Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 14.733/18

Suscitante: 1ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba

 

 

 

Ementa:

1.          Conflito negativo de atribuições. Suscitante: DD. 1ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital; suscitado: DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba.

2.          Possíveis irregularidades na fixação dos limites de velocidade em trechos especificados de rodovia. Não configuração de dano regional.

3.          A extrapolação hipotética dos limites territoriais acerca do dano, ou seja, o fato da rodovia percorrer mais de um município, “per si” não é o suficiente para que o configure como regional e transfira sua investigação para Promotoria de Habitação e Urbanismo da Capital.

4.          Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

Vistos,

1) Relatório

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a DD. 1º Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, nos autos do procedimento investigatório MP nº43.0233.000268/2017-1, instaurado em face de representações que questionam os limites de velocidade definidos nos trechos especificados.

Ao analisar as representações, o 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba entendeu que a atribuição é da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, haja vista que “eventuais medidas não ficarão limitadas a este município, mas abrangerão todos aqueles que dela se utilizam, a exemplo do município de Paraibuna” (fl. 25).

Por sua vez, a 1ª Promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital entende que não restou configurado qualquer dano regional, “isso porque, em que pese as rodovias que figuram nas representações perpassarem por mais de um município, ainda que se apure a existência de dano e/ou irregularidades na fixação do limite de velocidade ou sinalização inadequada, como apontado nas representações, as providências a serem adotadas jamais serão homogêneas, pois cada trecho da rodovia deve respeitar as peculiaridades local, tais como presença de equipamentos urbanos (escola, creche, passarela, hospital, etc.) nas proximidades, condições geográficas, etc.

As providências a serem adotadas referente a um município podem não ser indicadas para outro, de modo que a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital não apresenta condições de verificar as peculiaridades técnicas de todos os trechos das rodovias, sendo atribuição das Promotorias locais apurar eventuais danos e irregularidades” (fl. 03 da representação).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

O conflito negativo de atribuições comporta admissibilidade.

No caso em análise, impende saber se há ou não dano de âmbito regional a legitimar a atuação da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

As regras de determinação da competência não valem apenas para a propositura de ações judiciais. Servem, também, como orientação para determinar o órgão competente para a instauração de inquérito civil e a realização de termo de ajustamento de conduta. Em respeito ao princípio do promotor natural, somente o promotor de justiça lotado no local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano ou o ilícito é que poderá instaurar inquérito civil para apuração dos fatos.

O tema da competência chegou a ser considerado o calcanhar-de-aquiles do direito processual civil coletivo, tamanha a discussão causada para delimitar os contornos da expressão “competência funcional” e danos de âmbito “nacional” ou “regional”.

Autorizada doutrina sustenta que a competência no processo coletivo adquire peculiaridades próprias quando comparada com o sistema tradicional do processo civil, “com autonomia praticamente completa e bases próprias para especificação” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: RT, 2002, p. 215).

Observou, com sensibilidade, Elton Venturi:

“De fato, seja em função da pouca clareza do tratamento legislativo dos critérios de fixação da competência, alicerçados em conceitos fluidos ou indeterminados (local do dano, dano local, dano regional, dano nacional), seja em função da natural problematização política que desperta, que motivou, inclusive, uma indevida porém intencional confusão entre os institutos da competência jurisdicional e da extensão subjetiva da coisa julgada, a competência jurisdicional para a tutela coletiva está a merecer análise aprofundada, tanto de lege lata como de lege ferenda” (VENTURI, Elton. Processo civil coletivo. A tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. Perspectivas de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, p.266).

O processo civil coletivo, portanto, não segue a regra tradicional do processo civil individual brasileiro, que somente admite a modificação da competência pela conexão nos casos de competência relativa, e não absoluta.

Com efeito, nada impede que a competência territorial seja qualificada como absoluta, sempre que haja um motivo de interesse público envolvido. Cabe ao direito positivo determinar os casos em que a competência é absoluta ou relativa, assim como determinar as hipóteses em que se permitirá sua modificação, uma vez que se trata de posicionamento jurídico-positivo e não lógico-jurídico.

No caso dos direitos transindividuais, pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido que a competência territorial se exprima como absoluta. Nas palavras de Proto Pisani:

“È chiaro che quando il legislatore prevede criteri di competenza per territorio inderogabili, manifesta l’esistenza di un interesse pubblicistico al rispetto di tali criteri.” (PISANI, Andrea Proto. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Quinta edizione. Napoli: Jovene, 2006, p. 272).

Na mesma linha, Leonel:

“Apenas a princípio a competência territorial tem natureza relativa, por ser determinada em função do interesse das partes. Quando determinada em função do interesse público, como quando é fixada pelas funções do juiz no processo ou por fases deste, ganha conotação funcional, tornando-se absoluta e improrrogável” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 217).

Justifica-se a opção pela competência absoluta pelas seguintes razões: a) facilitar a instrução probatória; b) permitir que a demanda seja julgada pelo juiz que de alguma forma teve contato com o dano ou ameaça de dano a direito transindividual.

Na hipótese em análise, o elemento central da investigação reside nas possíveis irregularidades na fixação dos limites de velocidade em trechos especificados da rodovia.

Nesse contexto, assiste razão à suscitante, quando afirma que não restou configurado qualquer dano regional.

De fato, o fato de as rodovias perpassarem por mais de um município, ainda que se apure a existência de dano e/ou irregularidades na fixação do limite de velocidade, as providências a serem adotadas jamais serão homogêneas e dependerão da análise das peculiaridades de cada trecho da rodovia.

Esta é a razão, aliás, da existência de limites de velocidade que se alternam ao longo da rodovia.

Também assiste razão à suscitante ao consignar que as providências a serem adotadas referente a um município podem não ser indicadas para outro.

Assim, a extrapolação hipotética dos limites territoriais acerca do dano, ou seja, o fato da rodovia percorrer mais de um município, “per si” não é o suficiente para que o configure como regional e transfira sua investigação para Promotoria de Habitação e Urbanismo da Capital.

3) Decisão

Posto isso, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 5 de março de 2018.

 

 

Walter Paulo Sabella

Procurador-Geral de Justiça

- em exercício –

ms