquet a função de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados pela Carta; bem como a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 129, II e III, da CR/88).

Assim, embora o Ministério Público ainda tenha a missão de exercer seu papel tradicional na esfera cível, ou seja, de intervir como custos legis em processos de natureza individual, é inegável que, por opção político-constitucional, seu novo perfil, a partir de 1988, favoreceu o incremento de sua atuação, na condição de autor, em defesa de interesses de ordem supra-individual.

Em uma sociedade de massa, em que os conflitos se coletivizam, mostra-se mais apropriado que o Ministério Público devote primordial atenção à atuação tanto na condição de autor, como de fiscal da lei, nos processos de natureza metaindividual. Sua atuação clássica como fiscal da lei, nos processos de natureza singular, deve ser reservada apenas aos casos em que reste essencialmente indispensável sua presença.

Em outras palavras, para verificar se efetivamente é necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do CPC ou a legislação extravagante: é indispensável verificar se estão presentes, no caso concreto, relevantes interesses que legitimem a atuação, nos moldes dos art. 127 e 129 da CR/88, e do art. 82 do CPC.

Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do MP como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.12), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559).

Assim, fora dos casos em que há previsão específica de intervenção do MP (v.g. causas em que haja interesses de incapazes, as concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; e ainda nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural), é necessário compreender adequadamente a dimensão dessa atuação fundada na cláusula genérica do interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

Para saber se em determinado caso concreto está presente o interesse público que justifique a intervenção do parquet, é imprescindível identificar os contornos da lide deduzida em juízo, ou seja, pela identificação do pedido, iluminado pela causa de pedir.

Em outros termos, é necessário indagar quais as reais dimensões da ação mandamental, a partir da relação jurídica a ela subjacente, e das possibilidades decorrentes das projeções que de algum modo afetem os interesses a cargo da proteção do MP.

É o que afirma Hugo Nigro Mazzilli, deixando claro que a decisão no sentido da intervenção está diretamente associada ao interesse jurídico subjacente que aflora do caso concreto (Manual do Promotor de Justiça, 2. ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 214/215).

Pois bem.

No caso em exame, o que se tem é a dedução de pretensão nitidamente indisponível e de notória relevância social, na medida em que, segundo afirma a inicial, trata-se de apurar a ocorrência de ilegalidade e violação a princípios constitucionais quando da negativa do Poder Executivo em atender às solicitações feitas por Comissão Especial da Câmara Municipal de Itirapuã.

O mandado de segurança constitui ação civil de eficácia potenciada, com assento constitucional, dirigida contra atos ilegais e abusivos do Poder Público, o que implica, em regra, interesse na intervenção do Ministério Público.

Todavia, a racionalização em processo de mandado de segurança é possível quando, no caso concreto, o interesse jurídico subjacente à impetração não revelar hipótese que guarde relação com o novo perfil constitucional do parquet (art. 127 e 129 da CR/88 e art. 82 do CPC).

Assim, a impetração por meio da qual se pretende fazer valer a observância dos princípios constitucionais da administração pública no exercício das funções de Comissão Especial de Inquérito, revela interesse a ser tutelado pelo MP. Cuida-se nitidamente de proteção a valores que são tratados com destaque na ordem constitucional vigente, e que sinalizam para a defesa da ordem jurídica.

Estão presentes, nesta situação tanto a indisponibilidade do interesse como sua relevância social, nos termos do art. 127, caput, da CR.

3)  Decisão

Diante do exposto, e por analogia ao disposto no art. 28 do Código de Processo Penal, conheço da remessa para acolhê-la, determinando que ocorra a intervenção ministerial no feito em epígrafe.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

Restituam-se os autos à origem.

São Paulo, 24 de setembro de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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