Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado nº 89.274/18

MP nº 38.0167.0004215/2018-5

Suscitante: 12º Promotor de Justiça Cível de Santo Amaro

Suscitado: 1º Promotor de Justiça Cível de São Bernardo do Campo

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 12º Promotor de Justiça Cível de Santo Amaro. Suscitado: 1º Promotor de Justiça Cível de São Bernardo do Campo

2.      Apuração de violação de direito individual de pessoa vulnerável, atualmente considerado incapaz aos atos da vida civil, sem domicilio certo, precariamente internada em hospital de São Bernardo do Campo.

3.      Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado –1º Promotor Civel de São Bernardo do Campo prosseguir com a investigação, em seus ulteriores termos.

Vistos,

1.   Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 12º Promotor de Justiça Cível de Santo Amaro e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça Cível de São Bernardo do Campo.

Segundo consta, trata-se de procedimento que visa apurar a situação de Sidney A. S., pessoa internada na Santa Casa de São Bernardo do Campo, com 35 anos de idade, em situação de vulnerabilidade, com déficit cognitivo e intelectual.

O procedimento de acompanhamento da situação de Sidney foi instaurado inicialmente na Promotoria Civel de São Bernardo do Campo, que tentou contatar familiares, não logrando êxito em encontrar algum parente que se responsabilizasse pelo vulnerável. Em laudo médico de julho de 2018, foi constatado que Sidney não tem condições de exercer os atos da vida civil (fls. 05 e 17).

O relatório da assistente social (fls. 07), relata que o pai de Sidney tem domicilio na Bahia, e não teria condições físicas de cuidar do filho sem apoio de outros familiares.

O relatório informativo de fls. 12/13 descreve a situação familiar, após contato com a madrasta de Sidney, que relatou que os problemas de saúde do vulnerável se iniciaram na adolescência, a partir do uso de substâncias psicoativas, com reiteradas internações em clínicas de reabilitação e um episódio recente de acidente vascular cerebral. Afirmou que ela e o pai de Sidney residem em uma construção em São Paulo, no bairro de Santa Terezinha, sem acessibilidade. Relatou que o genitor de Sidney tem problemas psiquiátricos, afastado do trabalho há 11 anos, e que ele tem outras irmãs com as quais não tem vínculo afetivo, devido a adolescência conturbada.

Em várias diligências para contatar a família e a residência de Sidney, apurou-se endereços diversos (fls. 31, 32 e 33), em São Paulo e na Bahia, mas nenhum dos familiares assumiu os cuidados e responsabilidade pelos cuidados com o vulnerável.

Em manifestação de fls. 35, o 1º Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo determinou a remessa do expediente para uma das Promotorias de Santo Amaro, por entender que o paciente residia com seu pai na Comarca da Capital.

O 12º Promotor de Justiça de Santo Amaro recebeu o procedimento e solicitou informações do Hospital de São Bernardo do Campo sobre a internação de Sidney no local, obtendo a informação de fls. 47, no sentido de que o vulnerável continuava internado no local, desde 12/05/2018. Recebeu, ainda, a informação de fls. 49, no sentido de que o pai do paciente mora atualmente na Bahia e já verbalizou não ter condições de cuidar de Sidney, e ainda, que a Assistência Social do Município de São Bernardo estava ciente da situação.

É o relato do essencial.

2.   Fundamentação.

O conflito negativo de atribuições está configurado, pelo que comporta admissibilidade.

A definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso ora em análise, resta saber se o procedimento deve seguir sob a presidência dos suscitante, com atribuição na Comarca onde supostamente o vulnerável teria vínculos e origem, ou sob a presidência do suscitado, com atribuição na Comarca onde se encontra o vulnerável atualmente.

Considerando que Sidney está internado, ainda que precariamente, na cidade de São Bernardo do Campo, e que se trata de pessoa que não tem domicílio certo, mesmo diante da ausência de familiares que se responsabilizem por ele, nos parece que esse é o juízo imediato, perante o qual deve o procedimento prosseguir.

Em São Bernardo do Campo, Sidney já está sendo atendido pela rede, e é lá que será melhor avaliada a situação de vulnerabilidade.

Nos casos de crianças e adolescentes, bem como nos casos de idosos, por força do Estatuto da Criança e Adolescente (art. 147, I e II) e do Estatuto do Idoso (art. 80), é o juízo imediato quem tem competência absoluta para os casos concretos. Anote-se que a Lei Brasileira de Inclusão não tem previsão semelhante, embora possa-se aplicar raciocínio semelhante, visando a proteção do vulnerável.

No caso da Infância e Juventude, é necessário verificar se o menor convive, de fato, com seus pais e responsáveis (art. 147, I). Inexistindo tal convivência, a competência será definida pelo lugar onde se encontra a criança.

Segundo a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, o intuito máximo do princípio do juízo imediato está em que, pela proximidade com a criança, é possível atender de maneira mais eficaz aos objetivos colimados pelo ECA, bem como entregar-lhe a prestação jurisdicional de forma rápida e efetiva, por meio de uma interação próxima entre o Juízo, o infante e seus pais ou responsáveis. (Superior Tribunal de Justiça, 2ª Seção. CC 114.782/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 12/12/2012, DJe 19/12/2012.)

No caso de pessoas maiores, não idosas, em situação prevista do art. 2º da Lei Brasileira de Inclusão (considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas), entende-se ser aplicável o mesmo princípio, assegurando-se e facilitando o acesso à justiça.

“Reconhecer a competência na comarca em que reside à pessoa deficiente, significa concretizar regra específica que viabilize o real acesso à justiça, como garantia constitucional fundamental e convencional, revelando efetividade processual, nos termos do artigo 79, do Estatuto da Pessoa com Deficiência; o qual necessita de alteração legislativa; assegurando e facilitando o acesso à justiça” (FARIAS, Cristiano Chaves de. CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Estatuto da Pessoa com Deficiência Comentado. 2ª., Salvador: JusPodivm, 2016)

Daí a conclusão de que, na hipótese em exame, a atribuição para a investigação é do suscitado, pois atualmente o único domicilio conhecido do vulnerável é o local onde se encontra atendido, ainda que precariamente.

3.   Decisão.

Ante o exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao Suscitado, DD. 1ª Promotor de Justiça de São Bernardo do Campo, a atribuição para dar seguimento ao presente expediente, nos termos da fundamentação supra.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

                 São Paulo, 24 de outubro de 2018.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

acs