Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
105.448/2011
Peças de
Informação 62/2008
Suscitante: 1º
Promotor de Justiça de Campos do Jordão
Suscitado: Procurador
da República em Taubaté
Ementa:
1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão (suscitante) e Procurador da República em Taubaté (suscitado).
2) Irregularidades em Convênio firmado entre a Municipalidade de Campos de Jordão, a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM). Investigação envolvendo entidade autárquica federal. Incidência da art. 109, I, da CR.
3) Representação
conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Col. STF para a
apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.
Vistos,
1) Relatório.
Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão,
e como suscitado o DD. Procurador da
República oficiante em Taubaté.
O expediente foi instaurado, como noticiam os autos, no Ministério Público Federal, a fim de apurar notícias de irregularidades no convênio firmado entre Municipalidade de Campos de Jordão, a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), para fins de implantação de programa de saúde pública, por três motivos: (a) serviços de saúde devem ser prestados diretamente pelo Poder Público; (b) o convênio deveria ter sido precedido de licitação; (c) há entendimento do Tribunal de Contas da União no sentido de que a UNIFESP se abstenha de participar de convênios conjuntamente com a SPDM.
O suscitado, DD. Procurador da República em Taubaté ofereceu manifestação salientando que os recursos utilizados são do Município de Campos do Jordão e que, em razão disso, deve ser aplicado o entendimento contido no verbete nº 209 da súmula do Col. STJ, por força do qual “Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal” (fls. 23/24).
O suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, ofereceu representação postulando seja suscitado o conflito, afirmando, em síntese, que: (a) “Ante a presença da UNIFESP na relação jurídica, falece a atribuição desta promotoria e afasta-se a competência da Justiça Estadual”; (b) a súmula nº 209 do Col. STJ não se aplica ao caso, visto que não se trata de desvio de verba pelo Prefeito, mas sim questionamento a respeito da licitude do convênio do Município com a autarquia federal.
É o relato do essencial.
2) Fundamentação.
Está
configurado, no caso, o conflito de atribuições.
Isso
decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público,
quando “(a) dois ou mais deles
manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias
atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos
um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que
já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia,
Ministério Público, 2ª ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de
determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no
direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe
Chiovenda (Princípios de derecho procesal
civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto
Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para
conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente,
culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os
dados do caso concreto investigado.
No
caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação,
para, a partir daí, definir-se o conflito.
O
objeto da investigação, como se infere destes autos, está relacionado à
existência e à regularidade de convênio firmado entre o Município de Campos do
Jordão, a UNIFESP, e a SPDM (cópia do termo de convênio juntada aos autos,
conforme fls. 15/21).
A
investigação conduzirá, naturalmente, à verificação quanto à licitude do
convênio, e eventualmente à necessidade de reposição aos cofres públicos
municipais dos recursos que foram repassados à UNIFESP e à SPDM.
Nesse
quadro, é razoável supor, ao menos com as informações coligidas ao feito até o
momento, que provavelmente figurará no polo passivo da ação civil pública, caso
esta venha a ser proposta, a UNIFESP, cuja natureza jurídica é de entidade
autárquica federal.
Assim,
embora não se trate, ao menos em princípio, de lesão ao patrimônio público
federal, como a entidade autárquica federal figura no procedimento como
investigada, e provavelmente figurará na ação coletiva destinada ao
reconhecimento da nulidade do convênio e à reposição dos valores dispendidos, mostra-se
correto o entendimento do suscitante quanto à virtual aplicação do art. 109, I,
da CR, determinando que a competência para a ação civil seja da Justiça
Federal.
Nesse quadro, é natural que a investigação seja conduzida pelo Ministério Público Federal.
Cumpre recordar que a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93), prevê: (a) como função institucional do Ministério Público da União a defesa do patrimônio nacional e do patrimônio público e social (art. 5º, III, a e b); (b) confere-lhe atribuição para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social (art. 6º, VII, b); (c) incumbe-lhe de propor ações cabíveis para declaração de nulidade de atos ou contratos geradores do endividamento externo da União, de suas autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal, ou com repercussão direta ou indireta em suas finanças (art. 6º, XVII, b); (d) que o Ministério Público Federal exercerá suas funções nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para, entre outras coisas, a defesa de direitos e interesses integrantes do patrimônio nacional (art. 37, II); (e) que o Ministério Público Federal exercerá a defesa dos direitos constitucionais do cidadão sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelos Poderes Públicos Federais, bem como por órgãos da administração pública federal direta ou indireta (art. 39, I e II).
Em síntese: sendo uma das investigadas a autarquia federal que poderá ser ré na futura ação, a atribuição recai sobre o órgão do Ministério Público Federal.
3) Decisão.
Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 10 de agosto de 2011.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
Em exercício
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