Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado n. 101.344/2016
Suscitante: GEDUC – Grupo de Atuação Especial de Educação e Promotoria
de Justiça de Defesa dos Interesses e Direitos Difusos e Coletivos da Infância
e Juventude da Capital
Suscitado: 4ª Promotor de Justiça da Infância e Juventude da Capital
Ementa:
1) Conflito de atribuições entre o GEDUC – Grupo de Atuação Especial de Educação e a 4° Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Capital, a qual cabe atuar perante as Varas das Execuções das Medidas Socioeducativas da Capital
2) Apuração e eventual ação que tem por objetivo a tutela de interesses metaindividuais relacionados a educação de adolescentes durante o cumprimento de medida socioeducativa.
3) Ato Normativo n° 19/2014-PGJ. Explicitação da atribuição do DEIJI para a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção dos interesses metaindividuais relacionados aos interesses dos adolescentes em conflito com a lei
4) Conflito conhecido e provido. Atribuição, portanto, do suscitado (4º Promotor de Justiça da Infância e Juventude da Capital).
Vistos.
1) Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições surgido durante a tramitação de expediente, perante o 4ª Promotor da Infância e da Juventude da Capital, que tem atribuição para atuar na Execução de medidas socioeducativas na capital, tendo por finalidade fiscalizar a implementação e o cumprimento das normas contidas na Resolução CNE/CEB n° 3/2016 do Conselho Nacional de Educação, adotando providencias necessárias para que essa resolução seja efetivamente observada no âmbito da Fundação Casa e das medidas socioeducativas em meio aberto da Capital.
O 4º Promotor da Infância e Juventude da Capital, entendeu que a atribuição para tanto é do GEDUC (fls. 04).
Os autos foram remetidos ao GEDUC – Grupo de Atuação Especial de Educação, que concluiu tratar-se de interesses metaindividuais relacionados aos interesses dos adolescentes em conflito com a lei, suscitando o conflito (fls. 11/13).
É o relato do essencial.
2) Fundamentação
É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.196).
De antemão, verifica-se que está, no caso, configurado o conflito de atribuições, embora seja extremamente tênue a linha divisória que distingue a legítima apreciação, pelo Procurador-Geral de Justiça, de um conflito de atribuição concretamente considerado, e eventual manifestação emitida em situação de inexistência de caso concreto a analisar, que poderia configurar violação da independência funcional do membro do Ministério Público, estipulada expressamente como princípio constitucional no art. 127, §1º, da CR/88.
O respeito à independência funcional, dentro do entendimento que tem prevalecido e que acabou sendo acolhido pelo legislador, é que impede, por exemplo, que recomendações do Procurador-Geral de Justiça aos demais órgãos de execução tenham caráter vinculativo, quanto aos estritos limites relacionados ao específico desempenho de suas funções de execução (cf. art. 19, I, “ d”, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).
Deste modo, pode-se concluir que a solução de problemas atinentes a atribuições depende de sua concreta configuração, bem como da iniciativa dos órgãos de execução envolvidos, no sentido de suscitar o conflito.
Essa é a razão pela qual a doutrina anota que se configura o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).
Em outros termos, conflitos de atribuições configuram-se in concreto, jamais in abstracto, quando, considerado o posicionamento de órgãos de execução do Ministério Público “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).
A questão da necessidade de respeito à independência funcional encontra bom exemplo nos casos em que há negativa do membro do Ministério Público para oficiar em determinado feito de natureza cível.
O fundamento que tem sido adotado para solução de casos desta natureza é a analogia com o art. 28 do Código de Processo Penal (Nesse sentido: Hugo Nigro Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 537; Emerson Garcia, Ministério Público, cit., p. 73).
Mas nem seria necessário chegar a tanto: embora os membros do Ministério Público tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer injunção de órgãos da administração superior quanto ao conteúdo de suas manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores. E estes, no plano estritamente administrativo, possuem, com relação àqueles, poderes que caracterizam a administração pública: poder hierárquico, disciplinar, regulamentar, etc.
Como anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade administrativa superior para “distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda, a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p. 421/423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.
O reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior, no plano estritamente administrativo, é assente inclusive no direito comparado, anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na medida em que “questo vincolo, fondandosi su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo dell’autorità pubblica” (Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII, Milano, Giuffrê, 1969, p. 626).
Do mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos, de um “potere di risoluzione di conflitti tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività degli stessi” (Diritto Amministrativo, v. I, 3ªed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).
O reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores e Procuradores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa atuação.
Em outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer como deve o membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o membro ou órgão de execução que o fará, diante de discrepância concretamente configurada.
Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.
O pedido de providências inicialmente foi encaminhado pelo Defensor Público Coordenador Regional da Infância e Juventude da Capital, deduzido perante à 4ª Promotoria da Infância e da Juventude da Capital que o encaminhou ao GEDUC – Núcleo da Capital.
Eventuais medidas buscarão fiscalizar a implementação e o cumprimento das normas contidas na Resolução CNE/CEB n° 3/2016 do Conselho Nacional de Educação, no âmbito da Fundação Casa como as medidas socioeducativas em meio aberto da Capital.
Portanto, caracterizado o conflito de atribuições entre o GEDUC – Grupo de Atuação Especial de Educação, que tem, entre as suas atribuições, a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos relacionados a todos os níveis e modalidades da educação básica e, no que couber, da educação superior, com todas as prerrogativas funcionais inerentes, nos termos do Ato Normativo nº 672-PGJ-CPJ, de 21 de dezembro de 2010, com as alterações introduzidas pelo Ato Normativo n° 700-PGJ-CPJ, de 31 de maio de 2011 e a 4° Promotor de Justiça da Infância e Juventude da Capital, com atribuições para atuar nos feitos e procedimentos de defesa dos interesses difusos e coletivos da Infância e Juventude.
A intenção foi priorizar e concentrar no GEDUC a atuação que revelasse transcendência e relevância social, nota característica dos interesses transindividuais próprios (difusos e coletivos).
Afirmou-se, ainda, a conveniência de que
remanescesse no âmbito de Promotorias de Justiça a tutela de interesses
individuais homogêneos – o que, ademais, consulta ao interesse público.
Por essa razão foi encaminhado ao
colendo Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça proposta para
alteração do inciso I do art. 2º do Ato Normativo n. 672/10 para, suprimindo a
expressão “e individuais homogêneos”, constar a seguinte redação:
“Art. 2º. Caberão ao GEDUC as seguintes atribuições:
I - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a
proteção dos interesses difusos e
coletivos relacionados a todos os níveis e modalidades da educação básica
e, no que couber, da educação superior, com todas as prerrogativas funcionais
inerentes”. (NR)
Posto isso, correta a conclusão do GEDUC no sentido de não ter atribuição para a tutela de direitos individuais homogêneos, que permanece com a Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude.
Ademais, o ato n° 19/2014 – PGJ, de 13 de março de 2014, que homologou a modificação de atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital, detalhou na Nota 1, letra “f” o seguinte: “atribuições dos cargos de 1°, 4°, 5°, 18° e 20° Promotor de Justiça da Infância da Capital que atuam perante as Varas das Execuções das Medidas Socioeducativas da Capital são, as seguintes: adoção das medias referentes à defesa judicial e extrajudicial dos interesses metaindividuais relacionados aos interesses dos adolescentes em conflito com a lei”.
Sendo assim, a atribuição para atuar em no presente feito é do 4º Promotor de Justiça da Infância e Juventude da Capital.
3) Decisão
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 4° Promotor de Justiça da Infância e Juventude da Capital, a atribuição para oficiar nos autos.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 04 de agosto de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de
Justiça
Efsj