Conflito
de Atribuições – Cível
Protocolado nº 0044954/18 (MP nº 43.0712.0001834/2018-7)
Suscitante: 15º Promotor de Justiça de Sorocaba
Suscitado: 14º Promotor de Justiça de Sorocaba
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (suscitante) e 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (suscitado)
2. Representação para apurar a responsabilidade das empresas envolvidas nas irregularidades nos contratos de merenda escolar no município. No caso de conflito entre Promotores de Justiça dotados de idêntica atribuição, integrantes da mesma unidade especializada, curial siga a investigação sob o manto do mesmo membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão somente quando inconveniente ou se cuidar de fatos desconexos ou diversos. Mencionado entendimento permite que o fato seja apurado em sua completude, com a necessária coesão nas condutas adotadas pelo Ministério Público.
3. A questão envolvendo suscitante e suscitado foi dirimida no conflito negativo de atribuições nº 3113/2018. Eventual declínio de atribuição para o Ministério Público Federal não retira do suscitado a atribuição para presidir a presente investigação, dando-lhe o destino que entender pertinente
4. Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do 14º Promotor de Justiça de Sorocaba (suscitado).
Vistos.
1.
Relatório.
Trata-se de conflito
negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba e
como suscitado o DD. 14º Promotor de
Justiça de Sorocaba, nos autos da Representação Civil n.
43.0712.0001834/2018-7.
Conforme Ofício n. 051/2018-14ª PJ, o 14ª Promotor de Justiça de Sorocaba encaminhou
ao Promotor de Justiça Secretário da Promotoria de Justiça Cível de Sorocaba
cópia integral do processo administrativo n. 2017/037.631-3 e apenso
n.2018/000.166-1, para fins de distribuição a uma das Promotorias de Justiça do
Patrimônio Público de Sorocaba (fl. 02).
Providenciada a distribuição (fl. 35), o 15º Promotor de Justiça de Sorocaba
suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 39/45), arguindo, em síntese,
que o suscitado deveria seguir com a investigação, porque houve cisão
voluntária do fato pelo Promotor de Justiça natural; assenta “parecer mesmo não
fazer sentido, que quanto aos mesmos fatos, a responsabilidade de metade dos réus
seja apurada por um PJ, e a da outra metade por outro, em especial quando o que
primeiro teve contato já cuidou de produzir instrução e até manejar ACP”.
É o relato do essencial.
2.
Fundamentação
Assiste razão ao suscitante.
Como se sabe, no processo jurisdicional,
a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos
da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a
repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria
geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição
e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência
no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção
Neves, Competência no processo civil,
São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Ora, se para a identificação do
órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei
processual estabelece, a priori,
critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que
o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com
atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso
concreto.
Insta considerar, inicialmente,
que a reunião de feitos em razão da prevenção decorrente da conexão ou
continência tem como razão de ser a economia processual, com o aproveitamento
da prova, a maior probabilidade de acerto na solução final, evitando-se
conflitos lógicos entre decisões.
Guardadas as devidas adaptações,
essas ideias são aplicáveis também às hipóteses de reunião de inquéritos civis
por prevenção decorrente de conexão ou continência, que tem por objetivo otimizar a investigação e, num segundo
momento, evitar soluções logicamente conflitantes nas eventuais ações civis
públicas, ou mesmo diante da circunstância de haver o membro do Ministério
Público já apreciado questão relativa ao mesmo objeto ou a ele conexo.
No mesmo diapasão, o pensamento
clássico externado por Giuseppe Chiovenda (Instituições de direito processual civil,
2ºvol., 2ªed., trad. J. Guimarães Menegale, São
Paulo, Saraiva, 1965, p.215 e ss), ressaltando,
entretanto, a imposição de limites sistemáticos à união de feitos, como por
exemplo, na hipótese em que um dos
feitos tramita em segundo grau de jurisdição (op. cit., p.224).
Pode-se mesmo afirmar, sem temor,
que a conveniência é critério
determinante para aferir se, em determinada hipótese, deverá ou não ocorrer a
reunião de feitos conexos em razão da prevenção. Se uma de suas finalidades é a
economia processual, e se no caso específico esta não terá lugar, dever-se-á
evitar a reunião.
É bem verdade que boa parte da
doutrina reconhece na regra que prevê a reunião de feitos em razão da conexão
ou continência uma imposição, e não uma faculdade (Nesse sentido, v.g., Celso Agrícola Barbi, Comentários ao CPC, vol.I,
11ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p.350, em comentários ao art.105 do CPC;
bem como Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de processo civil comentado, 10ª ed., São Paulo, RT, 2008,
p.362, nota n.7 ao art.105 do CPC).
Mas, com o devido respeito, essa
posição não pode ser aplicada em termos absolutos. A interpretação das regras
processuais e procedimentais não pode perder de vista seus fins. Se a aplicação
de uma norma determinada leva a resultado diverso daquele que inspirou sua
edição, deve ser mitigada sua incidência. Nesse sentido, pondera Patrícia
Miranda Pizzol, ao comentar o art.105 do CPC,
afirmando que a não observância da regra determinante da reunião de feitos
conexos não deve levar ao reconhecimento de qualquer vício processual, “se o tribunal verificar que, muito embora
havendo conexão, a sentença proferida, por seu conteúdo, não tem o condão de
causar lesão às partes, uma vez que não há o risco de julgados contraditórios,
o pronunciamento não deverá ser anulado. Pode-se fundamentar o entendimento ora
esposado no princípio da instrumentalidade das formas, bem como na súmula nº
235 do STJ” (Código de Processo civil
interpretado, coord. Antônio Carlos Marcado, São Paulo, Atlas, 2004,
p.301).
Aliás, nesse sentido tem decidido
o E. STJ, como se infere do julgado cuja ementa segue transcrita, a título de
exemplificação:
“Processo civil. Conexão. Margem de discricionariedade
do juiz. Sociedade de Economia Mista. Competência da Justiça Estadual.
Processamento do recurso. Não conhecimento. Segundo orientação predominante, o
art.105, CPC, deixa ao juiz certa margem de discricionariedade na avaliação da
intensidade da conexão, na gravidade resultante da contradição de julgados e,
até, na determinação da oportunidade da reunião de processos (...) (STJ, RESP
5.270/SP, 4ªT., rel. Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira, j. 11.2.1992, DJU 16.3.1992, p.3100).
Essa é, também, a essência do
fundamento que ensejou a edição da súmula acima mencionada, no E. STJ:
“Súmula
nº 235: A conexão não determina a reunião dos processos se um deles já foi
julgado”.
A interpretação sistemática
também legitima tal conclusão. Sabe-se que um dos fundamentos do litisconsórcio
é, em observação singela, a conexão entre as demandas cumuladas pelos
litisconsortes. Em outras palavras, fossem elas propostas separadamente, seria,
em tese, viável a reunião, desde que identificada a conexão. Entretanto, a lei
abre ensejo para solução contrária, na hipótese do denominado “litisconsórcio
multitudinário”, previsto no art. 46, parágrafo único, do CPC. Como prevê
referido dispositivo, “o juiz poderá
limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando
este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa”.
Defendendo o acerto do legislador
ao prever a possibilidade de limitação ao litisconsórcio, pondera Cândido
Rangel Dinamarco que “a conveniência do cúmulo termina, porém, onde começam os embaraços mais
graves, que o número muito grande de litisconsortes pode ocasionar” (Litisconsórcio, 3ªed., São Paulo,
Malheiros, 1994, p.347).
Assim, é possível afirmar, por
identidade de razões, que se a reunião de procedimentos investigatórios ou de
ações conexas levará à inviabilidade do proveito prático desejado, dever-se-á
evitar a junção de feitos. Também a interpretação analógica e extensiva levaria
à solução aqui propugnada, bastando consultar a solução contida, ao propósito,
na legislação processual penal.
Conexão e continência são
determinantes da reunião de feitos criminais, com ressalvas, contudo, que
incluem a conveniência (cf. art.80 e 82 do CPP). Tais ideias, singelamente
alinhavadas, são inteiramente aplicáveis à análise da pertinência da reunião,
ou não, de investigações civis a respeito de casos que apresentem, em maior ou
menor grau, conexão de qualquer sorte, ainda que probatória.
Em síntese: (a) a regra da
prevenção, como forma de definição de competência jurisdicional ou atribuição
de órgãos ministeriais não é absoluta; (b) sua aplicação não pode descurar de
valores mais relevantes, em especial, a preservação da garantia da
inamovibilidade, e a regra do promotor natural; (c) não se deve promover a
reunião de feitos por prevenção quando isso significar, em prognóstico
formulado com amparo em peculiaridades do caso concreto, risco de maiores
dificuldades que vantagens tanto para a investigação, como para ulterior ação
em juízo.
Daí a conclusão de que, na
hipótese em exame, a atribuição para a investigação é do suscitado.
De fato, do cotejo entre os fatos
apurados no presente inquérito civil e aquele objeto da Ação Civil Pública não
há como se deixar de reconhecer a conexão entre eles (mesmo que tenha havida
posterior declínio de atribuição).
Sob a ótica da otimização da
apuração, economia processual, aproveitamento e facilidade na obtenção da prova
é razoável, conveniente e oportuno que a investigação prossiga com o suscitado,
haja vista que detém pleno conhecimento dos fatos conexos objeto da ação civil
pública e que determinaram também a instauração do processo administrativo na
Corregedoria Geral do Município que ocasionou a presente representação.
No caso de conflito entre
Promotores de Justiça dotados de idêntica atribuição, a análise conjugada
dessas regras abona a reunião da investigação, desmembrada ou não, no mesmo
membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão quando inconveniente
ou se cuidar de fatos desconexos ou diversos.
Registro, por derradeiro, que este
entendimento guarda sintonia com precedente cuja ementa é a seguinte:
“1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça do
Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 7º Promotor de Justiça do
Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).
2) Inquérito civil com objeto amplo. Desmembramento, para apuração de
parte do objeto já investigado.
3) Adequada exegese da garantia da inamovibilidade e do princípio do
promotor natural. Regra procedimental que prevê a distribuição, como mecanismo
de preservação da garantia e do princípio acima referidos.
4) Relatividade da diretriz de reunião de feitos em decorrência da
conexão. Possibilidade de
desmembramento, por conveniência da investigação, prosseguindo em cada
inquérito civil a apuração de fatos diversos.
5) Prevenção, nos termos do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual
nº 734/93, do órgão de execução que já vinha investigando os fatos objeto do
inquérito civil desmembrado.
6)
Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao suscitado prosseguir na
apuração” (Protocolado n. 133.825/09).
Esta orientação, inclusive, foi reafirmada (Protocolados nº
174.798/13 e nº 98997/15).
Assim, de rigor, que a investigação prossiga sob a
presidência do suscitado.
A questão foi solucionada em assunto
similar envolvendo suscitante e suscitado (conflito
negativo de atribuições nº 3113/2018).
Por
final, é importante registrar que eventual declínio de atribuição para o
Ministério Público Federal não retira do suscitado a atribuição para presidir a
presente investigação, dando-lhe o destino que entender pertinente.
3. Decisão.
Diante do exposto, conheço do
presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 14º
Promotor de Justiça de Sorocaba prosseguir na investigação, em seus ulteriores
termos.
Publique-se. Comunique-se.
Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa de
cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva.
São
Paulo, 20 de maio de 2019.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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