Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 115.213/2016

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Sorocaba (Habitação e Urbanismo)

Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público)

Ementa:

1)      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Sorocaba (Habitação e Urbanismo). Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público).

2)      Ação popular ajuizada aduzindo eventuais práticas ilícitas perpetradas pelo Chefe da municipalidade local, versando sobre a implantação do sistema de transporte denominado BRT (“Bus Rapid Transit” ou Transporte Rápido por Ônibus), baseada na ilegalidade das contratações, por falta de estudos de impacto, e lesão ao erário.

3)       Aplicação do critério da especialização (art. 114, § 3º, da Lei Complementar Estadual nº 734/93).

4)      Conflito conhecido e dirimido, com determinação de intervenção do 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (suscitado).

 

Vistos.

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Sorocaba (Habitação e Urbanismo), e como suscitado o DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público), em razão da necessidade de intervenção nos autos da Ação Popular, processo digital n°1016514-92.2016.8.26.0602, que tramita na Vara de Fazenda Pública de Sorocaba,  cujo objeto é a ilegalidade e eventuais danos ao erário,  decorrentes da implantação do sistema de transporte denominado BRT (“Bus Rapid Transit” ou Transporte Rápido por Ônibus), no município de Sorocaba.

O DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Patrimônio Público) ao receber os autos para a manifestação ministerial relativa à petição inicial, declinou da atribuição para o DD. 4º Promotor de Justiça de Sorocaba - Habitação e Urbanismo (fls. 35), o qual  discordando suscitou o conflito (fls. 02/07).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação  ou intervir no processo já instaurado deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado ou  os elementos da ação proposta.

Na hipótese em análise, o elemento central que serve de causa de pedir  da ação popular é a ilegalidade do processo licitatório, inclusive por falta do estudo de impacto de vizinhança e eventuais danos ao erário em decorrência da implantação do sistema de transporte denominado BRT (“Bus Rapid Transit” ou Transporte Rápido por Ônibus), no município de Sorocaba (08/34).

Trata-se, portanto, de situação que apresenta repercussão tanto na esfera da Habitação e Urbanismo como da Cidadania.

É oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada ação, verifique-se a existência de mais de um interesse afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº 734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art. 114, § 2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art. 114, § 3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art. 114, § 3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, pautado na especialização e atento à causa de pedir e ao pedido da ação popular proposta, que se fundamenta na alegação de ilegalidades na licitação, falta de estudos de impacto e prejuízo ao erário, é forçoso reconhecer que o tema é afeto a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público.

Nesse contexto, é certo afirmar que cabe  ao suscitado intervir no processo da ação popular como fiscal da ordem jurídica.

 

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 15º Promotor de Justiça de Sorocaba, a atribuição para oficiar na Ação Popular.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 08 de setembro de 2016.

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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