Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 14.341/18

(Ref. SIS MP 14.0723.0001510/2016-4)

Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Piracicaba – Patrimônio Público e Social

Suscitado: 12º Promotor de Justiça de Piracicaba – Curadoria das Fundações

 

Ementa:

1)    Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Piracicaba – Patrimônio Público e Social; Suscitado: 12º Promotor de Justiça de Piracicaba – Curadoria das Fundações.

2)    Inquérito civil instaurado para eventuais irregularidades na FUMEP – Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba, relacionadas com a alteração da natureza jurídica por meio do estatuto; má-gestão financeira no setor de compras; irregularidades praticadas por servidores; falta de transparência dos atos administrativos.

3)    A Fundação instituída pelo poder público, mesmo que ostente personalidade jurídica de direito privado, submete-se, ainda que parcialmente, ao regime jurídico de direito público, como, por exemplo, a obrigatoriedade de contratação por meio de concurso público; a fiscalização pelo Tribunal de Contas; a realização de licitação; a submissão ao teto constitucional, dentre outros. Atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

4)    Desnecessidade, ademais, de velamento na forma do Direito Privado, eis que tais entidades já se submetem à tutela administrativa do ente instituidor e à fiscalização financeira e orçamentária, nos termos dos artigos 49, X, 71, 165, § 5º, I, e 169, § 1º da CF. Atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social

5)    Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitante (8º Promotor de Justiça de Piracicaba) prosseguir na investigação e adotar as medidas pertinentes.

 

1)    Relatório.

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça de Piracicaba (Patrimônio Público e Social) e como suscitado o 12º Promotor de Justiça de Piracicaba (Curadoria das Fundações), relativamente ao feito em epígrafe (SIS MP 14.0723.0001510/2016-4).

Cuida-se de inquérito civil instaurado pela 12ª Promotoria de Justiça de Piracicaba, com atribuição para a Curadoria das Fundações, em razão de representação, cujo objeto é apurar irregularidades na Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba – FUMEP, relacionadas à: alteração da natureza jurídica por meio do estatuto; má-gestão financeira no setor de compras; irregularidades praticadas por servidores; falta de transparência dos atos administrativos.

O inquérito civil foi remetido à 8ª Promotoria de Justiça de Piracicaba, com atribuição na área do Patrimônio Público e Social, sob o fundamento de que “em razão da natureza pública do patrimônio da Fundação Municipal de Piracicaba e da sua integração à Administração Pública, esta Promotoria de Justiça de Fundação reconhece a ausência de atribuição legal para o velamento ou fiscalização desta, devendo-se remeter os autos à Promotoria do Patrimônio Público e Social.” (fls. 467/471).

A 8ª Promotoria de Justiça de Piracicaba suscitou o presente conflito de atribuições sob o fundamento de que “A Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba, embora instituída pelo Município de Piracicaba, presta serviço que pode e é explorado por pessoas jurídicas de direito privado, não se submete a regime de direito público e, portanto, não é pessoa jurídica de direito público. Basta ver, por exemplo, que o pessoal docente, técnico e administrativo é admitido pelo regime das leis trabalhistas, sem qualquer vinculação com os estatutos dos servidores municipais. Por outro lado, a fundação não recebe contribuição, auxílio ou subvenção do Poder Público” (fls. 480/483).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

A definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Cuida-se na hipótese de inquérito civil instaurado em razão representação encaminhada à Ouvidoria do Ministério Público (fls. 05/06), noticiando supostas irregularidades na Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba.

Há controvérsia nos autos acerca da natureza da personalidade jurídica da Fundação Municipal de Ensino de Piracicaba, pois, não obstante sua criação tenha sido atribuída personalidade de direito público, por meio da Lei Municipal n. 1.524/67, mantida pela Lei Municipal n. 5.684/2006, certo é que o Conselho Curador da Fundação alterou sua personalidade jurídica de direito público para direito privado, inclusive mediante alteração estatutária.

A controvérsia acerca da natureza da personalidade jurídica da entidade não interfere na solução deste conflito de atribuição.

Isto porque, ainda que a FUMEP seja considerada fundação municipal com personalidade jurídica de direito privado, a atribuição para a investigação também é da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

Com efeito, trata-se de fundação instituída pelo Município de Piracicaba, para prestação de serviços na área educacional, submetida, ainda que parcialmente[1], ao regime de direito público, inclusive realização de concursos públicos e contratação por meio de licitação.

Conforme destaca Irene Nohara, a partir da Constituição Federal de 1988 ficaram pacificadas algumas questões afetas a estas entidades criadas pelo poder público, quanto à derrogação do direito privado, notadamente a fiscalização pelo Tribunal de Contas; a vedação à acumulação de empregos; a submissão ao teto constitucional remuneratório; o enquadramento dos agentes como “funcionários públicos” para fins criminais, de impetração de mandados de segurança e ajuizamento de ação popular; obrigatoriedade de realização de concurso público; submissão à Lei de Licitações; imunidade tributária; extinção por lei e não na forma do direito privado.[2]

Em vista destas peculiaridades, destaca a doutrina a total desnecessidade do velamento destas Fundações, nos moldes do artigo 66 do Código Civil, pois, nas fundações públicas ou privadas, “instituídas pelo Poder Público, a autonomia da entidade não vai ao ponto de as desvincular inteiramente dos laços que a prendem ao ente instituidor; este se encarrega de manter essa vinculação por meio do controle interno (tutela) exercido pelos órgãos da Administração Direta”.[3]

Nesta ordem de ideais, se as fundações de direito privado, instituídas pelo poder público, além de não contemplarem fiscalização pela Curadoria das Fundações também se submetem, ainda que parcialmente, ao regime de direito público, notadamente a fiscalização pelo Tribunal de Contas, obrigatoriedade de contratação de funcionários por meio de concurso público, realização de licitações, dentre outros exemplos, é indubitável que a atribuição para a investigação e tomada de providências em vista de eventuais irregularidades nestas entidades é da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 8º Promotor de Justiça de Piracicaba a atribuição para oficiar no presente feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 05 de março de 2018.

 

Walter Paulo Sabella

Procurador-Geral de Justiça

-em exercício-

 

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[1] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. 29.ed. Rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 543: Todas as fundações governamentais, ainda que não integrando a Administração Pública, submetem-se, sob um ou outro aspecto, ao direito público; isto se verifica, em especial, no que se refere à fiscalização financeira e orçamentária (controle externo) e ao controle interno pelo Poder Executivo; (...) A posição da fundação governamental privada perante o Poder Público é a mesma das sociedades de economia mista e empresas públicas; todas elas são entidades públicas com personalidade jurídica de direito privado, pois todas elas são instrumentos de ação do Estado para a consecução de seus fins”.

[2] Nohara, Irene Patrícia. Direito administrativo. 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 590/591.

[3] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Op. cit. 545.