Conflito de atribuições – Cível
Autos nº. 66.956/09
Suscitante: 2ª.
Promotora de Justiça de São José dos Campos, em exercício no GAEMA – Núcleo
Paraíba do Sul
Suscitado:
Promotor de Justiça de Guararema
Ementa: 1)
Conflito negativo de atribuições. GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul (Suscitante) e
Promotoria de Justiça de Guararema (Suscitado). 2) Danos ao meio ambiente.
Alambrado instalado em área de preservação permanente. Danos locais. Ausência
de repercussão regional. 3) Ocorrência, ademais, da prevenção. 4) Conflito
conhecido e dirimido. Determinação para que a Promotoria de Justiça da Comarca
prossiga no feito, em seus ulteriores termos.
Vistos,
Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como
suscitante a DD. 2ª. Promotora de Justiça
de São José dos Campos, em exercício no GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul, e
como suscitado o DD. Promotor de Justiça
de Guarerema.
Como se infere dos autos, o suscitado, atuando na Promotoria de Justiça
de Habitação e Urbanismo de Guararema, recebeu representação (fls. 4/26), na
qual foi solicitada adoção de providências em bairro da cidade, inclusive asfaltamento
e instalação de sistema de esgoto. Com base nisso, instaurou inquérito civil,
tendo como objeto “ausência de pavimentação das vias públicas e tubulação de
esgoto no Bairro Jardim Luiza - Guararema”.
Após a realização de diligências, decidiu por encaminhar os autos do inquérito
civil ao GAEMA, tendo em vista que “que um dos objetos dos presentes autos é a
obtenção de rede de esgoto doméstico para o Bairro Jardim Luiza” (fl. 71 e
verso).
Ao receber os autos entendeu a Suscitante que o objeto do inquérito
civil é a regularização de loteamento irregular, estando fora do âmbito de
atuação do grupo especializado. Com isso, suscitou o conflito de atribuições
(fls. 76/77).
É o relato do essencial.
O conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser
conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de
atribuições quando “dois ou mais órgãos
de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a
prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como
sendo aquele que deverá atuar.[1]
Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão
judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir
deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse
sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido
Rangel Dinamarco, Teoria geral do
processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão
Carneiro, Jurisdição e competência,
11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São
Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.
Esta idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação
de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão
por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil,
t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus,
1922, pág. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente, para a
apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados
inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver,
para a identificação do órgão ministerial com atribuições relativa a certa
investigação, também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu
objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para
conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente,
culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os
dados do caso concreto investigado.
O objeto da representação, originariamente, era a implantação de rede de
esgotos e asfaltamento de vias públicas. Diligências foram levadas a cabo (fls.
31/71), mas o Suscitante, certamente vislumbrando a possibilidade de ocorrência
de dano ambiental em razão da inexistência de rede de esgotos, determinou o
encaminhamento dos autos ao GAEMA.
Entretanto, com a devida venia,
equivocou-se.
Primeiro, porque parece não haver nenhuma notícia consistente no sentido
da ocorrência de dano ambiental que atinja o Rio Paraíba do Sul, no expediente
em análise, a justificar a remessa dos autos ao GAEMA, para sua apuração.
Efetivamente, os termos da designação para a atuação regionalizada são
expressos, contendo atribuições tanto para a defesa do Meio Ambiente como para
oficiar na área de Habitação de Urbanismo, desde que haja repercussão regional.
Pois bem.
Não há dúvida, no caso em exame, que tanto a suscitante como o suscitado
possuem atribuições para oficiar extrajudicialmente e judicialmente em defesa
do Meio Ambiente (caso tivesse ocorrido danos de repercussão regional) e em
questões relacionadas à matéria de Habitação e Urbanismo. Há, em função disso,
certa sobreposição de atribuições entre os órgãos ministeriais em conflito, sendo
necessário buscar o fator de discriminação para a identificação do órgão que
deverá prosseguir nas apurações.
O espírito da atuação regionalizada, de fato, é a existência de
“repercussão regional” do problema relacionado ao objeto da investigação ou de
ação proposta. Tanto que tradicionalmente o ato de designação traz destacada a
atuação regionalizada, inclusive com cláusula de encerramento, de que sua
atuação fica condicionada à existência de “repercussão regional”.
E seria difícil imaginar solução diversa, sob pena de se esvaziar por
completo as funções das Promotorias do Meio Ambiente, bem como de Habitação e
Urbanismo, das comarcas da Região, com provável acúmulo na Promotoria de
Justiça regionalizada.
Sendo assim e respeitando entendimento em sentido diverso, não nos
parece correto o raciocínio no sentido de que, em todo e qualquer caso, havendo
possibilidade de dano ambiental de maior monta, deva a investigação ser
conduzida pelo membro do parquet que
atua no GAEMA, bem como que a ação pertinente seja por ele proposta.
Se a única questão a ser investigada for a prática de atos que acarretem
dano ambiental de monta e que extrapole os limites territoriais da Comarca, não
há dúvida de que caberá ao Promotor de Justiça do GAEMA conduzir a apuração.
Entretanto, se há outra questão envolvida como, por exemplo, notícia de
prática de atos lesivos ao interesse urbanístico, além do eventual dano ao meio
ambiente, revela-se correto que o órgão ministerial do local do dano investigue
o fato, e posteriormente proponha demanda judicial, cumulando pedidos de providências
relacionadas à proteção daquele interesse coletivo específico (meio ambiente e
urbanismo).
De outro lado, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que,
em determinada investigação, se verifique a existência de mais de um interesse,
afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da
própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem
sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente
estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.
Em outras palavras, é comum que haja, em certo caso considerado,
sobreposição de matérias afetas a diferentes áreas de atuação, como se disse.
A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual
nº. 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes
critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a
intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo do interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se
de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114,
§ 3º); e (c) sendo todas as
atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou
procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).
Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério
Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do
interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise
da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supraindividual.[2]
Assim, admitindo apenas para raciocinar, que existisse dano ambiental patente,
pondere-se que ambas teriam o mesmo nível de especialização. Acrescente-se,
como esclarecimento, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias
especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique
demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas
(o que não é o caso tratado nos autos, como já se disse), razoável solução se
apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual
nº. 734/93).
Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a
observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação
civil pública é do juízo do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei
nº. 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o
parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério
de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.
Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery
que “Quando o dano ocorrer ou puder
potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é
competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do
conflito da competência pela prevenção”.[3]
Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta
entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses
metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade
da atividade ministerial, à eficiência, e à eficaz e pronta resposta às demandas
que a sociedade direciona ao parquet.
Deste modo, se no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma
área de atuação em defesa de interesses supra-individuais, o órgão ministerial
que primeiro tomou contato com o caso deve prosseguir na investigação, adotando
eventualmente as providências judiciais cabíveis.
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições
e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público,
declarando caber ao DD. Promotor de
Justiça de Guararema (suscitado) prosseguir na investigação, em seus
ulteriores termos.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição
dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio
Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 9 de junho de 2009.
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça
/emj
[1] GARCIA, Emerson. Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,
pág.196.
[2] MAZZILLI. Hugo
Nigro. Regime Jurídico do Ministério
Público, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 421/422.
[3] NERY JÚNIOR,
Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição
Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo: RT, 2006, pág.
483/484, nota n. 6 ao art. 2º da Lei da Ação Civil Pública.