Conflito de Atribuições – Cível
Inquérito
civil n. 44/2007
Suscitante:
5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes
Suscitado:
2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes
Ementa: Inquérito civil. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes. Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes. Investigação instaurada para apurar eventuais irregularidades em construções particulares na cidade de Biritiba Mirim. Falta de comprovação de dano ou ameaça de dano ao meio ambiente. Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.
Vistos,
1)Relatório.
Trata-se de
conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 5º Promotor de
Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuição ambiental), e como suscitado o 2º
Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuição na área de habitação e
urbanismo).
Nota-se que o
inquérito civil n. 44/07 foi instaurado pela Promotoria de Justiça de Habitação
e Urbanismo de Mogi das Cruzes, com suporte em representação encaminhada ao
Ministério Público, acompanhada de peças de informação. Ocorre que, em
determinado momento da investigação, o presidente do inquérito civil remeteu os
autos ao membro do Ministério Público com atribuição na seara ambiental, a fim
de que este assumisse a presidência. Irresignado com a remessa, o 5º Promotor
de Justiça de Mogi das Cruzes suscitou o presente conflito negativo de
atribuições.
Afirma o suscitante
que não há nos autos do inquérito civil 44/07 elementos que indiquem a
ocorrência de dano ambiental, ao passo que o suscitado declinou de sua atuação,
sob a justificativa de que “nada existe nos autos que indique estarem os
imóveis localizados em loteamento irregular, apenas se infere que os mesmos
foram construídos irregularmente, aproveitando-se da omissão dos agentes
municipais. Assim, aparentemente, as questões tratadas nestes autos não estão
afetas à área da habitação e urbanismo”(fls. 186).
É o
relato do essencial.
2)Fundamentação.
A
doutrina anota que se configura o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado
ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que
deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério
Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196. g.n.).
Em
outros termos, conflitos de atribuições configuram-se in concreto, jamais in
abstracto, quando, considerado o posicionamento de órgãos de execução
do Ministério Público “(a) dois ou mais
deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias
atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos
um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que
já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).
Embora
os membros do Ministério Público tenham a garantia da independência funcional,
o que lhes isenta de qualquer injunção de órgãos da administração superior
quanto ao conteúdo de suas manifestações, são administrativamente vinculados
aos órgãos superiores. E estes, no plano estritamente administrativo, possuem,
com relação àqueles, poderes que caracterizam a administração pública: poder
hierárquico, disciplinar, regulamentar etc.
Como
anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a
autoridade administrativa superior para “distribuir
e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus
agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu
quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e
corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração
Pública” (Direito Administrativo
Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda,
a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p.
421/423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito
Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.
O
reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior, no plano
estritamente administrativo, é assente inclusive no direito comparado,
anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia
estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na
medida em que “questo vincolo, fondandosi
su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire
amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa
che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo
dell’autorità pubblica” (Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII,
Milano, Giuffre, 1969, p. 626).
Do
mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a
existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos,
de um “potere di risoluzione di conflitti
tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività
degli stessi” (Diritto Amministrativo,
v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).
O
reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo
algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores de
Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações
processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de
qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa
atuação.
Em
outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer como deve o membro do Ministério Público
atuar, mas pode e deve dizer se deve
ou não atuar, e qual o membro ou
órgão de execução que o fará, diante de discrepância concretamente configurada.
No
que toca ao caso ora em análise, nota-se da representação (fls. 06/07) e de
toda a documentação que a instruiu (fls.08/15), que, em momento algum, foi
ventilada a ocorrência de dano ambiental.
A própria portaria de instauração de inquérito
civil delimitou o objeto da investigação como sendo a “averiguação da
legalidade de construções particulares em Biritiba Mirim, que estariam sendo
realizadas sem a devida aprovação pela Prefeitura Municipal de Biritiba Mirim”(fls.
02).
Remarque-se
que não há fundamento para a remessa dos autos ao Promotor de Justiça com
atribuição ambiental, uma vez que não existem elementos suficientes a
demonstrar – ao menos em tese – a ocorrência de ano ambiental.
Com
efeito, a instauração do inquérito civil deve partir de fato determinado.
Da mesma forma, a atuação do 5º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes legitimar-se-ia
desde que houvesse notícia de dano ou ameaça de dano ambiental a se apurar. Lembra
a doutrina: “O inquérito civil, para ser instaurado, depende da existência de
um fato, ainda que esse fato não esteja 100%(cem por cento) determinado. É o
que se passa com o inquérito policial. Nenhum inquérito policial será aberto a
esmo”( MÔNACO DA SILVA, José Luiz. Inquérito
civil. São Paulo: Edipro, 2000, p. 42).
Por tudo isto se conclui que o 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuição na área da habitação e urbanismo) deverá prosseguir na investigação.
3)Decisão.
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 11 de fevereiro
de 2010.
Fernando Grella
Vieira
Procurador-Geral
de Justiça
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