Embargos Declaratórios Administrativos

Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0033562/18

Embargante: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

Embargado: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital

 

 

Ementa:

1.      Embargos Declaratórios Administrativos em Conflito de Atribuições. Alegação de omissão ou obscuridade. Pretensão de esclarecimento acerca da inobservância do art. 17, § 5° da Lei nº 8.429/1992, que estabelece a prevenção do juízo quando proposta a ação civil pública.

2.      Ausentes quaisquer das hipóteses do art. 1.022 do Código de Processo Civil/2015. Inexistência de omissão.

3.      Embargos de declaração com caráter de infringência. Ausência de objetivo de integração, mas de substituição do julgado. Via inadequada para a finalidade de reapreciar a quaestio juris solucionada. Inteligência do artigo 1.022 do CPC.

4.       Inquéritos civis instaurados com contexto fático e temporal desconexos de modo a afastar o critério da prevenção para determinar a atribuição do órgão ministerial, haja vista não existência de proveito na obtenção de elementos probatórios e aproveitamento da instrução.

5.      Rejeição dos Embargos.

Vistos,

1)  Relatório.

Trata-se de embargos de declaração administrativos opostos em face da decisão que dirimiu o conflito positivo de atribuições provocado pelo DD 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital em que figura como suscitado o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital.

Sustenta o embargante que a decisão seria omissa e obscura, devendo ser esclarecida para explicar melhor a ausência de seguimento da norma legal para a espécie (art. 17, § 5º da Lei nº 8.429/1992).

É o relato do essencial.

2)  Fundamentação.

A decisão que dirimiu o conflito de atribuições não apresenta omissão, obscuridade ou contradição.

A alegada prevenção do embargante decorria de sua atuação em procedimento anterior relativo, aparentemente, a mesma obra pública, onde após apuração sumaria de fatos diversos, foi determinado o arquivamento.

Tal prevenção foi afastada de forma fundamentada, não havendo omissão ou obscuridade na decisão.

Ficou consignado na decisão que a reunião de feitos em razão da prevenção, decorrente da conexão ou continência, tem como razão de ser a economia processual, com o aproveitamento da prova, a maior probabilidade de acerto na solução final, e evitarem-se conflitos lógicos entre decisões.

Na hipótese diante do objeto e circunstâncias da apuração realizada pelo embargante, nem proveito haveria para fins de otimização da investigação e evitar soluções logicamente conflitantes nas eventuais ações civis públicas, a determinação de sua atribuição por prevenção.

Ficou ainda consignado que:

(...)

a conveniência é critério determinante para aferir se, em determinada hipótese, deverá ou não ocorrer a reunião de feitos conexos em razão da prevenção. Se uma de suas finalidades é a economia processual, e se no caso específico esta não terá lugar, dever-se-á evitar a reunião.

É bem verdade que boa parte da doutrina reconhece na regra que prevê a reunião de feitos em razão da conexão ou continência uma imposição, e não uma faculdade (Nesse sentido, v.g., Celso Agrícola Barbi, Comentários ao CPC, vol.I, 11ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p.350, em comentários ao art.105 do CPC; bem como Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, 10ª ed., São Paulo, RT, 2008, p.362, nota n.7 ao art.105 do CPC).

Mas, com o devido respeito, essa posição não pode ser aplicada em termos absolutos. A interpretação das regras processuais e procedimentais não pode perder de vista seus fins. Se a aplicação de uma norma determinada leva a resultado diverso daquele que inspirou sua edição, deve ser mitigada sua incidência. Nesse sentido, pondera Patrícia Miranda Pizzol, ao comentar o art.105 do CPC, afirmando que a não observância da regra determinante da reunião de feitos conexos não deve levar ao reconhecimento de qualquer vício processual, “se o tribunal verificar que, muito embora havendo conexão, a sentença proferida, por seu conteúdo, não tem o condão de causar lesão às partes, uma vez que não há o risco de julgados contraditórios, o pronunciamento não deverá ser anulado. Pode-se fundamentar o entendimento ora esposado no princípio da instrumentalidade das formas, bem como na súmula nº 235 do STJ” (Código de Processo civil interpretado, coord. Antônio Carlos Marcado, São Paulo, Atlas, 2004, p.301).

Aliás, nesse sentido tem decidido o E. STJ, como se infere do julgado cuja ementa segue transcrita, a título de exemplificação:

 “Processo civil. Conexão. Margem de discricionariedade do juiz. Sociedade de Economia Mista. Competência da Justiça Estadual. Processamento do recurso. Não conhecimento. Segundo orientação predominante, o art.105, CPC, deixa ao juiz certa margem de discricionariedade na avaliação da intensidade da conexão, na gravidade resultante da contradição de julgados e, até, na determinação da oportunidade da reunião de processos (...) (STJ, RESP 5.270/SP, 4ªT., rel. Min. Sálvio  de Figueiredo Teixeira, j. 11.2.1992, DJU 16.3.1992, p.3100).

            Essa é, também, a essência do fundamento que ensejou a edição da súmula acima mencionada, no E. STJ:

“Súmula nº235: A conexão não determina a reunião dos processos se um deles já foi julgado”.

A interpretação sistemática também legitima tal conclusão. Sabe-se que um dos fundamentos do litisconsórcio é, em observação singela, a conexão entre as demandas cumuladas pelos litisconsortes. Em outras palavras, fossem elas propostas separadamente, seria, em tese, viável a reunião, desde que identificada a conexão. Entretanto, a lei abre ensejo para solução contrária, na hipótese do denominado “litisconsórcio multitudinário”, previsto no art.46 parágrafo único do CPC. Como prevê referido dispositivo, “o juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa”.

Defendendo o acerto do legislador ao prever a possibilidade de limitação ao litisconsórcio, pondera Cândido Rangel Dinamarco que “a conveniência do cúmulo termina, porém, onde começam os embaraços mais graves, que o número muito grande de litisconsortes pode ocasionar” (Litisconsórcio, 3ªed., São Paulo, Malheiros, 1994, p.347).

Assim, é possível afirmar, por identidade de razões, que se a reunião de procedimentos investigatórios ou de ações conexas levará à inviabilidade do proveito prático desejado, dever-se-á evitar a junção de feitos. Também a interpretação analógica e extensiva levaria à solução aqui propugnada, bastando consultar a solução contida, ao propósito, na legislação processual penal.

Conexão e continência são determinantes da reunião de feitos criminais, com ressalvas, contudo, que incluem a conveniência (cf. art.80 e 82 do CPP). Tais ideias, singelamente alinhavadas, são inteiramente aplicáveis à análise da pertinência da reunião, ou não, de investigações civis a respeito de casos que apresentem, em maior ou menor grau, conexão de qualquer sorte, ainda que probatória.

Em outros termos, poder-se-ia argumentar que a reunião em um só procedimento acabaria por trazer benefícios à investigação, eventualmente facilitando a prova do pagamento de propina.

Em síntese: (a) a regra da prevenção, como forma de definição de competência jurisdicional ou atribuição de órgãos ministeriais não é absoluta; (b) sua aplicação não pode descurar de valores mais relevantes, em especial a preservação da garantia da inamovibilidade, e a regra do promotor natural; (c) não se deve promover a reunião de feitos por prevenção quando isso significar, em prognóstico formulado com amparo em peculiaridades do caso concreto, risco de maiores dificuldades que vantagens tanto para a investigação, como para ulterior ação em juízo.

Ficou, portanto, bem esclarecida na decisão o motivo da não aplicação da regra da prevenção prevista no do art. 17, § 5° da Lei nº 8.429/1992.

O IC nº 110/2009, no qual se ampara o suscitante para afirmar a sua prevenção, tem com os IC nº 1.120/2010 (e respectiva ACP nº 0041369-29.2011.8.26.0053) e IC nº 359/2017, como único ponto em comum o edital de concorrência nº 41428212, o que não é suficiente para afirmar a prevenção.

Assim, não se vislumbra na decisão que dirimiu o conflito qualquer contradição, omissão, erro material ou obscuridade a ser declarada, pois foi extensiva e clara ao analisar a matéria envolvida no conflito, cujos fundamentos adotados como razão de decidir estão expressamente consignados, sobretudo no que se refere ao afastamento da alegada prevenção do embargante. Nesse diapasão, se reconhece o inequívoco caráter infringente do recurso em tela, de manifesto inconformismo com o então pronunciado, tudo absolutamente incompatível com a natureza e finalidade dos embargos declaratórios.

Com efeito, consoante o julgado do Colendo Supremo Tribunal Federal:

“o recurso de embargos de declaração não tem cabimento quando, a pretexto de esclarecer uma inocorrente situação de obscuridade, contradição ou omissão do acórdão, vem a ser utilizado com o objetivo de infringir o julgado” (RT 779/157, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

3)  Decisão.

Diante do exposto, inexistindo omissão ou obscuridade na decisão que dirimiu o conflito, rejeita-se os presentes embargos de declaração.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se.

São Paulo, 18 de abril de 2018.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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