Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 102.700/2010

(Ref. Ação Civil Pública nº 1026/2005 – 3ª Vara de Itanhaém)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Itanhaém (Meio Ambiente)

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Itanhaém (Habitação e Urbanismo)

 

 

Ementa:

1)     Conflito negativo de atribuições. 4º Promotor de Justiça de Itanhaém (Meio Ambiente - suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Itanhaém (Habitação e Urbanismo - suscitado).

2)     Ação civil pública. Pedido de condenação de concessionária de energia a obrigação de não fazer, com a finalidade de evitar maiores prejuízos urbanísticos e ambientais, sem prévia aprovação da Municipalidade.

3)     Aplicação do critério da prevenção (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

4)     Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do 4º Promotor de Justiça de Itanhaém (suscitante).

Vistos.

 

1)   Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Itanhaém (Meio Ambiente) e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Itanhaém (Habitação e Urbanismo), nos autos da Ação Civil Pública nº 1026/2005 – 3ª Vara de Itanhaém, na qual foi deduzida pretensão de condenação de concessionária de energia a obrigação de não fazer, com a finalidade de evitar maiores prejuízos urbanísticos e ambientais, sem prévia aprovação da Municipalidade.

De acordo com o suscitante, DD. 4º Promotor de Justiça de Itanhaém (Meio Ambiente), a ação foi proposta pelo então 3º Promotor de Justiça da Comarca, que naquela época detinha as atribuições em matéria relativa ao Meio Ambiente, bem como nas questões referentes à Habitação e Urbanismo. Posteriormente foi alterada a divisão de serviços, separando-se as duas matérias acima. Assim, o 3º Promotor de Justiça, ao receber os autos, remeteu-os ao suscitante, que solicitou seu envio ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Itanhaém (Habitação e Urbanismo). Este último os restituiu, afirmando que a matéria versada no feito é ambiental (fls. 333/334).

Ao suscitar o conflito, o DD. 4º Promotor de Justiça de Itanhaém (Meio Ambiente) sustentou que: (a) o litígio vertente da presente ação civil pública relaciona-se às atribuições do suscitado, ou seja, à Habitação e Urbanismo; (b) a questão centra-se no problema da irregular ocupação do solo (fls. 337/342).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

Na hipótese em análise, os elementos centrais do objeto litigioso da ação civil pública estão indissociavelmente ligados tanto à ocupação irregular do solo, como ainda aos riscos de danos ambientais no Município de Itanhaém.

Trata-se, portanto, de situação que apresenta repercussão tanto na esfera da Habitação e Urbanismo como do Meio Ambiente.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pondere-se que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, havendo no caso concreto interesses relacionados a mais de uma área de atuação em questões supra-individuais que têm abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a ação civil durante considerável lapso temporal) deve nele prosseguir.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 4º Promotor de Justiça de Itanhaém, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 11 de agosto de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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