Recusa de Intervenção
Protocolado
n. 70.839/18
Processo
nº 0001014-71.2017.8.26.0471
Interessados:
Juiz de Direito da 2ª Vara de Porto Feliz e 2º Promotor de Justiça de Porto
Feliz
Ementa: Infância e Juventude. Recusa de intervenção. Ajuizamento de processo contencioso. Não caracterização de recusa. Ausência de elementos para o exercício responsável do direito de ação pelo MP. Remessa não conhecida.
1. Não se positiva no caso recusa de intervenção (ou, mais propriamente, de atuação) porque Promotor de Justiça sinalizou insuficiência de elementos seguros de convicção para naquela oportunidade promover o devido processo legal de destituição do poder familiar.
2. Remessa não conhecida.
Trata-se de
expediente destinado a controle da recusa da intervenção à vista da divergência
entre a douta Juíza de Direito e o digno Promotor de Justiça a respeito do
ajuizamento de ação de destituição do poder familiar.
Promovido
o acolhimento institucional de crianças em ação de afastamento do convívio
familiar, ajuizada pelo Ministério Público em face dos genitores das crianças,
a Douta Juíza estimou necessário o aforamento de ação de destituição do poder
familiar. O digno Promotor de Justiça, contudo, não vislumbrou indícios
suficientes para a medida, opinião compartilhada em recente manifestação
juntada aos autos pela Promotora de Justiça Titular (fls. 707/712).
A remessa para controle da negativa de intervenção ministerial no feito não deve ser conhecida.
Em que pese a independência funcional do Ministério Público, a recusa de intervenção é passível de controle, realizado pelo Procurador-Geral de Justiça, por analogia do art. 28 do Código de Processo Penal.
Porém, não se positiva no caso recusa de intervenção – ou, mais propriamente, de atuação – porque, não bastasse o acolhimento institucional ter sido ratificado por respeitável decisão judicial em ação ajuizada pelo Ministério Público em face dos genitores das crianças, o digno Promotor de Justiça apenas sinalizou a insuficiência de elementos seguros de convicção para naquela oportunidade promover o devido processo legal de destituição do poder familiar, tanto que manifestou que aguardaria relatório do CAPS. Posterior manifestação da 2ª Promotora de Justiça de Porto Feliz corroborou se tratar a destituição do poder familiar de medida prematura.
Penso que a partir desses elementos decerto haverá maior segurança para a atuação do Parquet que deve, como é sabido, balizar-se dentre outros parâmetros de conduta pelo profissionalismo e, destarte, evitar o ajuizamento irresponsável de demandas.
Ora, se não houve propriamente recusa à intervenção, a remessa não pode ser conhecida. Elucidativa, a propósito, a lição de Hugo Nigro Mazzilli (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. Ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 489):
“Se não faltou o ato ministerial, que está nos autos, mas o
juiz cível discorda da forma ou do conteúdo do ato efetivamente apresentado
pelo membro do Ministério Público, aí não haverá razão para invocar o art. 28
do Código de Processo Penal, em imprópria analogia com o sistema de controle de
arquivamento do inquérito policial. (...) no caso ora em exame, não há como
falar em inércia. Não se entendesse assim, e qualquer juiz ou tribunal,
discordando do parecer do órgão ministerial, poderia propor ao procurador-geral
o reexame do ato ou a substituição do membro do Ministério Público, o que seria
uma forma inadmissível de contornar os princípios do promotor natural e da
independência funcional.”
Em situação assemelhada, a
Procuradoria-Geral de Justiça assim decidiu:
“9. Trata-se
de divergência que diz respeito à qualidade (modo de intervir) da intervenção (rectius: da atuação), e não quanto a esta. Essa avaliação, contudo, depende de
aprofundado exame da conveniência e oportunidade acerca da adoção de medida
extrema, que importa na perda do vínculo da criança com sua família natural,
como também por força das relevantes repercussões em sua vida sócio-afetiva, o que pode ser inadequado nesse momento.
10. Não
se nega que o Procurador-Geral de Justiça possa, além de saber se é o caso ou
não de intervir, verificar, também, como deve se dar tal intervenção. Em outras
palavras, a qualidade da intervenção Ministerial é questão cuja solução pode
ser imprescindível quando a dúvida concreta se apresenta.
11. No
caso, porém, não se pode afirmar, a rigor, que tenha ocorrido a recusa à
intervenção ministerial neste feito ou que a intervenção tenha colocado em
risco a tutela dos direitos fundamentais das crianças. Ao contrário, o que se
infere dos autos é que a intervenção ministerial vem ocorrendo, e com o
necessário zelo.
12. Portanto,
com o devido respeito ao entendimento do douto Juízo, diante da atuação do
Parquet como custos legis que não se recusou à propositura da ação, mas,
deliberou acerca do melhor momento para o seu ajuizamento e, ante o caráter
extremo da medida, a melhor solução parece ser a prosseguimento do feito, até
que se configure eventual e própria recusa em agir ou intervir ou que se
evidencie que a atuação poderá comprometer a tutela dos direitos para os quais
o Ministério Público foi legitimado a agir.
13. Registro
que não houve uma discordância expressa quanto à necessidade da medida por
parte do órgão ministerial de execução, mas, isto sim, quanto ao momento mais
adequado à propositura da ação de destituição do poder familiar.
14. Se,
por um lado, o princípio hierárquico que anima toda e qualquer organização
administrativa – inclusive o Ministério Público – justifica o controle quando
da indevida negativa de atuação do membro do Parquet, é necessário que esta
reste devidamente caracterizada, sob pena de
configuração da usurpação de atribuição e consequentemente da própria
independência funcional, princípio institucional assentado no art. 127, § 1º,
da Constituição.
(...)
17. Tampouco
pode se dizer que o feito se encontrava maduro para o Ministério Público
ajuizar a ação de destituição do poder familiar, nos termos dos arts. 24, 155 e 201, III, da Lei n. 8.069/90. Havendo necessidade
da observância do prévio afastamento familiar corolário da medida de
acolhimento institucional mediante decisão judicial precedida do competente
contraditório e da ampla defesa, a perda do poder familiar, além de render-se
eventualmente a outras medidas preliminares solicitadas pelo Parquet, tem
cabimento disciplinado nos §§ 9º e 10 do mencionado art. 101, in verbis:
‘§ 9º. Em sendo constatada a
impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de
origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de
orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao
Ministério Público, no qual conste a descrição pormenorizada das providências
tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou
responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à
convivência familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição de
tutela ou guarda.
§ 10. Recebido o relatório, o
Ministério Público terá o prazo de 30 (trinta) dias para o ingresso com a ação
de destituição do poder familiar, salvo se entender necessária a realização de
estudos complementares ou outras providências que entender indispensáveis ao
ajuizamento da demanda’.
(...)
19. Diante do exposto, conheço da remessa, e deixo, pelo menos por ora,
de acolher as ponderações formuladas pelo douto Juiz de Direito, restituindo os
autos ao juízo de origem para o prosseguimento” (Protocolado n.
26.357/14).
Diante do exposto, não conheço da remessa.
Publique-se a ementa. Comuniquem-se o douto Juiz de Direito e o digno Promotor de Justiça, inclusive mediante peticionamento dos autos. Registre-se e providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 22 de agosto de
2018.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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