Protocolado n. 0114710/16
Conflito de Atribuições.
Suscitante : 6º PJ do Consumidor da Capital.
Suscitado : Promotoria Justiça de Ilha Bela.
Ementa.
Cobrança Diferenciada de Tarifa nos finais de Semana e Feriados pelo “DERSA”,
no sistema de travessia de balsas São Sebastião/Ilha Bela. Valor fixado por
Resolução conjunta do Secretário de Logística e Transporte e Secretário de
Transportes Metropolitanos para todas as travessias do Estado. Dano Regional.
Questão afeta ao Direito Consumerista. Incidência do art. 93, inc. II do Código
de Defesa do Consumidor. Promotoria do Consumidor da Capital com atribuição
para atuar nos autos. Conflito conhecido e dirimido.
Trata-se de expediente advindo da Promotoria de
Justiça de Ilha Bela, instaurado com escólio em representação apresentada por
Benedita Maria Gonzaga de Campos, apontando irregularidades ocorridas na balsa
que faz a travessia de São Sebastião à Ilha Bela, dentre elas a cobrança de
tarifas com valores diferenciados, se os serviços forem utilizados em dias
úteis ou em feriados/fins de semana.
Por entender que a conduta abusiva causa prejuízo a
um número absolutamente indeterminado de consumidores e não somente aos
usuários da travessia local, bem como pelo fato dos valores das tarifas serem
fixados por ato administrativo do Secretário de Estado, nos termos do art. 93,
inc. II do Código de Defesa do Consumidor e art. 116, inc. IV da Lei Orgânica
do Ministério Público do Estado de São Paulo, a Promotoria de Ilha-Bela declinou de sua atuação nos autos encaminhando-os
à Procuradoria-Geral de Justiça que, por sua vez o encaminhou à Promotoria de
Justiça do Consumidor da Capital.
Distribuído o expediente, o Membro contemplado (6º PJ do
Consumidor da Capital), também concluiu pela ausência de atribuição para atuar
nos autos, invocando a inaplicabilidade no caso em tela da hipótese trazida
pelo art. 93, inc. II do Código de Defesa do Consumidor, acrescentando que o
fato da Resolução Conjunta SLF-STM – 1, de 30 de Junho de 2015 ter autorizado o
reajuste de transporte de veículos pelas balsas nas travessias
Guarujá-Bertioga, Juréia-Iguape, Cananéia-Ilha Comprida, Cananéia-Continente,
Guarujá-Santos e São Sebastião-Ilha Bela, não possui o condão de regionalizar ou
nacionalizar o dano, sendo este localizado tão somente na região litorânea do
estado, razão pela qual caberia à Promotoria de origem apurar os fatos.
Em síntese os autos.
É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.
Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
Na hipótese em análise, o elemento central para a decisão do conflito reside em saber qual é a provável dimensão do risco ou dano e, consequentemente, se deve ser aplicada a regra de competência prevista no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, ou então a norma prevista no art. 93, II, do Código de Defesa do Consumidor.
É necessário verificar, portanto, qual é a dimensão do dano suficiente para configurar a fattispecie prevista no art. 93, II do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual a competência jurisdicional (e por analogia a atribuição ministerial) será do foro da Capital do Estado se o risco ou dano for “regional”, ou do local do dano, aplicando-se, neste último caso, o disposto no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública.
A interpretação das regras de competência, nessa matéria, não pode ser, com a devida vênia com relação a entendimento diverso, meramente gramatical, mas sim teleológica.
Os critérios utilizados pelo legislador, definindo a competência do foro do local do dano ou da Capital do Estado, conforme a situação tenha dimensão local, regional ou nacional, consideram a probabilidade de maior eficiência do processo coletivo na coleta de provas e, consequentemente, o contato direto do órgão jurisdicional com os fatos.
Não fosse assim, chegar-se-ia a um resultado que certamente não foi o desejado pelo legislador, qual seja estabelecer como juízo competente aquele que está dissociado, até mesmo fisicamente, do contexto da situação de dano ou risco e da coleta da prova em eventual ação judicial.
Entretanto, no caso em tela, há de se considerar certa peculiaridade, qual seja, os valores das tarifas são fixados mediante Resolução Conjunta emanada do Secretário de Logística e Transporte e do Secretário de Transporte Metropolitanos, a quem cabe revê-las, razão pela qual nada mais apropriado que o foro da Capital do Estado seja o apropriado para se questionar a distinção nos valores cobrados e, por conseguinte, a atribuição da Promotoria do Consumidor da Capital para atuar no caso.
A Lei Complementar Estadual n. 9.318/66 conferiu à
Secretaria de Transportes diversas competências, dentre elas a responsabilidade
pelo Departamento Hidroviário, incluindo as travessias.
Em 04 de maio de 1989 foi editado o Decreto 29.884,
outorgando ao “DERSA” pelo prazo de 05 (cinco anos) - que foi prorrogado
sucessivamente - a permissão para a
operação das travessias litorâneas do Estado de São Paulo, restando a
competência para a fixação dos valores das tarifas à Secretária de Transportes
e pelo “DERSA” são auferidas.
As tarifas atualmente praticadas foram fixadas pela
Resolução n. SLT-STM-001, de 30 de junho de 2015, editada pela Secretaria
Logística de Transportes e Secretaria de Transporte Metropolitanos.
Apesar de outros questionamentos acerca da qualidade dos
serviços prestados terem sido deflagrados na Promotoria de São Sebastião e de
Ilha Bela, denota-se que a prática da cobrança diferenciada acomete outras
travessias operadas pela Sociedade de Economia Mista, leia-se, Cananéia - Ilha
Comprida, Cananéia - Continente, Guarujá - Bertioga, Juréia - Iguape, Cananéia
- Ilha Comprida, Cananéia-Continente, configurando-se evidente dano regional,
ainda que abarque “tão somente” as regiões litorâneas do estado, que é vasta e,
por sua vez, longínquos os municípios envolvidos.
Perlustrando o sítio do “DERSA” junto
à rede mundial de computares, denota-se que sua capacidade operacional diária
chega a 2.400 veículos por hora em cada sentido das travessias, transportando
ainda 23 mil pedestres, 22 mil veículos, 11 mil bicicletas e 10 mil
motocicletas
Constatada a regionalidade do dano e a indubitável
matéria consumerista, uma vez que a questão de fundo é verificar se os valores
das tarifas praticadas pelo “DERSA” e fixadas pela Secretaria de Estado estão
ou não em consonância com o Código de Defesa do Consumidor, denota-se que ainda
que a investigação dos fatos não deve ficar a cargo da Procuradoria-Geral de
Justiça, mas sim, da própria Promotoria.
O art. 116, inc. V, “a”, por intermédio da ADIN n.
1285/1995, teve sua redação declarada parcialmente inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal, restando assim à Procuradoria-Geral a apuração de
fatos atribuídos à Secretários de Estado originariamente somente na seara
criminal, salvo se integrantes da Instituição, o que não é o caso.
Não se trata de investigação acerca da prática de
atos de improbidade administrativa por parte do Secretário de Estado, o que
levaria a matéria a ser tratada pela Promotoria do Patrimônio Público e Social
da Capital.
O que esta em voga nos autos, é a legalidade ou não
da cobrança de valores diferenciados pelos serviços de travessias, em razão do
dia ser útil, final de semana ou feriado, o que faz com que a apreciação dos
fatos se dê na Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital do estado.
Ante o exposto, dirimo o presente conflito a fim de
determinar que o 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital é quem possui
atribuição para atuar nos autos.
São Paulo, 15 de Dezembro de 2016
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça