Conflito de Atribuições
– Cível –
Protocolado nº
17.707/18
SIS MP nº
43.0695.0000059/2018.3
Suscitante:
9º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social da Capital
Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).
2. Peças de informação distribuídas livremente, extraídas de inquérito civil em tramitação, noticiando sucessivas contratações com dispensa de licitação pelo valor junto a determinada Diretoria Regional de Ensino, semelhantes àquelas já investigadas no inquérito civil originário.
3. No caso de conflito entre Promotores de Justiça dotados de idêntica atribuição, integrantes da mesma unidade especializada, curial siga a investigação sob o manto do mesmo membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão somente quando inconveniente ou se cuidar de fatos desconexos ou diversos. Mencionado entendimento permite que o fato seja apurado em sua completude, com a necessária coesão nas condutas adotadas pelo Ministério Público.
4. Elementos colhidos até o momento que evidenciam possível reiteração de conduta ilícita na mesma Diretoria Regional de Educação. Contextos fático e temporal conexos de modo a impor o critério da prevenção para determinar a atribuição do órgão ministerial, haja vista o proveito na obtenção de elementos probatórios e aproveitamento da instrução.
5. Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado) para continuar na apuração do inquérito civil.
Vistos,
1)
Relatório
Trata-se de conflito
negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 9º Promotor de Justiça do Patrimônio
Público e Social da Capital e, como suscitado, o 6º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital,
relativamente às peças de informação em epígrafe (SIS MP nº
43.0695.0000059/2018-3).
Conforme se verifica dos autos, o DD.
Promotor de Justiça suscitado determinou a extração de cópias de documentos
encartados no inquérito civil SIS MP nº 14.0739.0008700/2017-6, sob sua
condução, determinando distribuição livre na Promotoria do Patrimônio Público e
Social da Capital, “tendo em vista a
notícia de sucessivas contratações semelhantes da mesma DRE, com dispensa de
licitação pelo valor, conforme despacho proferido”.
As peças de informação foram então
distribuídas ao 9º Promotor de Justiça, ora suscitante, sob número de protocolo
247/2018, que entendeu não possuir atribuição para apreciação dos fatos
noticiados, já que o 6º Promotor de Justiça estaria prevento, dada a afirmada
semelhança com os fatos já investigados no inquérito civil mencionado.
Aduziu que conforme despacho que determinou
a extração de cópias e livre distribuição, o DD. Promotor de Justiça suscitado
reconheceu que referidas contratações são semelhantes àquelas já investigadas
no inquérito civil nº 14.0739.0008700/2017-6. Acrescentou, ainda, que não foi
especificado ou indicado quais as irregularidades verificadas nas citadas
cópias que justificasse sua livre distribuição. Afirmou, por fim, que se há
reconhecida semelhança entre as contratações, resta evidente a prevenção, ainda
que se reputasse conveniente a investigação em procedimento autônomo.
É o relato do necessário.
2)
Fundamentação
Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.
Insta considerar, inicialmente, que a reunião de
feitos em razão da prevenção decorrente da conexão ou continência tem como
razão de ser a economia processual, com o aproveitamento da prova, a maior
probabilidade de acerto na solução final, evitando-se conflitos lógicos entre
decisões.
Guardadas as devidas adaptações, essas ideias são
aplicáveis também às hipóteses de reunião de inquéritos civis por prevenção
decorrente de conexão ou continência, que tem por objetivo otimizar a investigação e, num segundo momento, evitar soluções logicamente
conflitantes nas eventuais ações civis públicas, ou mesmo diante da circunstância
de haver o membro do Ministério Público já apreciado questão relativa ao mesmo
objeto ou a ele conexo.
Pode-se mesmo afirmar, sem temor, que a conveniência é critério
determinante para aferir se, em determinada hipótese, deverá ou não ocorrer a
reunião de feitos conexos em razão da prevenção. Se uma de suas finalidades é a
economia processual, e se no caso específico esta não terá lugar, dever-se-á
evitar a reunião.
É bem verdade que boa parte da doutrina reconhece na
regra que prevê a reunião de feitos em razão da conexão ou continência uma
imposição, e não uma faculdade (Nesse sentido, v.g., Celso Agrícola Barbi, Comentários
ao CPC, vol.I, 11ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p.350, em
comentários ao art.105 do CPC; bem como Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de
Andrade Nery, Código de processo civil
comentado, 10ª ed., São Paulo, RT, 2008, p.362, nota n.7 ao art.105 do
CPC).
Mas, com o devido respeito, essa posição não pode ser
aplicada em termos absolutos. A interpretação das regras processuais e
procedimentais não pode perder de vista seus fins. Se a aplicação de uma norma
determinada leva a resultado diverso daquele que inspirou sua edição, deve ser
mitigada sua incidência.
Aliás, nesse sentido tem decidido o E. STJ, como se
infere do julgado cuja ementa segue transcrita, a título de exemplificação:
“Processo civil.
Conexão. Margem de discricionariedade do juiz. Sociedade de Economia Mista.
Competência da Justiça Estadual. Processamento do recurso. Não conhecimento.
Segundo orientação predominante, o art.105, CPC, deixa ao juiz certa margem de
discricionariedade na avaliação da intensidade da conexão, na gravidade
resultante da contradição de julgados e, até, na determinação da oportunidade
da reunião de processos (...) (STJ, RESP 5.270/SP, 4ªT., rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 11.2.1992, DJU
16.3.1992, p.3100).
Essa é, também, a essência do fundamento que ensejou a
edição da súmula acima mencionada, no E. STJ:
“Súmula nº 235: A conexão não determina a reunião dos
processos se um deles já foi julgado”.
A interpretação sistemática também legitima tal
conclusão. Sabe-se que um dos fundamentos do litisconsórcio é, em observação
singela, a conexão entre as demandas cumuladas pelos litisconsortes. Em outras
palavras, fossem elas propostas separadamente, seria, em tese, viável a
reunião, desde que identificada a conexão. Entretanto, a lei abre ensejo para
solução contrária, na hipótese do denominado “litisconsórcio multitudinário”,
previsto no art. 46, parágrafo único, do CPC. Como prevê referido dispositivo,
“o juiz poderá limitar o litisconsórcio
facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida
solução do litígio ou dificultar a defesa”.
Defendendo o acerto do legislador ao prever a
possibilidade de limitação ao litisconsórcio, pondera Cândido Rangel Dinamarco
que “a conveniência do cúmulo termina,
porém, onde começam os embaraços mais graves, que o número muito grande de litisconsortes
pode ocasionar” (Litisconsórcio,
3ª ed., São Paulo, Malheiros, 1994, p.347).
Assim, é possível afirmar, por identidade de razões,
que se a reunião de procedimentos investigatórios ou de ações conexas levará à
inviabilidade do proveito prático desejado, dever-se-á evitar a junção de
feitos. Também a interpretação analógica e extensiva levaria à solução aqui
propugnada, bastando consultar a solução contida, ao propósito, na legislação
processual penal.
Conexão e continência são determinantes da reunião de
feitos criminais, com ressalvas, contudo, que incluem a conveniência (cf. art.80
e 82 do CPP). Tais ideias, singelamente alinhavadas, são inteiramente
aplicáveis à análise da pertinência da reunião, ou não, de investigações civis
a respeito de casos que apresentem, em maior ou menor grau, conexão de qualquer
sorte, ainda que probatória.
Em síntese: (a) a regra da prevenção, como forma de
definição de competência jurisdicional ou atribuição de órgãos ministeriais não
é absoluta; (b) sua aplicação não pode descurar de valores mais relevantes, em
especial, a preservação da garantia da inamovibilidade, e a regra do promotor
natural; (c) não se deve promover a reunião de feitos por prevenção quando isso
significar, em prognóstico formulado com amparo em peculiaridades do caso
concreto, risco de maiores dificuldades que vantagens tanto para a
investigação, como para ulterior ação em juízo.
A contrario
sensu, quando não presentes no caso concreto referidas circunstâncias, a
reunião de feitos deve ocorrer, decorrendo daí a conclusão de que, na hipótese
em exame, a atribuição para a investigação é do suscitado.
De fato, a justificativa para a extração de cópias e a
análise de seu conteúdo aponta para a existência de condutas repetidas na mesma
Diretoria Regional de Ensino, com sucessivas contratações com dispensa de
licitação, passíveis de apresentar irregularidades. Menciona-se a existência de
verdadeiro “esquema”, liderado por funcionário público, que seria responsável
pela fiscalização dos serviços prestados, liberação de pagamentos e recebimento
de propina.
Não há, portanto, como se deixar de reconhecer a
conexão entre as contratações supostamente ilícitas realizadas na DRE.
Sob a ótica da otimização da apuração, economia
processual, aproveitamento e facilidade na obtenção da prova é razoável,
conveniente e oportuno que a investigação prossiga com o suscitado, haja vista
que deterá pleno conhecimento dos fatos conexos objeto de cada investigação.
Não é caso de afastamento da conexão como critério
para dirimir o presente conflito, pois o importante ao conferir a atribuição
para a investigação ao suscitante reside nos benefícios para a apuração
decorrente da reunião de informações e elementos em único órgão.
Milita em prol desta tese o art. 22 do Ato Normativo
n. 484/06, e grosso modo a decisão
precedente invocada, cuja ementa é a seguir transcrita:
“Conflito negativo de atribuições. Inquérito
Civil. Fraude em hastas públicas com recebimento de vantagem ilícita. Conflito
entre membros da mesma Promotoria de Justiça Especializada. Prevenção.
Atribuição do suscitado. 1.
Havendo identidade de fatos e de qualificação jurídica, a prevenção é critério
racional determinante da atribuição. 2.
Se a investigação para sua eficiência merece ser ou não desmembrada para o
alcance de outras situações conexas envolvendo as pessoas físicas e jurídicas
investigadas ou para a subsunção a outras figuras de enriquecimento ilícito ou
a outras espécies de atos de improbidade administrativa em concurso ou não, não
consulta ao interesse público que o desmembramento desafie a prevenção nem a
eficiência que a visão macroscópica, concentrada e uniforme produz tanto no
aspecto da instrução quanto no atinente à formação da convicção. 3. Conflito dirimido, declarando-se a
atribuição do suscitado” (Protocolado n. 184.185/14).
No caso de conflito entre Promotores de Justiça
dotados de idêntica atribuição, integrantes da mesma unidade especializada, a
análise conjugada dessas regras abona a reunião da investigação, desmembrada ou
não, no mesmo membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão quando
inconveniente ou se cuidar de fatos desconexos ou diversos.
2)
Decisão.
Diante do exposto, conheço do presente conflito
negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 6º Promotor de Justiça
do Patrimônio Público e Social da Capital prosseguir na investigação, em seus
ulteriores termos.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se
os autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao
Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São
Paulo, 09 de março de 2018.
Walter Paulo Sabella
Procurador-Geral de Justiça
- em exercício –
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