Conflito de Atribuições – Cível

 

Procedimento SEI nº 29.0001.0023785.2019-47

Peça de Informação nº 66.0187.0000320.2019-2

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Americana (atribuição na área da Saúde Pública)

Suscitado: Promotor de Justiça de Direitos Humanos – Saúde Pública da Capital

 

Ementa:

1)    Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Americana (atribuição na área da Saúde Pública). Suscitado: Promotor de Justiça da Saúde Pública da Capital.

2)    Procedimento investigatório instaurado a partir de determinação judicial nos autos de ação civil pública ajuizada pelo suscitante, diante da notícia do Departamento Regional de Saúde da Região de Campinas (DRS-VII) quanto à existência de fila de espera de pacientes aguardando liberação de vagas na especialidade de urologia cirúrgica oncológica, com insuficiente oferta de vagas pela rede estadual de saúde.

3)    Conflito negativo suscitado, em razão de possível dano regional (artigo 93, II, do CDC), considerando que a lesão se refere a usuários do Sistema único de Saúde (SUS) de diversos municípios da região de Campinas.

4)    Inexistência de Promotoria de Justiça Regional de Defesa da Saúde Pública e suposta deficiência na prestação de serviço público de saúde que não se encontra circunscrito ao âmbito da Promotoria de Justiça de Americana, justificando o prosseguimento das investigações pela Promotoria de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública) da capital.

5)    Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do suscitado na investigação.

Vistos,

1)    RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º. Promotor de Justiça de Americana (com atribuição na área da Saúde Pública), e como suscitado o DD. Promotor de Justiça de Direitos Humanos – Saúde Pública da Capital.

O expediente foi instaurado inicialmente na 1º Promotoria de Justiça de Americana, autuado como peças de informação, em razão de determinação judicial nos autos da Ação Civil Pública nº 1000097-62.2019.8.26.0019 (2ª. Vara Cível da Comarca de Americana), ajuizada pelo suscitante, em favor do paciente Marco Antonio Ferreira Lima, diante da notícia por parte da DRS-VII (Departamento Regional de Saúde da Região de Campinas) quanto a ausência de vagas de atendimento para 54 pacientes que necessitam de cirurgia urológica oncológica, com esclarecimento de que são oferecidas 4 (quatro) vagas por mês na PUCC, o que seria insuficiente para o atendimento da demanda de saúde considerada de natureza urgente e prioritária.

Posteriormente foram os autos encaminhados pelo suscitante ao Centro de Apoio Operacional Cível de Tutela Coletiva (Direitos Humanos – Saúde Pública), que por sua vez os encaminhou a Promotoria de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública) da Capital, argumentando tratar-se de questão regional (fl. 17).

O DD. Promotor de Justiça da Saúde Pública da Capital, ora suscitado, restituiu o expediente ao suscitante justificando que tal promotoria possui atribuição apenas para fiscalizar os serviços de saúde localizados no município de São Paulo, afetos à DRS-I, ou aferir danos que tenham caráter regional global, atingindo todo o estado de São Paulo e não apenas uma determinada região (cf. fls. 14/16)

Ao suscitar conflito negativo, o DD. 1º. Promotor de Justiça de Americana salientou que a questão deve ser examinada no plano estadual, enfatizando que:

“(...)

Ora, a omissão do Estado de São Paulo, na hipótese, privando ou dificultando o acesso à saúde, especificamente a liberação de vagas na especialidade de urologia oncológica, para paciente da região da DRS-VII – Campinas, que abrange 42 municípios, sem previsão minimamente razoável de atendimento, inegavelmente constitui dano de caráter regional.

Por isso, a atribuição é, efetivamente, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos da Capital, que se nega a adotar as providências que o caso requer.

 (...)”

É o relato do essencial.

2)    FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como já relatado, o presente expediente foi instaurado inicialmente na 1ª Promotoria de Justiça de Americana, com a finalidade de apurar notícia da DRS-VII (região de Campinas) quanto a insuficiência de disponibilização pelo Estado de cirurgias urológicas oncológicas, para 54 pacientes que aguardam em fila de espera, cuja disponibilização de atendimentos seria de 4 vagas por mês na PUCC.

 De fato, necessário investigar essa insuficiência na prestação de serviço público de saúde aos pacientes oncológicos, por parte da Secretaria Estadual de Saúde, não estando a questão circunscrita ao âmbito da Promotoria de Justiça Suscitante.

Não obstante se trate de deficiência na prestação de serviço público de saúde da região de Campinas, importante destacar que inexistem Promotorias de Justiça Regionais especializadas em tal matéria, caracterizando-se hipótese de dano regional ou estadual, a sinalizar para a atuação do Promotor de Justiça da Capital, com amparo na aplicação analógica do art. 93, II, da Lei n. 8.078/90.

O artigo 93, do Código de Defesa do Consumidor foi assim redigido:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local;

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Ordinariamente, portanto, é o caso de aplicação do disposto no artigo 93, inciso II, do CDC. Recorro aos fundamentos lançados em anterior solução de conflito negativo de atribuição (Protocolado 86.303/15):

“14.             Bem por isso decidi em outra oportunidade que ‘a atribuição do órgão do MP segue a competência jurisdicional do art. 93, II, CDC’ (Protocolado n. 19.816/14). Destaco desse precedente o seguinte excerto de sua fundamentação:

‘7.               Em tema de competência jurisdicional assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça sobre dano regional:

‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.

1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).

2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.

3. Recurso especial não provido’ (RT 909/483).

8.                E em se tratando de dano nacional, a Corte Federal decidiu que:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.

1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR’ (STJ, CC 112.235-DF, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 09-02-2011, v.u., DJe 16-02-2011).

9.                Anoto que a competência do art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor tem natureza absoluta enquanto a do art. 93, II, do codex, é de caráter relativo, como assentado em outro aresto:

‘(...) muito embora o inciso II do art. 93 do CDC tenha criado uma vedação específica, de natureza absoluta – não podendo o autor da ação civil pública ajuizá-la em uma comarca do interior, por exemplo -, a verdade é que, entre os foros absolutamente competentes, como entre o foro da capital do Estado e do Distrito Federal, há concorrência de competência, cuidando-se, portanto, de competência relativa. (...)’ (RDDP 91/123).

Por tais razões, deverá a investigação prosseguir sob a responsabilidade do suscitado, para que se apure a deficiência na prestação do serviço público de saúde no âmbito regional, que não se circunscreve apenas ao âmbito da Promotoria de Justiça Suscitante.

3)    DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. Promotor de Justiça de Direitos Humanos – Saúde Pública da Capital, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 21 de maio de 2019.

                           

              Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

kb