Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0016289/18

(Procedimento Administrativo Individual nº 36.0395.0000001/2018-9)

Suscitante: 9º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa da Saúde Pública)

Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa das Pessoas com Deficiência)

 

Ementa:

1.    Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 9º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa da Saúde Pública). Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa das Pessoas com Deficiência).

2.    Procedimento Administrativo Individual instaurado pelo 4º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa das Pessoas com Deficiência) para eventuais medidas de proteção a pessoa com deficiência que necessita de órtese negada pelo poder público.

3.      De acordo com a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência (ratificada pelo Decreto Legislativo nº 186/08 e promulgada pelo Decreto nº 6.949/09) e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/15, art. 2º) a definição de pessoa com deficiência não é estabelecida sob o ponto de vista exclusivo do impedimento (físico, mental, intelectual ou sensorial), mas sim pela existência de dificuldade, de longo prazo, que a impeça de se relacionar com o ambiente no qual se encontre.

4.    Inexistência de situação que justifique a atuação da Promotoria de Justiça de Saúde Pública. Demonstrados elementos que justificam o prosseguimento do acompanhamento do caso pela Promotoria de Justiça de Defesa das Pessoas com Deficiência

5.    Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

1)    Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD 9º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa da Saúde Pública) e como suscitado o DD  4º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa das Pessoas com Deficiência), em face da atribuição para dar prosseguimento a procedimento administrativo individual instaurado em face da negativa do poder público em fornecer órtese a pessoa com deficiência.

Verifica-se que o 4º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa das Pessoas com Deficiência) instaurou procedimento administrativo individual para apuração da negativa do poder público em fornecer órtese para o prosseguimento de tratamento a pessoa com deficiência. Durante a apuração, entendeu encaminhar os autos ao 9º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa da Saúde Pública) por entender que a questão estava relacionada ao fornecimento de insumo médico o que estaria dentro a área de atribuições da Promotoria de Justiça da Saúde Pública, colacionando entendimento do Conselho Superior do Ministério Público (fls. 18/20).

O 9º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa da Saúde Pública) ao receber os autos suscitou o presente conflito negativo de atribuições sustentando que a atribuição seria do suscitado, pois o interessado é pessoa com deficiência física e que a órtese por ele pretendida possui relação direta com sua deficiência, o que afasta a sua atribuição. (fls. 23/27).

É a síntese do necessário.

2) Fundamentação.

O conflito negativo de atribuições está configurado e, pois, comporta admissibilidade.

Verifica-se que a atuação do Ministério Público foi provocada pelo interessado ao qual foi prescrita órtese tipo mola de codvilla para membro inferior direito em decorrência de fratura de fêmur distal a esquerda, sendo o mesmo ainda portador de sequela de poliomielite.

Segundo o próprio interessado foi iniciada fisioterapia no CER de Praia Grande, mas sem possibilidade de dar sequência devido à necessidade da órtese não fornecida pelo poder público municipal. Segundo o interessado a órtese poderia ser fornecida pelo Hospital da Universidade de São Paulo de ribeirão Preto, porém, não obstante o transporte gratuito fornecido, não tem condições de arcar com outros gastos decorrentes dos deslocamentos.

Nos termos da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/15) o conceito de pessoa com deficiência, é o mesmo estabelecido pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007) e seu Protocolo Facultativo, que foram ratificados pelos Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 186/08, nos termos do art. 5º, § 3º da Constituição Federal e promulgados pelo Decreto nº 6.949/09.

Destaque-se que o novo diploma legal, espelhado na Convenção Internacional, trouxe relevante inovação de ordem principiológica, porquanto passou a estabelecer que a definição de pessoa com deficiência não deve ser analisada sob o ponto de vista único do impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial, isto é, com base exclusivamente na falta de um membro ou sentido, na existência de doença ou transtorno mental ou de atraso intelectual, mas sim pela presença de barreiras ou dificuldades que a impeçam de se relacionar, de se integrar na sociedade, isto é, de se ver incluída socialmente.

Atualmente, portanto, a definição de quem é ou não pessoa com deficiência se mede pelo grau de dificuldade para a inclusão social e não pela limitação de ordem física, mental, intelectual ou sensorial que o indivíduo possui.

Por isso, restou absolutamente superada a linha conceitual que norteava a legislação anterior, notadamente o Decreto nº 3.298/99, no sentido de definir a pessoa com deficiência com base apenas na patologia ou na incapacidade que apresenta, elencada em lei.

O novo conceito de pessoa com deficiência não estabelece causas, tendo conteúdo amplo, ligado à relação da pessoa com a deficiência que a acomete.

A proteção trazida pela Convenção Internacional e, agora, pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), passou a imprimir a marca da anormalidade não mais à pessoa e sim ao grau de dificuldade de sua interação com o ambiente na qual se encontre.

Assim, caso determinada pessoa não se encaixe em qualquer das causas elencadas no Decreto, não poderá de imediato ser desconsiderada como pessoa com deficiência, já que ela poderá se encaixar no conceito amplo da Convenção.

Além disso, a verificação da existência e do grau de dificuldade deverá ser feito em cada caso concreto. De fato, há pessoas que possuem algum tipo de impedimento de ordem física, mental, sensorial ou intelecutal, mas que não encontram nenhum tipo de barreira, problema de adaptação ou dificuldade de integração social, não podendo, por isso apenas, ser enquadradas no conceito de pessoa com deficiência.

De qualquer forma, não se nega que o interessado é pessoa com deficiência.

No entanto, não se vislumbra necessidade de investigação da questão relacionada à estrutura de atendimento de Saúde Pública no Município, pois a questão envolve fornecimento de órtese não usual.

A situação narrada é singular, relacionada a atendimento ocorrido de forma individual, sem possibilidade dela extrair ilações que poderiam ter eventualmente, projeção coletiva em decorrência com aspectos da deficiência estrutural do sistema de saúde local .

Embora possa haver sobreposição de atribuições de órgãos ministeriais de execução em relação às multifárias possíveis repercussões, em mais de uma área especializada de atuação, do mesmo fato, prepondera os aspectos relacionados à atuação da Promotoria de Justiça com atribuição na área da pessoa com deficiência

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça de Praia Grande (atribuições na área da Defesa das Pessoas com Deficiência), a atribuição para prosseguir na apuração.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 06 de fevereiro de 2018.

 

Walter Paulo Sabella

Procurador-Geral de Justiça

- em exercício -

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