Protocolado n. 130.630/16

Conflito Positivo de Atribuição

Suscitante: Promotor de Justiça de Regente Feijó

Suscitado: Procurador do Trabalho no Município de Presidente Prudente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EMENTA. Constitucional. Ministério Público. Conflito de atribuições. Investigação sobre o meio ambiente do trabalho no Fórum da Comarca de Regente Feijó. Servidores estatutários. Atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo.

1. Compete ao Supremo Tribunal Federal a solução de conflito de atribuições entre membros de diferentes unidades de Ministério Público (art. 102, I, f, CF/88), não se podendo transferir sua solução ao Procurador-Geral da República, Chefe do Ministério Público da União, sob pena de imolar a autonomia do Ministério Público do Estado de São Paulo e o devido processo legal (arts. 127, §§ 1º e 2º, e 128, I e II, CF/88).

2. Atribuição do Ministério Público do Estado para investigar as condições do meio ambiente do trabalho de servidores públicos estatutários.

3. Remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para dirimir o conflito de atribuição (art. 102, I, f, CF/88; art. 247, RISTF).

 

 

    

 

 

 

 

                  A douta Promotora de Justiça de Regente Feijó ao tomar conhecimento do trâmite de procedimento preparatório (PP 000413.2015.15.005/5-60) na digna Procuradoria do Trabalho do Município de Presidente Prudente tendo como objeto a apuração de irregularidades no meio ambiente do trabalho, envolvendo servidores públicos estatutários, anunciando sua atribuição para tanto solicitou a remessa dos autos, pretensão resistida pela ilustre destinatária (docs. anexos).

                   Tal inspira a instauração de conflito positivo de atribuição, e cuja competência para sua solução não pertence ao eminente Procurador-Geral da República – investido de tal prerrogativa de natureza hierárquica em face de conflito entre membros dos ramos do Ministério Público da União – e, sim, ao Supremo Tribunal Federal, em homenagem à autonomia de cada esfera de Ministério Público e ao princípio de unidade institucional (art. 127, §§ 1º e 2º, Constituição Federal). Neste sentido, trago à colação a seguinte admoestação doutrinária:

“Diante do conflito de atribuições (positivo ou negativo) entre órgãos de Ministérios Públicos diversos (entre Ministérios Públicos Estaduais ou entre Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual), sua solução não é da alçada da Procuradoria-Geral da República. O Procurador-Geral da República exerce tão somente a Chefia do Ministério Público da União, não podendo estendê-la aos Estados sob pena de violação do princípio federativo e do princípio da autonomia conferida aos Ministérios Públicos Estaduais – possuidores de chefia própria - e de afirmar-se hierarquia onde não existe” (Wallace Paiva Martins Junior. Ministério Público: a Constituição e as Leis Orgânicas, São Paulo: Atlas, 2015, p. 160, n. 68).

                   Segundo communis opinio doctorum, a unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe, não havendo unidade entre os membros de Ministérios Públicos diversos, pois, só existe unidade dentro de cada Ministério Público (Hugo Nigro Mazzilli. Regime Jurídico do Ministério Público, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 66; Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2000, 7ª ed., p. 475).

                   Em outras palavras, o Ministério Público é uma instituição unitária ainda que haja repartição de competências entre o Ministério Público da União e os dos Estados, mas, a unidade expressa a ideia de que “a apenas uma instituição, e não a várias, cabe o exercício das funções institucionais” (Pedro Roberto Decoiman. Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público: Lei nº 8.625, de 12.02.1993, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, 2ª ed., p. 35). Não há falar, assim, em sujeição, vinculação administrativa ou funcional de um ramo do Ministério Público a outro, exceto para aquelas carreiras que a Constituição quis organizar de forma anômala, como as que integram as carreiras do Ministério Público da União.

                   Neste sentido, em declaração de voto o Ministro Carlos Ayres Britto sintetizou a diferença entre unidade e indivisibilidade, denotando a natureza administrativa daquele princípio:

“enquanto o princípio da unidade do Ministério Público é de caráter administrativo, a partir da ideia força de que o Ministério Público tem um só chefe, a indivisibilidade diz com a atuação do Ministério Público em juízo” (STF, ADI 932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-12-2010, m.v., DJe 09-05-2011).

                   A cada uma das esferas de Ministério Público foi assegurada autonomia - poder que a instituição goza para dar direção própria aos assuntos de sua própria competência ou, mais simplesmente, para administrar a si mesma, impedindo que receba ordens ou injunções de outros órgãos estatais – o que garante a efetiva independência funcional do Ministério Público e compreende, entre outros, a capacidade para decidir mediante critérios ou juízos de sua própria escolha sem observar ordens ou injunções de autoridades estranhas ao quadro institucional.

                   Tal modo organizacional guarda direta relação com o modelo federativo acolhido desde sempre pelo Estado Brasileiro. Com efeito, aos Estados são consignadas competências próprias que, ademais, são plenas no âmbito administrativo. Aos Estados é conferida autonomia, definida como o “governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100), e que se consubstancia nas capacidades de auto-organização, autolegislação, autogoverno e autoadministração, e que estão contidas nos arts. 18 e 25 a 28 da Constituição Federal (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 283).

                     O princípio federativo é diretriz estruturante da organização política e administrativa brasileira (arts. 1º e 18, Constituição Federal), com valor de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, Constituição), estando assentado na autonomia estadual e na repartição de competências que, respectivamente, se arquitetam na existência de órgãos governamentais próprios (que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura) e na posse de competências exclusivas, como explica José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100).

                    A autoadministração é a capacidade de gestão dos próprios órgãos e serviços públicos sem interferência da ordem central (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 187-189), sendo exercitável “sem subordinação hierárquica dos Poderes estaduais aos Poderes da União” (Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2000, 2ª ed., p. 25).

                   Não há dúvida que a solução de conflitos de atribuições se encarta entre as prerrogativas decorrentes da hierarquia, como acentua a literatura (Mario Masagão. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1959, tomo I, p. 75, n. 150; Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2003, pp. 74, 92-94; Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 125, n. 25; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 58-59).

                   Hierarquia - anota Augustín Gordillo - é uma relação jurídica administrativa interna vinculando entre si os órgãos da Administração mediante subordinação para assegurar a unidade de ação, e sua primeira característica “é que se trata de uma relação entre órgãos internos de um mesmo ente administrativo e não entre distintos sujeitos administrativos”, de tal sorte que seu espaço não é o da descentralização administrativa institucional, mas, o da centralização, da desconcentração e da delegação (Augustín Gordillo. Tratado de Derecho Administrativo, Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2013, 11ª ed., tomo I, Capítulo XII, pp. 24-25).

                   A interioridade é traço elementar da hierarquia e, além disso, antiga e precisa lição assinala que onde há hierarquia não há conflito porque o “conflito de atribuições supõe necessariamente que nenhum dos órgãos conflitantes seja hierarquicamente subordinado ao outro, pois, nessa hipótese, a decisão do órgão superior resolve o caso” (Mário Masagão, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1960, tomo II, p. 333, n. 513).

                   As Leis Orgânicas do Ministério Público são indicativas das competências administrativas do Procurador-Geral.

                   A Lei n. 8.625/93 prescreve quanto ao Ministério Públicos dos Estados:

“Art. 10. Compete ao Procurador-Geral de Justiça:

I - exercer a chefia do Ministério Público, representando-o judicial e extrajudicialmente;

(...)

X - dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público, designando quem deva oficiar no feito”.

                   A Lei Complementar n. 75/93 sequer confere ao Procurador-Geral da República competência para solução de conflito de atribuição entre membros do Ministério Público da União e dos Estados ou entre estes. No tocante ao Ministério Público da União, esse diploma legal, além de prever a competência da Câmara de Coordenação e Revisão em face de conflito entre órgãos do Ministério Público Federal, reservada ao Procurador-Geral da República decisão em grau de recurso (arts. 49, VIII, e 62, VII), estabelece:

“Art. 26. São atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público da União:

I - representar a instituição;

(...)

VII - dirimir conflitos de atribuição entre integrantes de ramos diferentes do Ministério Público da União”.

                   Ou seja, o Procurador-Geral da República detém competência para solução de conflitos de atribuição entre membros de ramos diferentes do Ministério Público da União.

                   A solução de conflitos de atribuição é resquício da hierarquia na organização do Ministério Público, modo de viabilizar a atuação cotidiana com unidade.

                   Se compete a cada Procurador-Geral a solução conflitos de atribuição entre membros de seus respectivos Ministérios Públicos, os conflitos entre membros de Ministérios Públicos diversos encontram sede competente no Supremo Tribunal Federal.

                   Diante do conflito de atribuições (positivo ou negativo) entre órgãos de Ministérios Públicos diversos (entre Ministérios Públicos Estaduais ou entre Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual), sua solução não é da alçada da Procuradoria-Geral da República. O Procurador-Geral da República exerce tão somente a Chefia do Ministério Público da União, não podendo estendê-la aos Estados, sob pena de violação do princípio federativo e do princípio da autonomia conferida aos Ministérios Públicos Estaduais – possuidores de chefia própria - e de afirmar-se hierarquia onde não existe.

                   O Superior Tribunal de Justiça dispensou orientação negativa ao conhecimento desse conflito de atribuições (STJ, CAt 169-RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 23-11-2005, m.v., DJ 13-03-2006, p. 177) e o Supremo Tribunal Federal, revendo seu entendimento anterior, concluiu competir-lhe a solução do conflito:

“COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. (...)” (STF, Pet 3.528-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 28-09-2005, v.u., DJ 03-03-2006, p. 71). 

                   Nesse julgamento foi assentado descaber à Procuradoria-Geral da República dirimir conflito de atribuições entre órgãos dos Ministérios Públicos Federal e Estadual por que:

“de acordo com a norma do § 1° do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados. (...) A solução há de decorrer não de pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. Uma coisa é atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da União, como também o é atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual. Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados”.

                   Esse posicionamento, ademais, esclareceu que competia ao próprio Supremo Tribunal Federal superar o impasse, de maneira a evitar um “buraco negro”, trazendo à colação precedentes longevos (STF, CJ 5.133, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 22-05-1970; STF, CJ 5.257, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 04-05-1970) para concluir que “diante da inexistência de disposição específica na Lei Fundamental relativa à competência, o impasse não pode continuar. Esta Corte tem precedente segundo o qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação (...) Esse entendimento é fortalecido pelo fato de órgãos da União e de Estado membro estarem envolvidos no conflito, e aí há de se emprestar à alínea ‘f’ do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal alcance suficiente ao afastamento do descompasso, solucionando-o o Supremo, como órgão maior da pirâmide jurisdicional”.

                   Portanto, firmou-se a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecimento e julgamento de conflito de atribuições “entre o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos Estaduais, ante a ausência de dispositivo constitucional expresso, mas com a efetiva possibilidade de conflito federativo (art. 102, I, f, da Constituição)” (STF, ACO-ED 1.239-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18-09-2008, DJe 20-10-2008).

                   Como se vê, ao Procurador-Geral da República compete somente a solução de conflitos entre membros de ramos diferentes do Ministério Público da União nos termos do art. 26, VII, da Lei Complementar n. 75/93.

                   Concepção diversa é agressiva à autonomia de cada esfera de Ministério Público e estabeleceria hierarquia inexistente. E o Supremo Tribunal Federal continua a entender que a competência para solução do conflito de atribuições entre diversos Ministérios Públicos é da sua competência, e não do Procurador-Geral da República, como se observa das decisões do Plenário adiante invocadas:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. AUTARQUIA ESPECIAL. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 102, I, f, e 109, I, CF. 1. Trata-se de conflito negativo de atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual a respeito dos fatos constantes de procedimento administrativo. 2. Com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da República, deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público Federal e do Estado do Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar conflito entre órgãos de Ministérios Públicos diversos. 3. Os fatos indicados nos autos evidenciam o interesse jurídico da União, aqui consubstanciado no efetivo exercício do poder de polícia da Agência Nacional do Petróleo, evidenciando a atribuição do Ministério Público Federal para conduzir a investigação. 4. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição ao órgão de atuação do Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro” (STF, ACO 1.136-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 04-08-2011, v.u., DJe 22-08-2011).

“CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAL E FEDERAL. Conforme precedentes do Supremo, cabe a si dirimir conflito de atribuições entre o Ministério Público estadual e o Federal - Petição nº 3.631-0/SP, relator Ministro Cezar Peluso, acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 6 de março de 2008, e Ação Cível Originária nº 889/RJ, relatora Ministra Ellen Gracie, acórdão veiculado no Diário da Justiça Eletrônico de27 de novembro de 2008. CRIME COMUM - AUSÊNCIA DE CONEXÃO COM O CRIME COMUM ELEITORAL. Verificada a inexistência de conexão entre as imputações, incumbe ao Ministério Público do Estado a atuação relativamente ao crime comum propriamente dito. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. O conflito de competência pressupõe postura de órgãos do Judiciário quer assentando ambos a respectiva competência, quer negando-a” (STF, Pet 4.574-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 11-03-2010, v.u., DJe 09-04-2010).

                   Essa é a tônica das decisões monocráticas, pesquisadas por amostragem (ACO 2.315-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 06-08-2014, DJe 12-08-2014; ACO 2.049-SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-07-2014, DJe 08-08-2014; ACO 2.546-MT, Rel. Min. Dias Toffoli, 13-06-2014, DJe 01-08-2014; ACO 2.438-ES, Rel. Min. Luiz Fux, 05-06-2014, DJe 11-06-2014; ACO 1.676-RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 03-12-2013; DJe 09-12-2013).

                   Em suma, o ordenamento jurídico vigente não autoriza o Procurador-Geral da República à solução de conflito de atribuições entre membros do Ministério Público da União e dos Estados, matéria que é da competência do Supremo Tribunal Federal.

                   No tocante à matéria de fundo, é inexorável a conclusão de atribuição do Ministério Público do Estado para investigar as condições relativas ao meio ambiente do trabalho de servidores públicos estaduais ou municipais, como verte das seguintes decisões do Supremo Tribunal Federal que trago à colação:

“Trata-se de conflito negativo de atribuições entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público do Trabalho. Os autos revelam tratar-se de inquérito civil instaurado para apurar irregularidades no meio ambiente de trabalho, especialmente a possibilidade risco biológico no Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo/SP, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

    O inquérito civil teve início no Parquet Estadual em abril de 2002. Posteriormente, foi remetido ao MPT, em virtude da edição da Súmula 736/STF, instância na qual foi realizado Termo de Ajustamento de Conduta-TAC, a fim de que a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo adotasse medidas para dirimir os riscos apresentados.

    Entretanto, em agosto de 2013, o Ministério Público laboral entendeu não ter mais competência para a continuidade do inquérito em razão da alteração do regime jurídico de seus servidores, que passaram a ser servidores estatutários (págs. 21-22 do documento eletrônico 3).

    Os autos foram, então, encaminhados ao Parquet Estadual, que suscitou o presente conflito de atribuições por entender, da mesma forma, não ser de sua competência a continuidade do procedimento.

    Designei que a autoridade suscitante, o Ministério Público do Estado de São Paulo, ficasse responsável, em caráter provisório, pela deliberação     das medidas urgentes e das que se fizessem necessárias até a decisão final.

     A Procuradoria-Geral da República manifesta-se, preliminarmente, pelo não conhecimento da presente ação e, no mérito, pelo reconhecimento da atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo para atuar no feito(documento eletrônico 11).

    É o relatório. Passo a decidir.

    Bem examinados os autos, pondero que a questão em debate não é nova nesta Corte. O caso é análogo a vários conflitos de competência apresentados neste Tribunal entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum Estadual, em casos envolvendo servidores públicos, especialmente aos contratados temporariamente.

    Com efeito, cumpre salientar que várias decisões vêm sendo prolatadas no sentido de que o processamento de litígio entre servidores temporários e a Administração Pública na Justiça do Trabalho afronta a decisão do Plenário desta Corte proferida na ADI 3.395-MC/DF, da qual foi relator o Ministro Cezar Peluso.

    Nela foi referendada a liminar, deferida pelo Ministro Nelson Jobim, que suspendeu cautelarmente qualquer interpretação do art. 114, I, da Carta Magna

    ‘que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a (...) apreciação (...) de causas que (...) sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.’

    Por ocasião do referendo da cautelar, o Ministro Cezar Peluso trouxe à colação trecho do voto do Relator da ADI 492, Ministro Carlos Velloso. Nessa ADI a Corte entendeu ser inconstitucional a inclusão, no âmbito de competência da Justiça do Trabalho, de causas referentes a servidores que mantenham com a Administração Pública vínculo de natureza estatutária, uma vez que é estranho ao conceito de relação de trabalho.

          E o Ministro Peluso avançou ainda mais, sustentando que,

    ‘ao atribuir à Justiça do Trabalho competência para apreciar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o art. 144, inc. I, da Constituição, não incluiu, em seu âmbito matéria de validade, as relações de natureza jurídico-administrativa dos servidores públicos.’

    O Plenário desta Corte também já se pronunciou sobre a matéria, depois da edição da Constituição de 1988, no julgamento da Reclamação 5.381/AM – relatada pelo Ministro Ayres Britto e na qual ficou vencido o Ministro Marco Aurélio –, cuja ementa está abaixo transcrita:

    ‘CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. MEDIDA LIMINAR NA ADI 3.357. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME TEMPORÁRIO. JUSTIÇA DO TRABALHO. INCOMPETÊNCIA. 1. No julgamento da ADI 3.395-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e qualquer interpretação

do inciso I do art. 114 da CF (na redação da Emenda 45/2004) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. 2. Contratações temporárias que se deram com fundamento na Lei amazonense nº 2.607/00, que minudenciou o regime jurídico aplicável às partes figurantes do contrato. Caracterização de vínculo jurídico-administrativo entre contratante e contratados. 3. Procedência do pedido. 4. Agravo regimental prejudicado.’

    Registro, ainda, que o Plenário desta Corte, na Sessão de 25/6/2008, negou provimento ao agravo regimental interposto contra decisão que julgou procedente a Reclamação 4.903/SE, de minha relatoria, dando por competente a Justiça Comum para apreciar o pleito de servidores públicos contratados temporariamente, ajuizado em razão de afronta ao que decidido na referida ADI 3.395-MC/DF.

    O citado acórdão recebeu a seguinte ementa:

    ‘AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. AFRONTA AO DECIDIDO NA ADI 3.395-MC/DF. CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO. VEROSIMILHANÇA ENTRE O DECIDIDO E A DECISÃO TIDA COMO AFRONTADA. AGRAVO IMPROVIDO. I - O provimento cautelar deferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ação declaratória de constitucionalidade, além de produzir eficácia erga omnes , reveste-se de efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do Poder Judiciário. II - A eficácia vinculante, que qualifica tal decisão, legitima o uso da reclamação se e quando a integridade e a autoridade desse julgamento forem desrespeitadas. III A questão tratada na reclamação guarda pertinência com o decidido na ADI 3.395-MC/DF. IV Agravo interposto contra o decidido em sede de liminar prejudicado, porquanto decidida a questão de mérito. V Agravo regimental improvido” (Rcl 4.903-AgR-AgR/SE, de minha relatoria).

    Ressalto, outrossim, que, na Sessão Plenária de 12 de agosto de 2008, por ocasião do julgamento do RE 573.202/AM, de minha relatoria, esta Suprema Corte firmou-se no sentido de que compete à Justiça Comum estadual e à Justiça Federal conhecer de toda causa que verse sobre contratação temporária de servidor público, levada a efeito sob a ordem constitucional vigente ou a anterior, uma vez que a relação jurídica que dali se irradia não é de trabalho – relação à qual se refere o art. 114, I, da Constituição da República –, mas de Direito Público estrito, qualquer que seja a norma aplicável ao caso (Cf. CC 7.588/AM, Rel. Min. Cezar Peluso; Rcl 5.381/AM, Rel. Min. Ayres Britto; e CC 7.223/AM, Rel. Min. Celso de Mello).

    Pois bem, o presente conflito negativo de atribuição deve estar alinhado à jurisprudência da Corte relativa a conflitos de competência. Portanto, tendo em conta que, neste momento, a única relação de trabalho em debate no inquérito civil é a de natureza estatutária, a solução jurídica possível é o reconhecimento da atribuição do Ministério Público estadual.

     Nesse mesmo sentido, destaco as seguintes decisões: ACO 1.711/RJ, Min. Cármen Lúcia; ACO 2.036/MG , Min. Luiz Fux; CC .7807/RN, Min. Gilmar Mendes.

    Isso posto, conheço da presente ação e declaro a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo para o prosseguimento do feito, na forma da pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” (STF, ACO 2.301-SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25-04-2014, DJe 30-04-2014).

“Cuida-se de conflito negativo de atribuição entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público do Trabalho no mesmo Estado, autuado nesta Corte como ação cível originária.

    Depreende-se dos autos que foi instaurado inquérito civil na Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, no Ofício de São José dos Campos/SP, a partir de denúncia anônima, noticiando a omissão do Município de Pindamonhangaba/SP no fornecimento de equipamentos de proteção individual aos funcionários da área de saúde lotados nas unidades de saúde e nos hospitais locais.

    A Procuradoria do Trabalho no Município de São José dos Campos encaminhou os autos do inquérito ao Ministério Público Estadual, sob o fundamento de que ‘inexiste relação de trabalho com a Administração Pública, independentemente do regime jurídico adotado ser estatutário, celetista ou inexistir regime, do que decorre a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas decorrentes desta vinculação, sejam relativas a direitos do servidor, sejam concernentes ao meio ambiente do trabalho’ (fl. 22 do documento eletrônico nº 03).

    A seu turno, o Ministério Público Estadual, representado pelo 4º Promotor de Justiça de Pindamonhangaba/SP, ofereceu representação suscitando o conflito de atribuição em favor do Ministério Público do Trabalho (fls. 354-361 do documento eletrônico nº 10), sob a compreensão de que o parquet trabalhista ‘detém o poder-dever de defender o interesse público, objetivando a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, promovendo ‘a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos’, consoante dicção do art. 83, III, da LC nº 75/93’. Entendeu, ademais, que o procedimento de investigação em questão tem por objeto matéria que se refere à rigorosa observância de normas que visam assegurar um ambiente de trabalho digno e saudável, ‘sendo irrelevante, portanto, saber em que regime laboram os trabalhadores para caracterização da atribuição do Ministério Público do Trabalho’ (fl. 361 – doc. eletrônico nº 10). Concluiu, desse modo, pela falta de atribuição do parquet estadual para atuar na apuração do caso.

    A Procuradoria-Geral de Justiça do MPE-SP, acolhendo a representação formulada pela Promotoria de Justiça de Pindamonhangaba/SP, remeteu os autos a esta Corte a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições (fls. 01-06 do doc. eletrônico nº 02).

    Instada a se manifestar, a d. Procuradoria-Geral da República emitiu parecer (fls. 01 a 21 - documento eletrônico nº 12), sob a seguinte ementa:

    ‘PROCEDIMENTO APURATÓRIO. COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM. VÍNCULO DE CARÁTER JURÍDICO-ADMINISTRATIVO. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL RECONHECIDA.

    1. Cabe ao Procurador-Geral da República, na linha com decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal, decidir o conflito de atribuições quando surgir entre o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público estadual, na medida em que são órgãos que fazem parte da mesma instituição, de nítido caráter nacional, tratando-se, portanto, de conflito interno, devendo sua resolução também ser interna.

    2. Tem atribuição o Ministério Público estadual para a condução de procedimento instaurado com o objetivo de apurar irregularidades na relação de trabalho mantida por ente público municipal e os trabalhadores da rede municipal de saúde, uma vez que o vínculo mantido entre o Poder Público e seus servidores tem sempre caráter jurídico-administrativo.

    3. Requerimento de baixa dos autos no âmbito da Suprema Corte e oportuna devolução do feito para as providências, com base neste posicionamento.’

    É o relatório. Decido.

    De início, saliento que não obstante esteja em debate no Plenário (ACO nº 1.394/RN) a competência originária desta Corte para apreciar conflito de atribuições entre membros do Ministério Público, até a definição dessa questão, prevalece o entendimento de que o Supremo Tribunal Federal é competente para solucionar tal espécie de conflito (art. 102, inciso I, alínea ‘f’, da CF/88). Destaco o julgado condutor dessa compreensão (Pet nº 3528/BA), da lavra do eminente Min. Marco Aurélio:

    ‘COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - ROUBO E DESCAMINHO. Define-se o conflito considerado o crime de que cuida o processo. A circunstância de, no roubo, tratar-se de mercadoria alvo de contrabando não desloca a atribuição, para denunciar, do Ministério Público Estadual para o Federal.’ (Pet nº 3528/BA, Tribunal Pleno, Relator o Min. Marco Aurélio, DJ de 3/3/2006).

    Passo, destarte, à apreciação do feito.

    Verifico que o presente conflito de atribuição tem sua origem na discordância, entre os membros dos distintos órgãos do parquet nacional, acerca da importância da natureza do vínculo jurídico que une a Administração e seus funcionários para a definição da atribuição investigativa quanto ao descumprimento de normas relativas à saúde, à higiene e à segurança do trabalho. Para o MP estadual, é irrelevante a natureza do vínculo, sendo sempre da Justiça do Trabalho a atribuição para apuração do cumprimento das normas que visam assegurar um ambiente de trabalho digno e saudável; para o MP trabalhista, de outro lado, todo e qualquer vínculo entre a Administração e seus agentes seria jurídico-administrativo e, por essa razão, a competência para qualquer feito dele decorrente seria da Justiça Comum.

    No caso dos autos, o Procurador-Geral da República, suscitando como precedente a decisão do Plenário desta Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395/DF, opinou pela competência da Justiça Comum Estadual para o processamento de eventual ação, de modo que entende ser atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo a adoção de providências quanto à notícia de omissão do Município de Pindamonhangaba/SP no fornecimento de equipamentos de proteção individual aos funcionários das unidades de saúde e hospitais do referido município. Eis o trecho do opinativo que explicita tal posição:

    ‘(...)

    Ao editar a Súmula 736, o Supremo Tribunal Federal firmou a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações decorrentes do descumprimento de normas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, sem fazer ressalva quanto à natureza do vínculo que rege a relação laboral (celetista ou estatutário).

    Em momento posterior, entretanto, no julgamento da ADI 3.395/DF, a Suprema Corte afastou qualquer interpretação do texto constitucional que objetivasse incluir na competência da Justiça do Trabalho (CF, art. 114, I) as causas oriundas da relação entre o Poder Público e seus servidores estatutários.

    No caso sob análise, mesmo que a maioria dos trabalhadores atingidos pela conduta irregular sejam regidos, em tese, pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ao ocupar cargos públicos, estabeleceram com o poder público vínculo jurídico-administrativo, incidindo, na hipótese, o entendimento perfilhado na ADI 3.395.

    A questão é constantemente enfrentada pelo Supremo em sede de reclamação. Casos em que a Corte, reiterando o entendimento consubstanciado na ADI 3.395, tem assentado que, nas demandas entre Poder Público e servidor, ainda que sob o estatuto celetista, a competência para dirimir a controvérsia é da Justiça Comum Estadual. (…)

    (…)

    Desse modo, cabe ao Ministério Público do Estado de São Paulo, apurar os fatos narrados no procedimento administrativo subjacente,

    Diante do exposto, o Procurador-Geral da República restitui os autos para baixa do feito no âmbito do Supremo Tribunal Federal e ulterior devolução, para encaminhamento ao Ministério Público do Estado de São Paulo, uma vez que reconhecida a atribuição do Ministério Público Estadual para atuar no caso.’ (fls. 11 a 21 – doc. eletrônico nº 12)

    É certo que, no julgamento da mencionada ADI nº 3.395/DF, deu-se interpretação ao art. 114, inciso I, da Constituição Federal, para excluir qualquer interpretação que inclua na competência da Justiça do Trabalho as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe esteja vinculado por relação jurídico-estatutária.

    Ocorre que, in casu, não se trata propriamente de questão relacionada ao vínculo estabelecido entre a Administração e seus agentes; trata-se isto sim, de inquérito civil tendente a apurar o suposto descumprimento de normas relativas ao ambiente de trabalho.

    Nessa perspectiva, cabe ressaltar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 3.303/PI, entendeu que o processamento perante a Justiça do Trabalho de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face do Estado do Piauí em nada afrontava a decisão proferida por esta Suprema Corte na ADI nº 3.395-MC (Relator o Ministro Cezar Peluso, DJ de 10/11/06), porquanto ação civil pública em questão visava tão somente exigir o cumprimento pelo Poder Público local de normas relativas à saúde, à higiene e à segurança do trabalho no âmbito da administração pública local, inexistindo, no caso, pretensão de discutir a natureza do vínculo entre os trabalhadores e o ente público. Transcrevo a ementa do mencionado julgado:

     ‘CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. ADI 3.395-MC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, PARA IMPOR AO PODER PÚBLICO PIAUIENSE A OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO NO ÂMBITO DO INSTITUTO MÉDICO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA.

    1. Alegação de desrespeito ao decidido na ADI 3.395-MC não verificada, porquanto a ação civil pública em foco tem por objeto exigir o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores.

    2. Reclamação improcedente. Prejudicado o agravo regimental interposto.’ (Rcl nº 3.303/PI, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 16/5/08 – grifei).

    Destaco, por oportuno, trechos do debate travado no julgamento da Rcl nº 3.303/PI, a partir do qual se reconheceu a inexistência de identidade material entre o ato impugnado na referida reclamação e a decisão desta Corte na ADI nº 3.395-MC/DF, apontada como parâmetro de descumprimento:

    ‘O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: A decisão invocada como parâmetro de confronto é a proferida na ADI 3.395/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO.

    (…)

    O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Há um aspecto interessante: como se cuida de uma ação civil pública, o próprio Ministério Público do Trabalho, que a promove (e interveio neste processo como interessado), destaca a inocorrência de ofensa à nossa decisão proferida na ADI 3.395/DF, ao salientar que a Súmula 736/STF reconhece a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações - como esta - ‘que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores’ (fls. 185).

    Observou-se, ainda, que os trabalhadores do IML não têm vínculo estatutário nem estão submetidos a regime especial. Quer dizer, trata-se, no caso, de uma decisão judicial, proferida em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, contra determinada entidade estatal, em decorrência de suposto descumprimento, pelo Poder Público local, de normas de saúde, de higiene e de segurança do trabalho. Descumprimento que, alegadamente, ocorreria no âmbito de uma determinada autarquia estadual ou mesmo no de um órgão da administração pública centralizada.

    O fato é que essa ‘causa petendi’ estaria a sugerir, longe de qualquer debate sobre a natureza do vínculo (se laboral, ou não, se de caráter estatutário, ou não), que se pretende, na realidade, e numa perspectiva de pura metaindividualidade, provocada pela iniciativa do Ministério Público, saber se normas referentes à higiene e à saúde do trabalho estariam sendo observadas, ou não, por determinado ente público.

    O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO:

    Exatamente por esse aspecto o Relator não enfrentou a questão do vínculo. Examina-se, na realidade, apenas a justiça competente para julgar uma ação civil pública relativa à higiene do trabalho. (…)

    O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (RELATOR) – Que seria a Justiça do Trabalho.

    O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO MENEZES DIREITO:

    Nesse sentido, o precedente não foi violentado, por isso a reclamação é julgada improcedente.

    (…)

    O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Na realidade, o próprio fundamento constitucional da pretensão deduzida pelo Ministério Público do Trabalho, em sede de ação civil pública, reside no inciso II do art. 129 da Constituição. Ora, esse dispositivo, ao dispor sobre as funções institucionais do Ministério Público, qualifica o ‘Parquet’ como verdadeiro defensor do povo, ao estabelecer que cabe, ao Ministério Público, ‘zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia’.

    Dentre esses direitos de essencialidade inquestionável, está, por sua clara natureza, o direito à saúde. Portanto, não estamos discutindo, no fundo, a natureza do vínculo, nem estamos em face de uma ofensa ou transgressão à autoridade da decisão proferida por esta Corte, em sede cautelar, na ação direta de inconstitucionalidade invocada como paradigma de confronto.

    Na realidade, o Ministério Público, legitimado ativamente ao ajuizamento da ação civil pública, invoca a proteção jurisdicional a direitos e a interesses transindividuais, com apoio numa cláusula da Constituição que lhe assegura uma das mais relevantes funções institucionais: a de atuar como verdadeiro defensor do povo.’ (sublinhei)

    No mesmo sentido foi a recente deliberação do Plenário na Reclamação nº 12.113/AM, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, cuja ementa reproduzo:

    ‘AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. AFRONTA AO DECIDIDO NA ADI 3.395-MC/DF. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, PARA IMPOR AO PODER PÚBLICO A OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO NO ÂMBITO DE HOSPITAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE ENTRE O ATO RECLAMADO E A DECISÃO PARADIGMA. AGRAVO IMPROVIDO.

    I – Esta Corte, por ocasião do julgamento da ADI 3.395-MC/DF, deu interpretação conforme ao art. 114, I, da Constituição Federal, para excluir da competência da Justiça do Trabalho as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe esteja vinculado por relação jurídico-estatutária.

    II - O ato reclamado deve ajustar-se com exatidão ao paradigma invocado, a fim de que se verifique afronta à autoridade de decisão deste Tribunal.

    III - A ausência de similitude entre o ato reclamado e o acórdão indicado como paradigma impede o julgamento da reclamação.

    IV – No caso, trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, com o fim de apurar o descumprimento de normas relativas ao meio ambiente do trabalho, especialmente no que se refere ao Hospital 28 de Agosto, localizado em Manaus/AM, o que afasta a competência da Justiça comum.

    V - Agravo improvido.’ (Rcl nº 13.113-AgR/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 19/2/14 – grifei).

    Assim, na linha dos aludidos precedentes desta Corte e tendo em vista os artigos 83 e 84 da Lei Complementar nº 75/93, os quais dispõem sobre as atribuições do Ministério Público do Trabalho, entendo que assiste razão ao parquet estadual ao afirmar que incumbe ao Ministério Público do Trabalho dar seguimento ao inquérito civil instaurado, com vistas a investigar o noticiado descumprimento pelo Município de Pindamonhangaba/SP das normas de saúde e segurança do trabalho.

    Confiram-se, em casos análogos ao presente, as decisões monocráticas na ACO nº 2.672/AM (Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 1º/12/15), na ACO nº 1.825/SP (Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 7/8/14) e na ACO nº 2.169/ES (Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 26/9/13), nas quais se reconheceu a atribuição do Ministério Público do Trabalho para apurar irregularidades alegadamente relacionadas às condições de saúde, higiene e segurança do trabalho.

    Pelo exposto, nos termos dos precedentes desta Corte, conheço do conflito, para definir a atribuição do Ministério Público do Trabalho para adoção das medidas tendentes à apuração do caso.

    Encaminhem-se os presentes autos ao Ministério Público do Trabalho (Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região)” (STF, ACO 2.709-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, 25-02-2016).

                   Face ao exposto, outra solução não resta senão promover o encaminhamento dos autos ao colendo Supremo Tribunal Federal para dirimir o presente conflito de atribuições à luz do art. 102, I, f, da Constituição Federal, e do art. 247 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

                   Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

                   São Paulo, 26 de setembro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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