Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0052277/17

(Ref. n. MP: 38.0640.0000029/2017-8)

Suscitante: 2º Promotor de Justiça Cível da Nossa Senhora do Ó

Suscitado: 4º Promotor de Justiça Cível da Lapa

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça Cível da Nossa Senhora do Ó (Família). Suscitado: 4º Promotor de Justiça Cível da Lapa ( Infância e juventude).

2.      Adolescente em possível situação de risco. Atribuição do suscitado. Aplicação do princípio do juízo imediato. Precedentes do STJ (AgRg no CC 117.454/AM, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2011, DJe 06/02/2012; CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 114.328 - RS (2010/0181443-0) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI). Inteligência da Súmula 383 do STJ.

3.      Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado, 4º Promotor de Justiça Cível da Lapa, prosseguir com a investigação, em seus ulteriores termos.

 

 

 

 

 

1)  Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça Cível da Nossa Senhora do Ó e como suscitado o DD. 4º Promotor de Justiça Cível da Lapa, relativamente ao feito em epígrafe, tendo como objeto a apuração de provável situação de risco de adolescente por ter desaparecido.

O Conselho Tutelar de Brasilândia encaminhou ao Promotor de Justiça Cível da Lapa, com atribuição para atuar nos feitos afetos à Infância e Juventude e por atribuição territorial, representação com o objetivo de se verificar possível negligência dos seus genitores.

  Ocorre que o Promotor de Justiça Cível da Lapa determinou a remessa do procedimento ao 4º Promotor de Justiça Cível da Nossa Senhora do Ó, com atribuição para os feitos na área cível e de família, sob o fundamento de que seria ele o Promotor de Justiça Natural, por estar atuando em processo de guarda referente à adolescente, em tramite perante a Vara de Família e Sucessões do Foro de Nossa Senhora do Ó (autos n° 1014599-76.2014.8.26.0020), o qual, por sua vez, restituiu o expediente, sob o argumento de que não se trata apenas de questão relativa a guarda e visitas da adolescente, haja vista esta estar desaparecida, com suspeita de gravidez e em aparente situação de risco e vulnerabilidade a ensejar atuação do Promotor da Infância e Juventude, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 98, inciso III.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Com efeito, o art. 147 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, reza:

“Art. 147. A competência será determinada:

I - pelo domicílio dos pais ou responsável;

II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável”.

Ademais, reza ainda o inciso III do art. 98 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente:

“Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

(...)

III - em razão de sua conduta.”

Assim sendo, tudo indica que, à luz do princípio do juiz imediato e da primazia ao melhor interesse da criança, o procedimento deverá seguir sob a presidência da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Lapa.

Acrescente-se o seguinte precedente da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça:

“1. A determinação da competência, em casos de disputa judicial sobre a guarda de infante deve garantir o respeito aos princípios do juízo imediato e da primazia ao melhor interesse da criança.

2. O fato de a mãe do menor ter abandonado a residência do casal, sem o consentimento do pai, levando consigo o filho menor, caso comprovado, consubstancia matéria que deve ser enfrentada para a decisão do pedido de guarda, em conjunto com outros elementos que demonstrem o bem estar do menor. A competência para decidir a respeito da matéria, contudo, deve ser atribuída ao juízo do local onde o menor fixou residência.

3. Nas ações que envolvem interesse da infância e da juventude, não são os direitos dos pais ou responsáveis, no sentido de terem para si a criança, que devem ser observados, mas o interesse do menor” (CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 114.328 – RS, 2010/0181443-0, RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI).

Daí a conclusão de que, na hipótese em exame, a atribuição para a apuração dos fatos é do suscitado.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça da Lapa, a atribuição para dar seguimento ao presente expediente, nos termos da fundamentação supra.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 03 de julho de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

efsj