Conflito
de Atribuições – Cível
Protocolado MP nº 0091469/18
Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Osasco
Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Osasco
Ementa:
1.
Conflito negativo de atribuições. Reintegração de
posse. As ações possessórias não integram o microssistema processual coletivo.
Embora as
2.
Conflito conhecido e dirimido, com determinação de
prosseguimento da intervenção ministerial por parte do suscitante.
Vistos,
Trata-se de
conflito negativo de atribuições provocado pelo 8º Promotor de Justiça de Osasco, figurando como suscitado o 3º Promotor de Justiça de Osasco.
Conforme se extrai dos autos do processo n. 1013464-96.2018.8.26.0405, em
trâmite na 3ª Vara Cível da Comarca de Osasco, a CONCESSIONÁRIA
DO RODOANEL OESTE S/A ajuizou ação de reintegração de posse em face de pessoas
incertas e não conhecidas que estejam ocupando ou venham a ocupar
irregularmente a faixa de domínio do Km 22+800, Pista Externa, da Rodovia SP021
(Rodoanel Mário Covas Oeste).
Assevera a autora que os réus erigiram
diversos “barracos” na faixa de domínio da malha viária e que os “barracos”
estão cobertos e com abastecimento clandestino de água e energia, a configurar
ocupação irregular, além de trazer riscos à segurança dos usuários.
Conforme manifestação de fls. 190/191, o
membro do Ministério Público então oficiante determinou que fosse providenciada
a abertura de vista ao Promotor de Justiça com atribuição na área cível.
Contudo, o 8º Promotor de Justiça de Osasco suscitou conflito negativo de
atribuições (fl. 195).
É o relatório.
Decisão.
É possível afirmar que o conflito
negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina
especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de
determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo
aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.
196).
Como se sabe, no processo
jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos
próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece
critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo
Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava
implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo,
funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e
sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose
Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do
órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei
processual estabelece, a priori,
critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que
o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com
atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente
considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que
a definição do membro do parquet a
quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera
cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil
pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
Registre-se que esta Procuradoria-Geral de Justiça
firmou o entendimento de que a atribuição para atuar em demandas de reintegração
de posse é do membro do Ministério Público oficiante nos feitos cíveis.
De antemão, afasta-se a argumentação, por
vezes trazida, de que as ações de reintegração de posse seriam uma espécie de
ação coletiva passiva e por isso caberia à Promotoria de Justiça de Habitação e
Urbanismo ou do Meio Ambiente nelas funcionar.
Registre-se, de plano, que a
noção de ação coletiva passiva surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a
partir de proposta elaborada por Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e
Antonio Gidi durante as Jornadas de Montevidéu (outubro 2002); na oportunidade,
elaborou-se Proposta de
A ação coletiva passiva (defendant class action do sistema
norte-americano) pode ser entendida como a demanda promovida contra grupo,
categoria ou classe de pessoas e que tem como peculiaridade a
representatividade do polo passivo.
Na Exposição de Motivos do ANTEPROJETO DE CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS elaborada pelo
Ministério da Justiça em 2.007, incorporando sugestões da Casa Civil, da Secretaria de
Assuntos Legislativos, da PGFN e
dos Ministérios Públicos de Minas
Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo, foi feita a seguinte
explanação sobre a ação coletiva passiva:
“O
Capítulo III introduz no ordenamento brasileiro a ação coletiva passiva
originária, ou seja, a ação promovida não pelo, mas contra o grupo, categoria
ou classe de pessoas. A denominação pretende distinguir essa ação coletiva
passiva de outras, derivadas, que decorrem de outros processos, como a que se
configura, por exemplo, numa ação rescisória ou nos embargos do executado na
execução por título extrajudicial. A jurisprudência brasileira vem reconhecendo
o cabimento da ação coletiva passiva originária (a defendant class action do sistema norte-americano), mas sem
parâmetros que rejam sua admissibilidade e o regime da coisa julgada. A pedra
de toque para o cabimento dessas ações é a representatividade adequada do
legitimado passivo, acompanhada pelo requisito do interesse social. A ação
coletiva passiva será admitida para a tutela de interesses ou direitos difusos
ou coletivos, pois esse é o caso que desponta na “defendant class action”, conquanto os efeitos da sentença possam
colher individualmente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Por
isso, o regime da coisa julgada é perfeitamente simétrico ao fixado para as
ações coletivas ativas”.
Pode-se vislumbrar que se trata
de uma ação coletiva vista pelo ângulo do polo
passivo; o enfoque, portanto, não residiria no autor, no legitimado ativo,
mas no polo passivo.
Não se nega que o
Ao lado da coisa julgada, a
legitimidade é o
Bem se percebe que o tema é
instigante e controverso; a complexidade aumenta quando se desloca a análise
para o polo passivo.
Contudo, rememore-se que o
litisconsórcio multitudinário ou numeroso “não abrange categorias ou grupos
inteiros de pessoas, mas somente os sujeitos nominados que vieram ao litígio –
e isso é que substancialmente deixa o litisconsórcio numeroso no campo da
tutela individual. Além disso, a técnica processual é outra, com legitimidade
também individual” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 3. ed. rev.
atual. e ampl. Malheiros Ed., 1994. p. 349). Assim é que os sistemas
processuais do mundo contemporâneo barram a formação de litisconsórcios muito
numerosos sem grande afinidade entre as pretensões individuais. De tal modo, o
sistema italiano, ao cuidar do litisconsórcio facultativo, permite ao juiz
separar as demandas “se vi e istanza di tutte le parti, ovvero quando la
continuazione della loro riunione ritarderebbe o renderebbe piú gravoso il
processo, e puó rimettere al giudice inferiore le cause di sua competenza”
(art. 103, segunda parte, do CPC itatiano). No mesmo sentido o Código
Processual do Peru, ao afirmar que “Cuando el Juez considere que la acumulación
afecte el Principio de Economía procesal, por razón de tiempo, gasto o esfuerzo
humano, puede separar los procesos, los que deberán seguirse
independientemente, ante sus Jueces originales” (art. 91 do CPC peruano).
Ademais, importante ressaltar que
a ação coletiva passiva deveria ser proposta contra grupo, categoria ou classe.
No caso das possessórias, resulta claro do § 1º do art. 554 que não se trata de
ação coletiva passiva, tanto é assim que se exige que a citação seja feita nos
ocupantes que forem encontrados no local e por edital nos demais, e não na
figura de um representante adequada da categoria.
E mais: quando o Código de
Processo Civil menciona “litígio coletivo” (arts. 178 e 565), o faz no sentido
de controvérsia multitudinária, e não necessariamente de demanda coletiva, a
contar com um representante adequado, quer no polo ativo, quer no polo passivo.
A distinção não é meramente
acadêmica. Reflete-se no devido processo
legal. Veja-se que na
Leciona a doutrina que quanto
mais extenso o rol de legitimados, maior a necessidade do requisito da
representatividade adequada, e que quanto maior for a extensão a terceiros do
julgado coletivo, maior a necessidade de controle (GRINOVER, Ada Pellegrini.
Novas tendências em matéria de legitimação e coisa julgada. In: Direito
Processual Comparado, XIII World Congress of procedural Law, Salvador-Bahia,
16-22 set. 2007. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 522).
Cabe trazer à colação dois
julgados acerca da matéria; o primeiro do Superior
Tribunal de Justiça e o segundo do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, que bem analisam a questão da
representatividade adequada nas ações propostas em face de diversas pessoas:
“A
discussão quanto à admissibilidade de processos coletivos passivos, porém,
é bastante nova. Nos diversos projetos de Códigos Coletivos existentes,
há divergência quanto ao assunto. Como bem observa FREDIE DIDIER e
HERMES ZANETI JR. (Curso de Direito Processual Civil, Vol. 4, 4º edição,
pág. 401), entre os diversos projetos atualmente existentes para a
elaboração de um Código para Processos Coletivos, há a previsão irrestrita
de ações coletivas passivas no Código-Modelo
para Ibero-América (arts. 32 e ss.), pelo Código de Processo Civil
Coletivo elaborado por Antônio Guidi (art. 28) e pelo Anteprojeto de
Código Brasileiro de Processos Coletivos, apresentado no âmbito dos programas
de pós-graduação da UERJ e UNESA (arts. 42 a 44). O Anteprojeto de Código
Brasileiro de Processos Coletivos elaborado por Ada Pellegrini Grinover,
por sua vez, prevê esta modalidade de ação apenas para a tutela de direito
difusos ou coletivos, em sentido estrito, excluindo os direitos
individuais homogêneos. Trata-se, portanto, de questão que ainda suscitará
muito debate, no futuro.
No estado
atual da legislação quanto a processos coletivos, porém, notadamente
considerando-se a regra quanto à coisa julgada formada nas ações em que
se discutam direitos individuais homogêneos, não é possível admitir a
apresentação, pelo réu, de pedido de declaração incidental” (REsp
1051302/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
23/03/2010, DJe 28/04/2010).
(...)
“Muito embora
seja possível a propositura de ação em face de uma coletividade, com o objetivo
de proteger interesses difusos, é certo que esta deve possuir um representante
determinado e adequado, para que se afigure uma hipótese de legitimação
extraordinária, em que o representante agirá em nome próprio na defesa de
interesses de terceiros. No caso em tela, a ação foi ajuizada em face de todos
os proprietários de imóveis desabitados e fechados, abandonados ou com acesso
não permitido pelo morador em todo o Município. Trata-se, na acertada visão da
Douta Procuradoria de Justiça de ‘... uma coletividade incerta e indeterminada,
sem vínculos fáticos e jurídicos concretos entre seus integrantes (suposta
comunhão de possuidores e proprietários de imóveis abandonados e desocupados),
como neste caso, que não possui obviamente representantes legítimos.’. Ante a
falta de indicação de um representante adequado para a coletividade colocada no
polo passivo é que se deve considerar a petição inicial inepta e a ação
carente” (Relator(a): Ponte Neto; Comarca: São José do Rio
Pardo; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Data do
julgamento: 22/07/2015; Data de registro: 22/07/2015).
Por último – mas não menos
importante -, as ações possessórias não integram o microssistema processual
coletivo. Embora as
Ademais, as atribuições
especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, dos
interesses coletivos e dos interesses individuais homogêneos são tratadas de
forma explícita.
Nesses casos, pelo que
ordinariamente se observa, os atos que fixam a divisão de serviço concedem a
determinado cargo de certa Promotoria de Justiça a missão de atuar em defesa de
interesse especificado (meio ambiente, consumidor, patrimônio público, etc.). E
as regras de experiência demonstram, do mesmo modo, que essa atuação, assim
fixada, diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público,
como também à atuação, como fiscal da lei, nas ações civis públicas
relacionadas àquela matéria propostas por outros legitimados.
Os demais casos não enquadrados
nessas hipóteses (ou seja, de propositura de ações coletivas e atuação como
fiscal da lei nas ações civis públicas propostas por outros legitimados), que
dizem respeito, portanto, à atuação ministerial como custos legis em outros processos, são atribuições a respeito das
quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam
especificamente. Esses outros casos normalmente se enquadram sob a designação
geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.
Essa exegese, calcada na análise
sistemática e finalista, é suficiente para justificar a conclusão no sentido de
que a fixação da atribuição do suscitado, em ato normativo, para Meio Ambiente abrange as ações civis públicas distribuídas,
mas não a atuação como custos legis
em ações possessórias.
Como se vê, a atribuição
especializada está relacionada à atuação do Promotor de Justiça como autor de
ações coletivas ou como fiscal da ordem jurídica em ações civis públicas.
Registre-se que, se por um lado,
a atribuição para funcionar nas demandas de reintegração de posse é do Promotor
de Justiça Cível, fácil é ver-se, entretanto, que a atuação na seara transindividual persiste na especializada.
De conformidade com o Ato n.
56/2012-PGJ, de 23 de novembro de 2012, cabe ao 3º Promotor de Justiça
(suscitado) funcionar nos feitos da 1ª e 2ª Varas Cíveis, meio ambiente e
habitação e urbanismo (entre outras), ao passo que o 8º Promotor de Justiça
compete atuar nos feitos das 3ª e 4ª Varas Cíveis (entre outras atribuições).
Assim é que, de tudo quanto acima
se expôs, a atribuição para funcionar nos autos do processo n. 1013464-96.2018.8.26.0405, em trâmite na 3ª Vara
Cível da Comarca de Osasco, é do 8º Promotor de Justiça (suscitante), sem
embargo de que eventual atuação na esfera da habitação e urbanismo ou mesmo
meio ambiente seja tomada pelo 3º Promotor de Justiça de Osasco.
Em síntese:
1. Cabe aos Promotores de Justiça com atribuição na área cível funcionar
como “custos legis” nas ações de reintegração de posse;
2. A atribuição para atuar no
plano transindividual, na adoção de medidas jurídicas
ambientais, é da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente ou Habitação e
Urbanismo.
Diante do exposto, conheço do presente
conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao suscitante, 8º Promotor de Justiça de Osasco,
prosseguir na ação, em seus ulteriores termos.
Publique-se. Comunique-se.
Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa de
cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva.
São Paulo, 05 de novembro de
2018.
Giapaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
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